São Paulo, domingo, 06 de maio de 2001

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JANIO DE FREITAS

A vez da corrupção

O governo que "não teme a CPI" da corrupção, nas palavras de sempre igual sinceridade de Fernando Henrique Cardoso, passa estes dias trabalhando com intensidade e urgência em duas linhas para evitá-la, derrotado que foi, apesar dos esforços, na batalha inicial que esperava vencer -a das assinaturas de senadores e deputados para a criação da CPI.
Quando ABI, CNBB, OAB e outras entidades celebrarem com um ato público no Congresso, quarta-feira, a entrega protocolar do requerimento, o governo pretende estar pronto para recorrer à Justiça contra a CPI e, do mesmo modo, para obter que o requerimento seja recusado já no início de sua tramitação, ao ser averiguada a sua constitucionalidade. Para essa segunda hipótese de barragem, a Presidência depende da eficácia de sua sedução sobre parlamentares que lhe são notoriamente caros.
Os oposicionistas e demais requerentes da CPI admitem negociar com o governo os temas, numerosos no requerimento, a serem investigados. Mas não se dispõem a incluir nos negociáveis os três que Fernando Henrique não quer investigados, terminantemente: a parte verídica do dossiê Caribe, ou Cayman; as atividades de Eduardo Jorge Caldas Pereira como secretário-geral da Presidência e a privatização das telefônicas.
Assim como foi providenciada repentina intervenção na Sudam, para alegar a desnecessidade de CPI se o governo mesmo já a investigava, agora foi a acelerada ida de dois delegados da Polícia Federal a Miami, em investigação sobre o dossiê.
Mas têm só que inquirir brasileiros lá residentes. Não vão ao advogado americano que se dispõe a dar informações sobre a firma, cuja documentação conhece, encabeçada por Sérgio Motta para movimentos financeiros em paraíso fiscal. É bem o caso, pois, de descansar o civismo nos poucos dias entre o show da acareação e a quarta-feira.
Ainda nesta semana os fatos menos cívicos o estarão convocando outra vez. Agora, porém, o grosso da mídia estará contra a investigação.

Ausências da ética
Já que falta de decoro parlamentar é o assunto do dia, os discurseiros que nada tinham a perguntar e os que só perguntavam para falar alguma coisa, no show da acareação, cometeram indesculpável falta de compostura pessoal e agressiva falta de respeito com a multidão de cidadãos voltados para o Conselho de Ética.
De alguém sério como o senador Pedro Simon não se pode receber impassivelmente a exaustiva e mera repetição, quase com as mesmas palavras, do que discursara na sessão anterior.
A neopetista Emília Fernandes, além da espetaculosidade que só lhe ressaltou o despreparado, praticou métodos policialescos de interrogatório, sobretudo em relação a Regina Borges, que deviam valer-lhe um julgamento pelo Conselho de Ética.
Outro apenas discurseiro, Roberto Freire, recebeu em troca, ao menos isso, a incômoda lembrança de que se manteve omisso, para não dizer mais, nos confrontos em defesa do fundo contra a pobreza e outras questões de finalidade social.
O Senado não é colégio, como disse Freire em um acesso de ira televisiva. Mas também não é palco. Emília Fernandes, Roberto Freire e outros, que só foram "colaborar com os trabalhos" quando as últimas sessões se tornaram atração de TV, não devem supor que saíram dali com lucro.

Outra "verdade"
A "questão de gênero" (ai, Senhor, as senadoras Heloísa Helena e Marina Silva, com seu feminismo tão sectariozinho) e outras "questões" mais justificáveis têm favorecido, na mídia e na opinião pública, Regina Borges, cujas "verdades" são aceitas como a verdade. Mas Regina Borges não é tão mais convincente do que seus pares de infortúnio. É muito difícil imaginar a cena de uma pessoa, terminada a conversa amistosa, dizendo a seu interlocutor como despedida: "Saio daqui para cumprir uma ordem". Nem no mais milico dos militares caberia uma frase tão formal e sem propósito, nas circunstâncias. A frase e o propósito parecem surgidos muito mais tarde, pela conveniência de realçar ou conferir ao acertado com Arruda o caráter de ordem, talvez atenuante.
Em contrapartida, não é difícil imaginar, na senda de especulações e fantasias na qual a mídia entrou e não se saiu, outra cena bem mais compreensível. Arruda e Regina, amigos de bastante tempo e correligionários políticos com carteirinha e tudo mais, combinam - houvesse ou não a anuência explícita de Antonio Carlos Magalhães - certa providência muito conveniente à linha que ela e ele têm na política de Brasília: saber, na eventualidade de vitória de Luiz Estevão, quem o apoiou, quem traiu acordos pró-cassação, e daí extrair elementos para nova investida contra o adversário.
Fosse assim, nada mudaria, agora, no grau e na divisão da responsabilidade. Mas a fisionomia do episódio e, portanto, a maneira de considerá-lo mudariam muito. E aquela frase sem cabimento não foi única, na "verdade" de Regina Borges.



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