São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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JANIO DE FREITAS

A dengue dos políticos


A epidemia de dengue atinge eleitores, e eleitores são secundários nas transações com objetivos eleitorais

ENTRE AS SEMPRE lerdas providências motivadas pela epidemia de dengue falta uma a que ninguém se refere: as dezenas de milhares de cariocas e fluminenses atingidos pela doença merecem a mínima justiça - já que outra não terão- de ver identificadas, por um inquérito, todas as responsabilidades pelo abandono das rotinas preventivas e pelo despreparo para o socorro às vítimas.
Não pode ser este um caso a mais em que as providências tardias e as explicações forjadas bastem, como de costume, para lançar o esquecimento sobre as responsabilidades. E não são só os familiares de mortos e os doentes que merecem uma resposta à altura dos maltratos da doença e da incúria dos governos. Os demais têm vivido em estado de apreensão permanente, como se não lhes bastassem os outros motivos para tê-la em quase todo o Estado, e sobretudo no Rio.
O instrumento lógico, na legislação, para proceder a tal identificação seria uma Comissão Parlamentar de Inquérito, no Senado ou na Câmara ou mista. Não estão ali, sob as fartas mordomias e os ganhos gordos, os representantes da população e dos Estados? Dali, no entanto, não saiu e não sai nem a mais tímida iniciativa em nome dos que seriam os representados. Mesmo as bancadas do Estado do Rio na Câmara e no Senado, de todos os partidos, não têm nem sequer o pudor de exibir, sem ao menos a habitual encenação política, sua atitude asséptica e proveitosa em relação ao desastre epidêmico que acomete seus eleitores.
A explicação é simples. O momento é de arranjos eleitorais, e qualquer protesto, crítica, a simplória visita a um hospital, qualquer gesto causará desagrado em alguma ou algumas das correntes políticas no município, no Estado ou no governismo federal. Nada de arriscar, portanto, um possível acerto pessoal aqui e ali, ou a acusação, no partido, de dificultá-lo em prejuízo de pretendidos candidatos. A epidemia de dengue atinge eleitores, e eleitores são secundários nas transações com fins eleitorais.
Na população, a dengue é um mal físico. Entre políticos, é insanidade moral.
A investigação séria das responsabilidades fica, em princípio, dependente de serem acionados o Ministério Público Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por haver envolvimento do governo federal. Se haverá ou se faltará até a mínima justiça para os vitimados pela epidemia e pela incúria que a permitiu, não se tem nem indício. Mas sabemos qual é a tendência brasileira.

Cegueira
A convocação de 477 mil donos de carros Fox, proposta à Volkswagen pelo Ministério da Justiça como alternativa à multa, tem sua origem em uma complacência suspeita e sempre prejudicial ao usuário brasileiro. O sistema que, no Fox, mutilou ou feriu pessoas que baixavam o encosto traseiro é resultado de uma das alterações no carro feito aqui, não existe no que seria o modelo idêntico fabricado no exterior. O Fusca cedeu seu lugar à saudade sem ter incorporado melhorias adotadas, na Europa, desde uns 20 anos antes. A Kombi, ainda vida, tem a mesma história.
Tais práticas não são exclusivas da VW, são quase normas da indústria automobilística no Brasil. Consentidas pela omissão do governo, como se fizessem parte das alterações justificadas pelo mau piso de ruas e estradas, o clima e o combustível. Enquanto não houver regras rígidas para as alterações em carros feitos aqui, o governo continuará culpado por serem os carros brasileiros piores e muito mais caros que seus similares estrangeiros. Mas muito mais lucrativos para as chamadas montadoras.

Na história
A Associação Brasileira de Imprensa faz um século amanhã. Não, não faz um século. Faz cem anos, ano a ano de luta, ora por sua sobrevivência, na maior parte dos anos pela liberdade, pelo Estado de Direito, pela democracia. Não só os jornalistas têm cem anos de dívida com a ABI. Nem são os que mais lhe devem: somos todos em cem anos.


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