São Paulo, domingo, 06 de março de 2005

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NO PLANALTO

Quadro funcional da Abin inclui até lavadeiras

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

O governo às vezes faz o Congresso de bobo. Conta com a ajuda diligente de deputados e senadores, que constituem ótima matéria-prima.
Em abril do ano passado, o Legislativo aprovou a lei 10.862. O texto instituiu um "Plano Especial de Cargos" para a Agência Brasileira de Inteligência. Fixou também regras para o pagamento de gratificações aos servidores da repartição.
Autor da proposta convertida em lei, o Palácio do Planalto sonegou ao Congresso uma informação trivial: a lista de cargos da Abin. Os parlamentares votaram, por assim dizer, no escuro.
"Reclassificado" segundo os parâmetros da nova lei, o quadro funcional da Abin foi dividido em dois grupos: o de "Informações", responsável pela "obtenção, análise e disseminação" de dados, e o de "Apoio", que responde pelo "suporte técnico-administrativo e logístico".
Em junho de 2004, o Planalto regulamentou a lei. Valendo-se de uma portaria sigilosa (número 25), acomodou cada funcionário em seu respectivo grupo. A portaria traz a assinatura do general Jorge Armando Félix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência.
O artigo 5º do documento anota: "A publicação desta portaria será feita no Boletim de Serviço Reservado da Abin e no Boletim Interno Reservado do GSI". Relacionaram-se num anexo os cargos ocultados dos legisladores. A relação surpreende pela abrangência.
Ao lado de previsíveis agentes de informação e técnicos em informática surgem advogados, arquitetos, engenheiros, médicos, nutricionistas, dentistas, enfermeiros, pedagogos, psicólogos e instrutores de tiro.
Escondem-se ainda atrás da engrenagem da Abin "monitores de idiomas", tradutores, redatores, revisores, diagramadores, gráficos, fotógrafos e laboratoristas.
Há mais: mecânicos, frentistas, borracheiros, lanterneiros, lavadores de carro, lavadeiras de roupa, alfaiates, barbeiros, cozinheiros, copeiros, garçons...
Não é só: ...dedetizadores, jardineiros, eletricistas, marceneiros, tratoristas, pedreiros, mestres-de-obra, serventes, serralheiros, vidraceiros, chaveiros, estofadores etc.
Ouvido pelo repórter, o diretor da Abin, Mauro Marcelo Silva, disse que "todas as denominações de cargos mencionados na portaria reservada 25 já existiam antes do governo atual". Não houve nem "exclusões" nem "inclusões".
Marcelo Silva argumenta que o "sigilo" é "assegurado pela legislação". Foi adotado por "medida de salvaguarda". O curioso é que a portaria não menciona nomes. Salvaguardou-se da curiosidade parlamentar apenas um amontoado de designações profissionais.
Alguns dos cargos mencionados na portaria, que já "não interessam à administração", vêm sendo gradativamente extintos, diz o diretor da Abin. Citou como exemplos alfaiate, estofador e cozinheiro. Sobrevivem no quadro formal apenas em função de pagamentos feitos a "inativos e pensionistas".
Numa fase em que a tesoura de Antonio Palocci apara até investimentos sociais, talvez o Congresso devesse se interessar um pouco mais pela sucessora do SNI. A lei que criou a Abin, de 1999, atribuiu a deputados e senadores a fiscalização das atividades de inteligência.
O "controle externo" foi delegado a uma comissão mista. Integram-na os líderes partidários e os presidentes das comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara e do Senado. Sua principal característica é a inatividade.
A prerrogativa fiscalizadora foi arrancada do Executivo à custa de um renhido embate político. Uma contenda que mobilizou gente como os companheiros José Genoino e José Dirceu. Investido dos poderes que reivindicou, o Congresso se exime de exercê-lo. É uma pena.
Abundam razões para que o Congresso submeta a Abin a um plano de contra-espionagem. Agora mesmo, a agência planeja enviar uma missão a Cuba. Diz-se que o objetivo é a troca de experiências.
A sociedade adoraria saber que lições tem a dar ao Brasil o serviço secreto cubano, cuja missão essencial é o mapeamento dos movimentos políticos que se opõem à ditadura decrépita do companheiro Castro.
Aliado dos regimes fardados, o deputado mineiro José Bonifácio (1904-1986) costumava referir-se assim ao Congresso: "Aqui tem de tudo. Ladrão, honesto, canalha, gente séria. Só não tem bobo". Evoluiu muito a política nacional.


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