São Paulo, terça-feira, 06 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Contra Chávez, Bush lança pacote assistencialista

Na véspera da viagem à América Latina, ele anuncia envio de navio-hospital a países

Dizendo palavras em espanhol, americano afirma ser amigo de trabalhadores e dos camponeses e cita Bolívar como exemplo

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Na investida mais direta contra os recentes avanços de Hugo Chávez na América Latina, o presidente norte-americano George W. Bush anunciou um pacote de iniciativas assistencialistas para a região que lembram algumas ações já implantadas pelo líder venezuelano.
Entre elas está o envio de um navio-hospital que atenderá até 85 mil pessoas de baixa renda, treinamento de professores em regiões pobres, microempréstimos e financiamento de casa própria, essa com atuação prevista também para o Brasil.
O pacote marca uma guinada na retórica da Casa Branca, de defesa da democracia e do livre comércio para combate à pobreza e luta por justiça social.
Bush começa na quinta-feira, em São Paulo, viagem de sete dias por cinco países da região. Seu objetivo político é reconquistar terreno num continente que teria relegado a segundo plano, segundo seus críticos, o que abriu portas para o crescimento da influência do esquerdista Hugo Chávez e seu discurso antiamericano, movido por petrodólares e iniciativas assistencialistas - parecidas com as anunciadas por Bush.
Ao anunciar as medidas, o norte-americano afirmou que, apesar de avanços, "dezenas de milhões no nosso continente continuam presos na pobreza". Com um discurso com escorregadelas populistas, disse ainda: "Meu recado a esses "trabajadores y campesinos" é: "Você tem um amigo aqui nos Estados Unidos da América"."
Dizer "trabalhadores e camponeses" em espanhol foi apenas uma das incursões do republicano ao idioma durante seu discurso, em evento no Câmara de Comércio Hispânico, em Washington, no qual se referiria ainda ao "sueño americano" (sonho americano) e terminaria com "Que Dios les bendiga" (que Deus os abençoe).

Simón Bolívar
Era evidente o esforço do presidente em se reconectar com o continente e em mandar recados a Chávez. Numa provocação calculada, o norte-americano "emprestaria" o símbolo máximo da "revolução" do líder venezuelano ao citar o general Simón Bolívar (1783-1830).
"Perto da Casa Branca fica a estátua do grande libertador, Simón Bolívar", começou Bush. "Ele é comparado freqüentemente a George Washington." Como Washington, disse o presidente, "era um general que lutou pelo direito das pessoas de escolher seu governo".
Protestante, o norte-americano chegou a chamar em seu auxílio João Paulo 2º (1920-2005), ciente de que embarca para uma região em que há maioria católica.
"Em seus muitos escritos, o papa João Paulo 2º falou eloqüentemente da criação de sistemas que respeitem a dignidade do trabalho e o direito à livre-iniciativa", discursou. "A América Latina precisa de capitalismo para o "campesino", um capitalismo verdadeiro, que permita que as pessoas que começam com nada cresçam até o limite que suas habilidades e seu trabalho duro o levem."
Especula-se que o pacote tenha sido feito a partir de um esboço elaborado por Nicholas Burns, o número 3 do Departamento de Estado, e Thomas Shannon, responsável da chancelaria pela América Latina.

Navio-hospital
"Os trabalhadores pobres da América Latina precisam de mudança, e os EUA estão comprometidos com essa mudança", disse Bush, depois de falar que uma em cada quatro pessoas na região vivia com menos de US$ 2 por dia, crianças não terminavam os estudos e muitas mães nunca iam ao médico.
Daí o pacote. Entre outras medidas, Bush anunciou que mandará o navio-hospital "USNS Comfort", com objetivo de tratar de 85 mil pacientes e fazer até 1,5 mil cirurgias. Enviará equipes médicas militares e realizará 62 treinamentos em 14 países. Criará um centro de treinamento de profissionais de saúde no Panamá que servirá a toda a América Central.
Por fim, anunciou uma nova parceria para a "juventude latino-americana" que possibilitará o estudo de inglês nos EUA, um programa de microfinanciamentos tocado pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, e o secretário do Tesouro, Henry Paulson, e um novo esforço para financiamento de moradias populares, incluindo ações em cidades do Brasil.
Bush aproveitou o encontro para convocar uma "Conferência da Casa Branca sobre o Hemisfério Ocidental", prevista para os próximos meses, que reunirá representantes de empresas, ONGs, voluntários e entidades de fundo religioso para discutir "maneiras efetivas de ajudar" pessoas necessitadas.

Etanol ausente
Chamou atenção de presentes o fato de que, num discurso de mais de 40 minutos e 4.900 palavras, o tema dos biocombustíveis não ter sido citado nenhuma vez. Na sexta, junto do presidente Lula, o norte-americano anunciará um memorando de biocombustíveis, cujo ponto principal é expandir o mercado do álcool para toda a região.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Análise: Plano de 1961 queria barrar avanço cubano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.