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NO PLANALTO
Quadro funcional
da Abin inclui até lavadeiras
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
O governo às vezes faz o
Congresso de bobo. Conta com a ajuda diligente de deputados e senadores, que constituem ótima matéria-prima.
Em abril do ano passado, o
Legislativo aprovou a lei 10.862.
O texto instituiu um "Plano Especial de Cargos" para a Agência Brasileira de Inteligência. Fixou também regras para o pagamento de gratificações aos
servidores da repartição.
Autor da proposta convertida
em lei, o Palácio do Planalto sonegou ao Congresso uma informação trivial: a lista de cargos
da Abin. Os parlamentares votaram, por assim dizer, no escuro.
"Reclassificado" segundo os
parâmetros da nova lei, o quadro funcional da Abin foi dividido em dois grupos: o de "Informações", responsável pela
"obtenção, análise e disseminação" de dados, e o de "Apoio",
que responde pelo "suporte técnico-administrativo e logístico".
Em junho de 2004, o Planalto
regulamentou a lei. Valendo-se
de uma portaria sigilosa (número 25), acomodou cada funcionário em seu respectivo grupo. A
portaria traz a assinatura do general Jorge Armando Félix, chefe do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência.
O artigo 5º do documento
anota: "A publicação desta portaria será feita no Boletim de
Serviço Reservado da Abin e no
Boletim Interno Reservado do
GSI". Relacionaram-se num
anexo os cargos ocultados dos
legisladores. A relação surpreende pela abrangência.
Ao lado de previsíveis agentes
de informação e técnicos em informática surgem advogados,
arquitetos, engenheiros, médicos, nutricionistas, dentistas, enfermeiros, pedagogos, psicólogos
e instrutores de tiro.
Escondem-se ainda atrás da
engrenagem da Abin "monitores de idiomas", tradutores, redatores, revisores, diagramadores, gráficos, fotógrafos e laboratoristas.
Há mais: mecânicos, frentistas, borracheiros, lanterneiros,
lavadores de carro, lavadeiras
de roupa, alfaiates, barbeiros,
cozinheiros, copeiros, garçons...
Não é só: ...dedetizadores, jardineiros, eletricistas, marceneiros, tratoristas, pedreiros, mestres-de-obra, serventes, serralheiros, vidraceiros, chaveiros,
estofadores etc.
Ouvido pelo repórter, o diretor
da Abin, Mauro Marcelo Silva,
disse que "todas as denominações de cargos mencionados na
portaria reservada 25 já existiam antes do governo atual".
Não houve nem "exclusões"
nem "inclusões".
Marcelo Silva argumenta que
o "sigilo" é "assegurado pela legislação". Foi adotado por "medida de salvaguarda". O curioso
é que a portaria não menciona
nomes. Salvaguardou-se da curiosidade parlamentar apenas
um amontoado de designações
profissionais.
Alguns dos cargos mencionados na portaria, que já "não interessam à administração", vêm
sendo gradativamente extintos,
diz o diretor da Abin. Citou como exemplos alfaiate, estofador
e cozinheiro. Sobrevivem no
quadro formal apenas em função de pagamentos feitos a "inativos e pensionistas".
Numa fase em que a tesoura
de Antonio Palocci apara até investimentos sociais, talvez o
Congresso devesse se interessar
um pouco mais pela sucessora
do SNI. A lei que criou a Abin,
de 1999, atribuiu a deputados e
senadores a fiscalização das atividades de inteligência.
O "controle externo" foi delegado a uma comissão mista. Integram-na os líderes partidários
e os presidentes das comissões
de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara e do Senado. Sua principal característica é a inatividade.
A prerrogativa fiscalizadora
foi arrancada do Executivo à
custa de um renhido embate político. Uma contenda que mobilizou gente como os companheiros José Genoino e José Dirceu.
Investido dos poderes que reivindicou, o Congresso se exime
de exercê-lo. É uma pena.
Abundam razões para que o
Congresso submeta a Abin a um
plano de contra-espionagem.
Agora mesmo, a agência planeja enviar uma missão a Cuba.
Diz-se que o objetivo é a troca de
experiências.
A sociedade adoraria saber
que lições tem a dar ao Brasil o
serviço secreto cubano, cuja
missão essencial é o mapeamento dos movimentos políticos que
se opõem à ditadura decrépita
do companheiro Castro.
Aliado dos regimes fardados,
o deputado mineiro José Bonifácio (1904-1986) costumava referir-se assim ao Congresso: "Aqui
tem de tudo. Ladrão, honesto,
canalha, gente séria. Só não tem
bobo". Evoluiu muito a política
nacional.
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