São Paulo, segunda-feira, 06 de março de 2006

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"Programa busca gerar leitores competentes"

DA SUCURSAL DO RIO

Folha - Por que construtivistas e defensores do método fônico brigam tanto?
Telma Weisz -
A polarização que vem sendo estabelecida pelos defensores do método dito fônico não é entre estes e os construtivistas. Muitíssimos educadores que não se consideram construtivistas também não apóiam a idéia de que o método fônico seja a solução para a alfabetização no Brasil.
Mesmo os que não se vêem como construtivistas ou que aceitam apenas parcialmente esta teoria reconhecem, ao contrário dos defensores da volta ao método fônico, a importância das pesquisas e descobertas feitas na área da psicolingüística nos anos 70 sobre o processo através do qual as crianças se alfabetizam.

Folha - Estados Unidos, Inglaterra e França estão priorizando o método fônico. Por que remar contra a maré?
Weisz -
O fato de esses países serem mais ricos não significa que devamos importar acriticamente tudo o que lá acontece. Estes movimentos de favorecimento do método fônico são reações a movimentos locais anteriores ocorridos nesses países.
Na França, onde há uma forte oposição ao movimento chamado de leiturização, cujo mais importante pensador é o professor Jean Foucambert, isso acontece exatamente porque este movimento pregava que a leitura deve ser ensinada sem qualquer informação sobre as correspondências entre letra e sons.
Nos Estados Unidos, a reação é ao movimento conhecido como linguagem total [whole language, em inglês], criado pelos lingüistas Keneth e Yeta Goodman. Este movimento, que se disseminou como um rastilho entre os professores americanos, também acreditava que a simples imersão no universo dos textos escritos seria suficiente para ensinar a ler e a escrever. Nós também questionamos a falta de importância que os Goodman davam às questões relacionadas à compreensão da natureza alfabética do nosso sistema de escrita e à aprendizagem dos valores sonoros convencionais das letras.
Mas não estamos remando contra a maré, apesar do sentimento de inferioridade que faz com que gente que conhece educação pelo lado do financiamento, mas nada sabe sobre didática, diga que só somos competentes para jogar futebol e que, para pensar a educação, não temos alternativa a não ser importar. Não só idéias, mas também práticas, sem considerar seus contextos de origem.

Folha - O MEC, ao abraçar teorias construtivistas nos PCNs, não beneficia autores dessa proposta com a compra de livros e prejudica os do método fônico?
Weisz -
Os PCNs não são obrigatórios. Só as diretrizes definidas pelo Conselho Nacional de Educação é que são. Tanto quanto me lembro, elas não assumem o construtivismo nem se referem a cartilhas ou métodos. As compras do Programa Nacional do Livro Didático são orientadas pela avaliação de qualidade produzida por um grupo de professores de diferentes áreas. Se as cartilhas do método fônico estivessem sendo pedidas pelos professores, elas seriam compradas, mesmo que mal avaliadas.
Quanto a benefícios auferidos pelos defensores da teoria construtivista, do ponto de vista financeiro, são nulos. Os recursos didáticos produzidos para apoiar a formação dos professores como o Profa (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores), entre outros, são gratuitos pois os autores cederam os direitos autorais.
Quando se trata de livros didáticos, as cartilhas, algumas compostas de várias brochuras, são muito lucrativas, chegando a custar centenas de reais por aluno por ano. As discussões sobre métodos milagrosos costumam ter significativos interesses financeiros por trás.

Folha - O construtivismo parece funcionar muito bem em escolas particulares, mas, nas públicas, não seria melhor adotar o método fônico?
Weisz -
Eu diria que é exatamente o contrário. Para os alunos das escolas particulares, que me desculpem suas esforçadas professoras, qualquer forma de ensinar funciona. Eles vêm de ambientes onde a escrita é muito presente tanto do ponto de vista da existência de material impresso como das práticas sociais que a envolvam. São os alunos das classes populares, que estudam na escola pública, que sempre fracassaram, e são eles que precisam de um atendimento mais dialógico.
Hoje sabemos que nenhuma criança chega à escola sem saber nada sobre a escrita. Mas os saberes das crianças que vêm de famílias usuárias da leitura e da escrita são muito mais avançados do que os saberes das que vêm de comunidades pouco escolarizadas. Elas precisam ser introduzidas no mundo da cultura escrita para entender do que o professor está falando quando informa sobre letras e sons. Para estas crianças, a escrita é um encadeamento de sinais gráficos aleatórios e elas precisam trabalhar e pensar bastante sobre este objeto sociocultural para chegar a compreender a relação entre letras e sons dentro de um sistema alfabético.
Fazer os alunos compreenderem o beabá sempre foi fácil para as escolas da elite, mas isso não basta. É preciso produzir leitores competentes. É isso que as escolas particulares buscam na metodologia construtivista. E é isso que queremos para todos, e não apenas para a classe dominante.


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