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JANIO DE FREITAS
A vez da corrupção
O governo que "não teme a
CPI" da corrupção, nas palavras de sempre igual sinceridade de Fernando Henrique Cardoso, passa estes dias trabalhando com intensidade e urgência
em duas linhas para evitá-la,
derrotado que foi, apesar dos esforços, na batalha inicial que esperava vencer -a das assinaturas de senadores e deputados para a criação da CPI.
Quando ABI, CNBB, OAB e
outras entidades celebrarem
com um ato público no Congresso, quarta-feira, a entrega protocolar do requerimento, o governo pretende estar pronto para
recorrer à Justiça contra a CPI e,
do mesmo modo, para obter que
o requerimento seja recusado já
no início de sua tramitação, ao
ser averiguada a sua constitucionalidade. Para essa segunda hipótese de barragem, a Presidência depende da eficácia de sua
sedução sobre parlamentares
que lhe são notoriamente caros.
Os oposicionistas e demais requerentes da CPI admitem negociar com o governo os temas,
numerosos no requerimento, a
serem investigados. Mas não se
dispõem a incluir nos negociáveis os três que Fernando Henrique não quer investigados, terminantemente: a parte verídica
do dossiê Caribe, ou Cayman; as
atividades de Eduardo Jorge
Caldas Pereira como secretário-geral da Presidência e a privatização das telefônicas.
Assim como foi providenciada
repentina intervenção na Sudam, para alegar a desnecessidade de CPI se o governo mesmo
já a investigava, agora foi a acelerada ida de dois delegados da
Polícia Federal a Miami, em investigação sobre o dossiê.
Mas têm só que inquirir brasileiros lá residentes. Não vão ao
advogado americano que se dispõe a dar informações sobre a
firma, cuja documentação conhece, encabeçada por Sérgio
Motta para movimentos financeiros em paraíso fiscal. É bem o
caso, pois, de descansar o civismo nos poucos dias entre o show
da acareação e a quarta-feira.
Ainda nesta semana os fatos
menos cívicos o estarão convocando outra vez. Agora, porém,
o grosso da mídia estará contra
a investigação.
Ausências da ética
Já que falta de decoro parlamentar é o assunto do dia, os
discurseiros que nada tinham a
perguntar e os que só perguntavam para falar alguma coisa, no
show da acareação, cometeram
indesculpável falta de compostura pessoal e agressiva falta de
respeito com a multidão de cidadãos voltados para o Conselho
de Ética.
De alguém sério como o senador Pedro Simon não se pode receber impassivelmente a exaustiva e mera repetição, quase com
as mesmas palavras, do que discursara na sessão anterior.
A neopetista Emília Fernandes, além da espetaculosidade
que só lhe ressaltou o despreparado, praticou métodos policialescos de interrogatório, sobretudo em relação a Regina Borges,
que deviam valer-lhe um julgamento pelo Conselho de Ética.
Outro apenas discurseiro, Roberto Freire, recebeu em troca,
ao menos isso, a incômoda lembrança de que se manteve omisso, para não dizer mais, nos confrontos em defesa do fundo contra a pobreza e outras questões
de finalidade social.
O Senado não é colégio, como
disse Freire em um acesso de ira
televisiva. Mas também não é
palco. Emília Fernandes, Roberto Freire e outros, que só foram
"colaborar com os trabalhos"
quando as últimas sessões se tornaram atração de TV, não devem supor que saíram dali com
lucro.
Outra "verdade"
A "questão de gênero" (ai, Senhor, as senadoras Heloísa Helena e Marina Silva, com seu feminismo tão sectariozinho) e outras "questões" mais justificáveis
têm favorecido, na mídia e na
opinião pública, Regina Borges,
cujas "verdades" são aceitas como a verdade. Mas Regina Borges não é tão mais convincente
do que seus pares de infortúnio.
É muito difícil imaginar a cena
de uma pessoa, terminada a
conversa amistosa, dizendo a
seu interlocutor como despedida: "Saio daqui para cumprir
uma ordem". Nem no mais milico dos militares caberia uma frase tão formal e sem propósito,
nas circunstâncias. A frase e o
propósito parecem surgidos muito mais tarde, pela conveniência
de realçar ou conferir ao acertado com Arruda o caráter de ordem, talvez atenuante.
Em contrapartida, não é difícil
imaginar, na senda de especulações e fantasias na qual a mídia
entrou e não se saiu, outra cena
bem mais compreensível. Arruda e Regina, amigos de bastante
tempo e correligionários políticos com carteirinha e tudo mais,
combinam - houvesse ou não a
anuência explícita de Antonio
Carlos Magalhães - certa providência muito conveniente à linha que ela e ele têm na política
de Brasília: saber, na eventualidade de vitória de Luiz Estevão,
quem o apoiou, quem traiu
acordos pró-cassação, e daí extrair elementos para nova investida contra o adversário.
Fosse assim, nada mudaria,
agora, no grau e na divisão da
responsabilidade. Mas a fisionomia do episódio e, portanto, a
maneira de considerá-lo mudariam muito. E aquela frase sem
cabimento não foi única, na
"verdade" de Regina Borges.
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