São Paulo, domingo, 06 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO PLANALTO

Ciro Gomes come a base de FHC pelas beiradas

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O núcleo do enredo de 2002 é conhecido: um grupo de cavalheiros disputará o amor da República. A cortina ainda demora a subir. Mas, encostando a orelha na boca do palco, já dá para ouvir o barulho da montagem do cenário e o burburinho dos atores se posicionando em cena.
A platéia está curiosa para saber como vai terminar o drama do tucanato, peça ainda em cartaz. A um ano e meio do final, a emoção aumenta à medida que o elenco de FHC vai penetrando o caos.
É natural que as atenções estejam voltadas para o contorcionismo verbal de Jader e para o festival de mentiras em torno do caso do estupro do painel de votos do Senado, estrelado pela trinca ACM-Arruda-Regina. Mas quem quiser entender o que está por vir não pode descuidar do som que vem das coxias.
Convém prestar especial atenção ao ruído dos passos de Ciro Gomes. Nas últimas três semanas, ele deixou o camarim, sapateou com desenvoltura pelas beiradas do tablado e tomou o rumo do centro do palco.
Na surdina, Ciro começou a apalpar um trunfo muito cobiçado por qualquer candidato que deseja disputar a vaga de protagonista em 2002: tempo de televisão. Há coisa de 15 dias, encontrou-se com um coadjuvante que Brasília imaginava morto: Leonel Brizola.
Conversaram sigilosamente por mais de duas horas, no Rio. Entenderam-se bem. Muito bem. O diálogo deixou Ciro estrategicamente próximo dos cerca de seis minutos de propaganda eleitoral televisiva de que dispõe o PDT de Brizola, antigo aliado de Lula.
Quem conhece o cacique do trabalhismo à Vargas sabe que o caminho para uma aliança será necessariamente sinuoso. Mas Ciro atravessou as primeiras curvas sem derrapagens.
No último dia 25 de abril, Ciro esteve na casa do deputado José Carlos Martinez, em Brasília. Bebeu vinho Miolo Reserva, jantou filé ao molho madeira, deliciou-se com uma musse de maracujá e começou a morder os quase sete minutos de televisão do PTB, sócio minoritário do consórcio político de FHC.
Ciro chegou à casa de Martinez, presidente do PTB, por volta das nove da noite. Duas horas antes, a oposição havia informado no Congresso que colecionara assinaturas suficientes para pôr de pé a CPI da corrupção.
A notícia deixou o ar de Brasília impregnado de maus odores. Na véspera, em diálogo que manteve na biblioteca do Alvorada, FHC havia desabafado com um auxiliar: "Que venha [a CPI". E que comece pela Sudam".
Na casa de Martinez, Ciro discursou para cerca de 40 pessoas, a maioria congressistas. Encantou a platéia. "Ele traz o Brasil na ponta da língua", derreteu-se o anfitrião. Além do discurso, Ciro deixou-se sabatinar por quase uma hora.
Passava da meia-noite quando Ciro deixou o encontro. Antes de entrar no carro do deputado mineiro Walfrido Mares Guia, que o levaria ao hotel, ouviu de Martinez palavras que confortaram o seu sono naquela noite.
Restavam ao PTB, disse Martinez, duas alternativas para 2002: ou lançaria um candidato próprio (Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical) ou iria de Ciro. Entenda-se a primeira hipótese como uma cartada para tentar emplacar Paulinho na vaga de vice.
Nos próximos dias, Ciro terá novo encontro com o PTB. Será uma reunião restrita, para começar a esboçar a futura coligação. Além do candidato, participarão Martinez, Roberto Jefferson e Mares Guia.
Se o bordado de Ciro ficar como ele o planejou, saltará de ridículos 50 segundos -tempo de TV do seu PPS- para algo como 13 minutos. E trocará o figurino de candidato virtual por uma casaca de principal postulante do bloco de oposição.
Nas pesquisas, Ciro está atrás de Lula. É dono de percentuais que roçam os 20%. Com a vantagem de que não possui os altos índices de rejeição que transformam o candidato do PT numa espécie de "sparing" de segundo turno.
Quando medido em tempo de TV, porém, Ciro assume a estatura de um Enéas. Sabe que irá naufragar se não conseguir livrar-se do nanismo televisivo. Na conversa com o PTB, foi direto. Disse, nos primeiros três minutos de discurso, que o acerto com o partido é "vital" para livrá-lo do que chamou de "armadilha" do sistema.
Dias antes de dividir a mesa com o candidato do PPS, Martinez e Roberto Jefferson jantaram no Alvorada. Informado sobre o assédio de Ciro, FHC os tem mimado a mais não poder. Convida-os ao palácio semana sim, semana não.
Numa das conversas, FHC insinuou que gostaria de ter o PTB a seu lado em 2002. Noutra, queixou-se amargamente de Ciro. Lera num jornal que o candidato o havia classificado de "ser desprezível". E resmungou: "Vejam se é possível. Ele está querendo ser mais radical do que o PT".
Embora não tenha nenhum ministro (já teve dois), o PTB desfruta de acesso privilegiado à Esplanada. A despeito do namoro com Ciro, o partido quer manter-se sob o "ser desprezível", próximo dos guichês dos ministérios.
Seus deputados estão entre os mais bem aquinhoados na liberação das chamadas emendas de parlamentares -naco do Orçamento que Brasília separa anualmente para atender a clientela à custa da viúva.
Arthur Virgílio, líder do tucanato no Congresso, costuma dizer que Ciro Gomes é um "surfista da crise". Tem razão. O diabo é que o governo, que já provia as ondas, está prestes a se tornar financiador da prancha.
PS.: O repórter sairá em férias. A coluna "No Planalto" volta a ser publicada dentro de um mês.



Texto Anterior: Panorâmica - Rio Grande do Sul: Seminário em Porto Alegre discute corrupção
Próximo Texto: Elio Gaspari
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.