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JANIO DE FREITAS
A soberania no balcão
O Congresso foi ludibriado
quando agiu em defesa da
soberania brasileira, e a própria
soberania foi reduzida a objeto de
um negócio de mais de R$ 4,2 bilhões entre o governo Fernando
Henrique Cardoso e a empresa
Raytheon, com a participação de
agentes do governo dos Estados
Unidos.
A revelação de que a Raytheon
tem acesso a todas as informações
captadas pelo Sivam, o Sistema de
Vigilância da Amazônia, e delas
pode fazer o uso que quiser, acima
da soberania do Brasil sobre as
condições na Amazônia, é um escândalo à altura dos demais que
pontuaram aquele projeto e sua
concretização, mas, do ponto de
vista da nação, só tem equivalente
nos casos de espionagem de brasileiros na Segunda Guerra.
Os escândalos começaram pouco depois de instalado o governo.
Em maio de 95, descobria-se que a
empresa contratada para incumbir-se de parte do projeto, a Esca,
composta por oficiais da reserva
da Aeronáutica, legalizara a contratação com um certificado fraudulento de ausência de dívidas
com o governo.
Seis meses depois, outro escândalo. O mais prestigiado assessor
presidencial, o embaixador Júlio
Cesar Santos, teve gravado um telefonema em que fazia acertos
com um dos lobistas da Raytheon.
Francisco Graziano, então presidente do Incra, que providenciara
o "grampo" para comprovar práticas ilícitas no gabinete da Presidência da República, foi demitido. O embaixador da transação
não teve problema (controlava a
agenda íntima de Fernando Henrique, o que dispensa explicações)
e, mais tarde, foi premiado com
uma embaixada em Roma, na
FAO, órgão da ONU.
A principal concorrente da Raytheon, a francesa Thomson, teve
seu escritório no Rio assaltado e,
claro, a Polícia Federal, os agentes
do gabinete de informações da
Presidência e os serviços militares
nada descobriram. Ou nada revelaram e utilizaram do que tenham descoberto.
Confirmação indireta das suspeitas suscitadas pelos atos anormais dentro e em torno do projeto, foi descoberto e divulgado que
agentes do governo dos Estados
Unidos, integrados à sua embaixada e ao consulado norte-americano no Rio, mantinham reuniões de trabalho com o dirigente
e outros do grupo encarregado de
projetar o Sivam.
O Congresso, onde o assunto estava em ebulição, convocou o então ministro da Aeronáutica, Lélio Viana Lobo, e o encarregado
do projeto, brigadeiro Oliveira,
para mais esclarecimentos, sobretudo a respeito da confidencialidade das informações colhidas
pelo Sivam, sem a qual a soberania brasileira sobre a Amazônia
estaria violada. O ministro e o brigadeiro asseveraram ao Congresso, tal como fizeram em relação a
artigos e reportagens, que determinados componentes do equipamento e peculiaridades de operação do Sivam resguardavam, para o sistema de segurança nacional, a inviolabilidade de todas as
informações coletadas.
No depoimento agora dado à
Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional da Câmara, o
ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Felix, revelou que as informações do Sivam ficam ao alcance da Raytheon, que, assim, pode
usá-los ou não a critério: "Dependemos agora da ética da empresa".
A "ética da empresa" ficou clara
durante o processo de elaboração
da "concorrência" para escolha
do fornecedor e instalador dos
equipamentos. Então em lua-de-mel com Fernando Henrique Cardoso, principal articulador de vitórias do governo no Senado, enquanto seu filho Luís Eduardo fazia o mesmo na Câmara, o senador Antonio Carlos Magalhães
tornou conhecido um fato sobre a
ética da "concorrência": transformou em denúncia pública a informação recebida de que a Raytheon teve acesso prévio ao relatório técnico que confrontava as
propostas para o Sivam. O acesso
explicou as alterações de última
de hora que compuseram as convenientes aparências de "vitória"
da Raytheon. Mas o governo impediu, inclusive com o apoio do
senador Antonio Carlos Magalhães, que o Congresso investigasse a fraude.
No que parecia ser a última
agressão à decência do caso Sivam, Fernando Henrique Cardoso telefonou ao então presidente
Clinton para informá-lo de que a
entrega oficial do Sivam à americana Raytheon acabava de ser
formalizada.
Não era a última agressão. Nem
se sabe se a última é o esforço, já
iniciado, para impedir que a revelação do general Felix motive,
contra o compromisso do governo
Lula de não remexer no governo
Fernando Henrique, um inquérito parlamentar sobre o Sivam.
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