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Agronegócio levou problemas, dizem antropólogos
RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO
A concentração de um grande
número de índios guarani em pequenas extensões de terra nas reservas indígenas do sul de Mato
Grosso do Sul, resultado do avanço do agronegócio no Estado,
criou uma penúria que não existia
entre eles e que é responsável hoje
pelos problemas de desnutrição e
de mortalidade infantil que enfrentam.
Antropólogos que trabalham
com os caiuás em Dourados (MS)
afirmam que a pobreza e a desnutrição são conseqüências de uma
crise na produção agrícola desses
índios agravada por outra crise,
de ordem cultural.
O professor da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul) Rubem Thomaz de Almeida afirma que os caiuá sempre
ocuparam de maneira esparsa
grandes territórios, organizados
em famílias extensas de três ou
quatro gerações associadas a outras famílias aliadas, sem se aglutinarem em "aldeias".
Fábio Mura, doutorando do
Museu Nacional (centro de referência internacional em antropologia, vinculado à Universidade
Federal do Rio de Janeiro) e professor da UEMS, explica que, nas
reservas em que foram confinados depois do avanço da criação
de gado e do plantio da soja, famílias rivais foram obrigadas a viver
juntas. Conflitos entre essas famílias (provocados por acusações de
feitiçaria, por exemplo), antes resolvidos pelo deslocamento de
uma delas para outras regiões, foram potencializados.
Além disso, o "capitão" da reserva, "intermediário entre o Estado e a população indígena, cargo que é imposto pelo Estado",
diz Mura, pertence sempre a um
certo grupo de famílias e tende a
privilegiá-las na divisão de recursos recebidos dos governos.
Entre os índios guaranis (grupo
que inclui os caiuás), ele diz, não
há a figura da comunidade, da
coisa pública. É um erro, portanto, tratar o capitão como uma espécie de "prefeito" da reserva. Daí
que o Fome Zero Indígena, ele
diz, seja "um desperdício enorme
de dinheiro". "Você vai ter algumas famílias opulentas, e outras
passam a viver na penúria." São
essas últimas que começam a enfrentar mais gravemente os problemas de desnutrição e mortalidade, para além do problema geral de falta de terras para cultivo.
Mura calcula que uma comunidade estável de índios caiuá, com
suas famílias extensas associadas,
comporte de 300 a 350 índios e
necessite de cerca de 10 mil hectares para viver sem desequilíbrios.
Em Dourados (a 218 km de Campo Grande), onde seis crianças
morreram por desnutrição neste
ano, vivem cerca de 11 mil índios
em 3.540 hectares. Seguindo os
cálculos de Mura, seriam necessários mais de 300 mil hectares de
terra para toda essa população.
Além disso, não é qualquer terra
que importa para os caiuás. Eles
acreditam ser seu dever cuidar de
um território específico, de onde
são originários. Separados dessa
terra e impossibilitados de cumprir o seu dever, vêem o mundo
em desordem. Por isso, muitos
deles dizem, afirma Mura, que o
mundo está próximo de acabar.
A conseqüência dessa desordem do mundo é uma desordem
social. Os índios atribuem os problemas de violência familiar, subnutrição e alcoolismo a esse desequilíbrio originário.
Dois preconceitos sobre os índios -as supostas pouca afeição
ao trabalho e tendência ao alcoolismo- também são atacados pelo antropólogo e relacionados a
essa desordem "fundiária". No
caso do consumo de álcool, a desorganização cultural teria modificado um uso tradicional de bebida fermentada (cauim) durante
rituais indígenas.
Quanto ao trabalho, Mura diz
que, tradicionalmente, os índios
trabalhavam duas ou três horas
por dia nas suas culturas de subsistência, o que era suficiente para
suas necessidades, dedicando o
restante do tempo à socialização.
"Com as condições ecológicas
atuais, com três horas você não
consegue produzir o necessário
para consumo", diz Mura. Ou seja, não são os índios que trabalham pouco, mas as condições de
produção é que mudaram.
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