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NO PLANALTO
Ciro Gomes come a base de FHC pelas beiradas
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O núcleo do enredo de
2002 é conhecido: um grupo de cavalheiros disputará o
amor da República. A cortina
ainda demora a subir. Mas, encostando a orelha na boca do
palco, já dá para ouvir o barulho da montagem do cenário e o
burburinho dos atores se posicionando em cena.
A platéia está curiosa para saber como vai terminar o drama
do tucanato, peça ainda em cartaz. A um ano e meio do final, a
emoção aumenta à medida que
o elenco de FHC vai penetrando
o caos.
É natural que as atenções estejam voltadas para o contorcionismo verbal de Jader e para o
festival de mentiras em torno do
caso do estupro do painel de votos do Senado, estrelado pela
trinca ACM-Arruda-Regina.
Mas quem quiser entender o
que está por vir não pode descuidar do som que vem das coxias.
Convém prestar especial atenção ao ruído dos passos de Ciro
Gomes. Nas últimas três semanas, ele deixou o camarim, sapateou com desenvoltura pelas
beiradas do tablado e tomou o
rumo do centro do palco.
Na surdina, Ciro começou a
apalpar um trunfo muito cobiçado por qualquer candidato
que deseja disputar a vaga de
protagonista em 2002: tempo de
televisão. Há coisa de 15 dias,
encontrou-se com um coadjuvante que Brasília imaginava
morto: Leonel Brizola.
Conversaram sigilosamente
por mais de duas horas, no Rio.
Entenderam-se bem. Muito
bem. O diálogo deixou Ciro estrategicamente próximo dos
cerca de seis minutos de propaganda eleitoral televisiva de que
dispõe o PDT de Brizola, antigo
aliado de Lula.
Quem conhece o cacique do
trabalhismo à Vargas sabe que
o caminho para uma aliança será necessariamente sinuoso.
Mas Ciro atravessou as primeiras curvas sem derrapagens.
No último dia 25 de abril, Ciro
esteve na casa do deputado José
Carlos Martinez, em Brasília.
Bebeu vinho Miolo Reserva,
jantou filé ao molho madeira,
deliciou-se com uma musse de
maracujá e começou a morder
os quase sete minutos de televisão do PTB, sócio minoritário
do consórcio político de FHC.
Ciro chegou à casa de Martinez, presidente do PTB, por volta das nove da noite. Duas horas
antes, a oposição havia informado no Congresso que colecionara assinaturas suficientes para pôr de pé a CPI da corrupção.
A notícia deixou o ar de Brasília impregnado de maus odores.
Na véspera, em diálogo que
manteve na biblioteca do Alvorada, FHC havia desabafado
com um auxiliar: "Que venha [a
CPI". E que comece pela Sudam".
Na casa de Martinez, Ciro discursou para cerca de 40 pessoas,
a maioria congressistas. Encantou a platéia. "Ele traz o Brasil
na ponta da língua", derreteu-se o anfitrião. Além do discurso,
Ciro deixou-se sabatinar por
quase uma hora.
Passava da meia-noite quando Ciro deixou o encontro. Antes de entrar no carro do deputado mineiro Walfrido Mares
Guia, que o levaria ao hotel, ouviu de Martinez palavras que
confortaram o seu sono naquela
noite.
Restavam ao PTB, disse Martinez, duas alternativas para
2002: ou lançaria um candidato
próprio (Paulo Pereira da Silva,
o Paulinho da Força Sindical)
ou iria de Ciro. Entenda-se a
primeira hipótese como uma
cartada para tentar emplacar
Paulinho na vaga de vice.
Nos próximos dias, Ciro terá
novo encontro com o PTB. Será
uma reunião restrita, para começar a esboçar a futura coligação. Além do candidato, participarão Martinez, Roberto Jefferson e Mares Guia.
Se o bordado de Ciro ficar como ele o planejou, saltará de ridículos 50 segundos -tempo de
TV do seu PPS- para algo como 13 minutos. E trocará o figurino de candidato virtual por
uma casaca de principal postulante do bloco de oposição.
Nas pesquisas, Ciro está atrás
de Lula. É dono de percentuais
que roçam os 20%. Com a vantagem de que não possui os altos
índices de rejeição que transformam o candidato do PT numa
espécie de "sparing" de segundo
turno.
Quando medido em tempo de
TV, porém, Ciro assume a estatura de um Enéas. Sabe que irá
naufragar se não conseguir livrar-se do nanismo televisivo.
Na conversa com o PTB, foi direto. Disse, nos primeiros três
minutos de discurso, que o acerto com o partido é "vital" para
livrá-lo do que chamou de "armadilha" do sistema.
Dias antes de dividir a mesa
com o candidato do PPS, Martinez e Roberto Jefferson jantaram no Alvorada. Informado
sobre o assédio de Ciro, FHC os
tem mimado a mais não poder.
Convida-os ao palácio semana
sim, semana não.
Numa das conversas, FHC insinuou que gostaria de ter o PTB
a seu lado em 2002. Noutra,
queixou-se amargamente de Ciro. Lera num jornal que o candidato o havia classificado de "ser
desprezível". E resmungou: "Vejam se é possível. Ele está querendo ser mais radical do que o
PT".
Embora não tenha nenhum
ministro (já teve dois), o PTB
desfruta de acesso privilegiado à
Esplanada. A despeito do namoro com Ciro, o partido quer
manter-se sob o "ser desprezível", próximo dos guichês dos
ministérios.
Seus deputados estão entre os
mais bem aquinhoados na liberação das chamadas emendas
de parlamentares -naco do
Orçamento que Brasília separa
anualmente para atender a
clientela à custa da viúva.
Arthur Virgílio, líder do tucanato no Congresso, costuma dizer que Ciro Gomes é um "surfista da crise". Tem razão. O
diabo é que o governo, que já
provia as ondas, está prestes a se
tornar financiador da prancha.
PS.: O repórter sairá em férias.
A coluna "No Planalto" volta a
ser publicada dentro de um mês.
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