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INVESTIGAÇÃO
Documento da Receita fala em "indícios de montagem", "atos nebulosos" e "falta de contabilização de dados relevantes"
Relatório aponta "divergências" em IR de EJ
DAVID FRIEDLANDER
DA REPORTAGEM LOCAL
Um relatório sigiloso, que circulou entre autoridades do governo,
afirma que há uma série de "divergências, atos nebulosos e falta
de contabilização de dados relevantes" nas declarações de renda
de Eduardo Jorge Caldas Pereira,
ex-secretário-geral da Presidência
da República.
O documento, preparado pela
delegacia da Receita Federal em
Brasília, relata cerca de oito meses
de uma investigação iniciada em
agosto de 2000, sobre a evolução
patrimonial do ex-secretário depois de sua saída do governo.
É a primeira vez que se descobre
um documento do próprio governo que coloca em dúvida os negócios particulares de EJ. Desde que
ele começou a ser investigado, por
possibilidade de enriquecimento
ilícito, apenas procuradores federais e políticos de oposição tinham questionado a conduta do
ex-secretário.
De 1998 para 1999, de acordo
com o relatório, o patrimônio
pessoal do ex-secretário saltou de
R$ 964,4 mil para pouco mais de
R$ 2 milhões. Isso significa que,
em apenas 12 meses, o patrimônio de EJ mais do que dobrou,
com um acréscimo de R$ 1,03 milhão.
O documento não faz acusações
específicas, mas fala em informações que não batem e em "indícios de montagem", tudo na declaração de 1999. Leia, a seguir, as
principais dúvidas.
1) Em sua declaração de renda,
Eduardo Jorge afirma ter recebido um empréstimo de R$ 200 mil
de uma empresa chamada Blue
Chip. Só que o que ele chamou de
empréstimo, de acordo com a fiscalização, é uma promessa de crédito futuro. A operação, aliás, acabou não se concretizando. Como
as informações não batem, os fiscais querem investigar melhor para ter certeza de onde vieram os
R$ 200 mil declarados como empréstimo da Blue Chip.
2) Em abril de 1999, EJ recebeu
como doação, segundo a declaração de renda, 10% do capital social das empresas Metacor Administração e Corretagem de Seguros Ltda. e Metaplan Consultoria
e Planejamento Ltda. O doador
foi Ivan Carlos Aragão e as participações recebidas por doação foram contabilizadas por R$ 153,7
mil. O Fisco geralmente desconfia
quando o contribuinte afirma ter
recebido ações de uma empresa
de presente, principalmente
quando o doador não é parente.
Muitas vez a doação é usada como
fachada para dinheiro que tem
outra origem.
3) Entre novembro e dezembro
de 1999, Eduardo Jorge recebeu
R$ 353 mil como distribuição de
lucro da Metaplan. O relatório
afirma que não dá para ter certeza
de que a receita da Metaplan veio
de sua atividade original.
4) Outro ponto que chama a
atenção é que, no ano em que EJ
entrou na Metaplan, o lucro da
empresa foi de pouco mais de R$
4 milhões, resultado 240% superior ao de 1998.
4) Descobrir que a participação
de um contribuinte no lucro de
uma empresa é maior do que sua
participação acionária é outra situação que costuma intrigar auditores fiscais. E foi isso o que aconteceu com a L.C. Faria Consultores e Associados. Eduardo Jorge
tinha apenas 1% da empresa, mas
recebeu R$ 125 mil em lucros e dividendos, ou 74% do total distribuído entre os acionistas.
4) Em março de 1999, houve um
depósito de R$ 140 mil numa das
contas de Eduardo Jorge. Ele disse
que era o pagamento por um
apartamento que vendeu em Brasília. A informação não bate com
os registros de cartório. A escritura de venda foi feita em dezembro
de 1999, nove meses depois do depósito, e o valor atribuído à transação é diferente: R$ 180 mil.
Resumo
O relatório da delegacia da Receita em Brasília é um resumo do
que a fiscalização tinha encontrado até abril, já que a auditoria ainda não acabou. O documento é
uma prestação de contas feita pelos auditores que cuidam do caso
a pedido de seus chefes.
O Palácio do Planalto acompanha essa investigação com máxima atenção. Há pouco mais de
um mês, a cúpula do governo e
dois procuradores federais de
Brasília trocaram acusações de
coação durante a investigação.
Na versão do governo, os procuradores Luiz Francisco de Souza e Alexandre Camanho teriam
interrogado "à força" os dois auditores fiscais encarregados do
caso e o delegado da Receita em
Brasília. Convidados a prestar esclarecimentos no prédio do Ministério Público em Brasília, os
três teriam sido pegos de surpresa
com depoimentos formais.
De acordo com os procuradores, quem tentou intimidar foi o
governo. O secretário da Receita
Federal, Everardo Maciel, e o advogado-geral da União, Gilmar
Mendes, confirmaram ter ligado
para o Ministério Público, mas
para "salvar" os agentes fiscais. O
ministro da Fazenda, Pedro Malan, também teria ligado.
Eduardo Jorge, que acaba de se
tornar conselheiro fiscal do
PSDB, sempre esteve no centro
dos acontecimentos do governo e
do partido de Fernando Henrique
Cardoso. Não aparecia para a platéia, mas era o braço direito do
presidente.
Não tinha uma área de atuação
específica no governo, mas influía
em várias delas. Foi coordenador
da campanha de reeleição de
FHC, acompanhava de muito
perto a área estatal de seguros e tinha os fundos de pensão de empresas públicas na mão.
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