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EXCLUSIVO
Jefferson afirma que foi "informando a todos do governo" sobre a mesada a deputados paga por Delúbio e que Lula chorou ao saber do caso
Contei a Lula do "mensalão", diz deputado
DO PAINEL
Em sua entrevista à Folha, Roberto Jefferson afirma que levou a
questão do "mensalão" a vários
ministros do governo Lula e ao
próprio presidente. Ele acredita
que a prática só foi interrompida
após Lula ser informado por ele, o
que teria acontecido em duas
conversas no princípio deste ano.
(RENATA LO PRETE)
Folha - Na tribuna da Câmara, o
sr. disse ter sido procurado por pessoas que lhe pediam para resolver
pendências nos Correios, que teria
se recusado a traficar influência e
que interesses contrariados estariam na origem da denúncia da revista "Veja". Por que o sr. não denunciou essas pessoas?
Roberto Jefferson - Não se faz isso. Se você for denunciar todo lobista que se aproxima de você, vai
viver denunciando lobista.
Folha - O consultor Arlindo Molina, uma das pessoas que o procuraram para tratar dos Correios, afirma que, ao contrário do que o sr.
disse no pronunciamento, o conhece há anos. Essa versão procede?
Jefferson - A entrevista dele está
completamente equivocada, até
nas datas. Eu o conheci em março
de 2005. Não é verdade que nos
conhecíamos antes disso.
Folha - O sr. fala em guerra comercial. Mas não está em curso nos
Correios, também, uma guerra por
espaço entre os partidos?
Jefferson - Não. Mas eu entendo
o Fernando Bezerra [senador pelo
PTB e líder do governo no Congresso] porque, na primeira matéria da "Veja", está dito que ele
indicou o Ezequiel Ferreira para a
diretoria de Tecnologia dos Correios. Mas o Ezequiel nunca assumiu. Por que não mostraram
quem está no cargo, se 60% daquela fita [a que registra a cobrança de propina] se refere às operações da diretoria de Tecnologia?
Esconderam o atual, indicado pelo Silvio Pereira [secretário-geral
do PT]. O Policarpo [Júnior, repórter de "Veja"] protegeu o PT.
Folha - Na contramão do que declarou à PF, o ex-presidente do IRB
Lídio Duarte diz em gravação [divulgada pela "Veja"] que, enquanto esteve no cargo, foi pressionado
a destinar mesada de R$ 400 mil ao
PTB. O que o sr. tem a dizer?
Jefferson - É algo que ele terá de
esclarecer à PF. Eu tenho dele
uma carta em que ele nega ter dado a entrevista. Em carta à "Veja",
disse que não disse. Na PF, sob juramento, disse que não disse.
Quem tem de decidir é a Justiça.
Conheci o doutor Lídio no princípio de 2003, na casa do José Carlos Martinez [presidente do PTB
morto em outubro daquele ano
em acidente aéreo]. Sabendo que
o PTB indicaria o presidente do
IRB, ele veio para se apresentar.
Tive excelente impressão.
Depois da morte do Martinez
ele se distanciou completamente
do PTB. Por volta de agosto de
2004, eu o chamei ao meu escritório no Rio e disse: quero que você
me ajude, procurando essas empresas que trabalham com o IRB,
para fazerem doações ao partido
nesta eleição, porque estamos em
situação muito difícil. Ele ficou de
tentar. Em setembro, ele voltou a
mim e disse: deputado, não consegui que as doações sejam "por
dentro", com recibo; querem dar
por fora, e isso eu não quero fazer.
Eu falei: então não faça.
Na conversa, o Lídio avisou que
estava perto de se aposentar. Eu
então avisei que iniciaria um processo para substituí-lo. Levei aos
ministros José Dirceu [Casa Civil]
e Antonio Palocci [Fazenda] o nome do doutor Murilo Barbosa Lima, diretor técnico do IRB. O nome ficou meses em aberto. A imprensa começou a dizer que havia
dossiê contra ele. E o doutor Lídio, que dissera que iria se aposentar, se agarra com o doutor
Luiz Eduardo de Lucena, que é o
diretor comercial indicado pelo
José Janene [líder do PP na Câmara], para ficar na presidência.
Aí se instala uma queda-de-braço entre o PTB e o PP. O Palocci
conversa comigo e diz o seguinte:
Roberto, vamos fazer uma saída
por cima. Nós temos o diretor administrativo, um homem de altíssimo gabarito, o Appolonio Neto,
sobrinho do Delfim Netto, fez um
dos melhores trabalhos de modernização do IRB. A gente passa
o Appolonio como sendo do PTB,
e ele sendo sobrinho do Delfim,
que é do PP, e a gente resolve a situação. Eu falei: não sou problema, está dada a solução. O doutor
Appolonio foi uma indicação salomônica do ministro Palocci.
Folha - O sr. considera correta, legítima, essa forma de partilha dos
cargos do governo?
Jefferson - Você entrega aos administradores dos partidos que
compõem o governo a administração do governo. O PT tem participação muito maior que a dos
outros partidos da base. Tem 20%
da base e 80% dos cargos.
Mesmo o IRB: o PTB tem a presidência, mas todos os cargos
abaixo são do PT. A Eletronorte: o
presidente, doutor Roberto Salmeron, é um dos melhores quadros do PTB. Mas, de novo, toda
estrutura abaixo é do PT. O diretor mais importante, o de Engenharia, é o irmão do ministro Palocci. O doutor Salmeron é uma
espécie de rainha da Inglaterra. A
ministra [Dilma Rousseff, das Minas e Energia] despacha com o irmão do Palocci. Tudo isso foi
construído lá atrás, com o Silvio
Pereira, o negociador do governo.
Folha - Qual é a sua relação com
Henrique Brandão, da corretora de
seguros Assurê?
Jefferson - Pessoal. Meu amigo
fraterno há 30 anos. Era um homem pobre. Por seu mérito,
transformou-se no maior corretor privado do Brasil. O Henrique
é grande há muito tempo. Está em
Furnas há 12, 15 anos.
Folha - De volta à gravação, o sr.
rejeita a afirmação de que Henrique Brandão pedia contribuições
em seu nome no IRB?
Jefferson - Nunca foi feito tal pedido. Volto a dizer: a única coisa
que houve foi um pedido, feito
por mim ao Lídio, de ajuda para o
PTB na eleição. E eu compreendi
as razões de ele não poder ajudar.
Eu quero contar um episódio.
Na véspera de eu fazer meu discurso no plenário da Câmara, havia uma apreensão muito grande
dos partidos da base, em especial
o PL e o PP, e do próprio governo.
Dez minutos antes de eu sair para falar chega aqui, esbaforido,
Pedro Corrêa (PE), presidente do
PP: "Bob, cuidado com o que você
vai falar. O governo interceptou
uma fita de você exigindo do Lídio dinheiro para o PTB". Eu dei
um sorriso e disse: "Pedrinho, se
era essa a sua preocupação, pode
ficar tranqüilo, essa conversa
nunca existiu. Não sou assim,
nem o doutor Lídio é assim". Aí
ele rebateu: "Mas pode ter sido
seu genro [Marcus Vinícius Ferreira]". Eu falei: "Meu genro é um
homem de bem. E eu vejo, Pedrinho, que você não tem convicção
de fita nenhuma. Fica calmo que
eu não vou contar nada do que eu
sei a respeito de "mensalão'".
Folha - E o que o sr. sabe?
Jefferson - Um pouco antes de o
Martinez morrer, ele me procurou e disse: "Roberto, o Delúbio
[Soares, tesoureiro do PT] está fazendo um esquema de mesada,
um "mensalão", para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer
que o PTB também receba. R$ 30
mil para cada deputado. O que
você me diz disso?". Eu digo: "Sou
contra. Isso é coisa de Câmara de
Vereadores de quinta categoria.
Vai nos escravizar e vai nos desmoralizar". O Martinez decidiu
não aceitar essa mesada que, segundo ele, o doutor Delúbio já
passava ao PP e ao PL.
Morto o Martinez, o PTB elege
como líder na Câmara o deputado
José Múcio (PE). Final de dezembro, início de janeiro, o doutor
Delúbio o procura: "O Roberto é
um homem difícil. Eu quero falar
com você. O PP e o PL têm uma
participação, uma mesada, eu
queria ver se vocês aceitam isso".
O Múcio respondeu que não poderia tomar atitude sem falar com
o presidente do partido.
Aí reúnem-se os deputados Bispo Rodrigues (PL-RJ), Valdemar
Costa Neto [SP, presidente do PL]
e Pedro Henry (PP-MT) para
pressionar o Múcio: "Que que é
isso? Vocês não vão receber? Que
conversa é essa? Vão dar uma de
melhores que a gente?". Aí o Múcio voltou a mim. Eu respondi:
"Isso desmoraliza. Tenho 22 anos
de mandato e nunca vi isso acontecer no Congresso Nacional".
Folha - O sr. deu ciência dessas
conversas ao governo?
Jefferson - No princípio de 2004,
liguei para o ministro Walfrido
[Mares Guia, Turismo, PTB] e
disse que precisava relatar algo
grave. Conversamos num vôo para Belo Horizonte. "Walfrido, está
havendo essa história de "mensalão"." Contei desde o Martinez até
as últimas conversas. "Em hipótese alguma. Eu não terei coragem
de olhar nos olhos do presidente
Lula. Nós não vamos aceitar."
E eu passei a viver uma brutal
pressão. Porque deputados do
meu partido sabiam que os deputados do PL e do PP recebiam.
As informações que eu tenho
são que o PMDB estava fora. Não
teve "mensalão" no PMDB.
Fui ao ministro Zé Dirceu, ainda
no início de 2004, e contei: "Está
havendo essa história de mensalão. Alguns deputados do PTB estão me cobrando. E eu não vou
pegar. Não tem jeito". O Zé deu
um soco na mesa: "O Delúbio está
errado. Isso não pode acontecer.
Eu falei para não fazer". Eu pensei: vai acabar. Mas continuou.
Me lembro de uma ocasião em
que o Pedro Henry tentou cooptar dois deputados do PTB oferecendo a eles "mensalão", que ele
recebia de repasse do doutor Delúbio. E eu pedi ao deputado Iris
Simões (PTB-PR) que dissesse a
ele: se fizer, eu vou para a tribuna
e denuncio. Morreu o assunto.
Lá para junho eu fui ao Ciro Gomes. Falei: "Ciro, vai dar uma zebra neste governo. Tem um "mensalão". Hoje eu sei que são R$ 3 mi,
R$ 1,5 mi de mensal para o PL e
para o PP. Isso vai explodir". O
Ciro falou: "Roberto, é muito dinheiro, eu não acredito nisso".
Aí fui ao ministro Miro Teixeira,
nas Comunicações. Levei comigo
os deputados João Lyra (PTB-AL)
e José Múcio. Falei: "Conte ao presidente Lula que está havendo o
"mensalão'". Nessa época o presidente não nos recebia. Falei isso
ao Aldo Rebelo, que então era líder do governo na Câmara.
Folha - A quem mais no governo o
sr. denunciou a situação?
Jefferson - Disse ao ministro Palocci: "Tem isso e é uma bomba".
Fui informando a todos do governo a respeito do "mensalão". Me
recordo inclusive de que, quando
o Miro Teixeira, depois de ser ministro, deixou a liderança do governo na Câmara, ele me chamou
e falou: "Roberto, eu vou denunciar o "mensalão". Você me dá estofo?". Eu falei: "Não posso fazer
isso. Vamos abortar esse negócio
sem jogar o governo no meio da
rua. Vamos falar com o presidente Lula que está havendo isso". Me
recordo até que o Miro deu uma
entrevista ao "Jornal do Brasil"
denunciando o "mensalão" e depois voltou atrás.
No princípio deste ano, em duas
conversas com o presidente Lula,
na presença do ministro Walfrido, do líder Arlindo Chinaglia, do
ministro Aldo Rebelo, do ministro José Dirceu, eu disse ao presidente: "Presidente, o Delúbio vai
botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando "mensalão"
aos deputados". "Que "mensalão'?, perguntou o presidente. Aí
eu expliquei ao presidente.
Folha - Qual foi a reação dele?
Jefferson - O presidente Lula
chorou. Falou: "Não é possível isso". E chorou. Eu falei: É possível
sim, presidente. Estava presente
ainda o Gilberto Carvalho [chefe-de-gabinete do presidente].
Toda a pressão que recebi neste
governo, como presidente do
PTB, por dinheiro, foi em função
desse "mensalão", que contaminou a base parlamentar. Tudo o
que você está vendo aí nessa queda-de-braço é que o "mensalão"
tem que passar para R$ 50 mil, R$
60 mil. Essa paralisia resulta da
maldição que é o "mensalão".
Folha - Isso não existia também
no governo passado?
Jefferson - Nunca aconteceu. Eu
tenho 23 anos de mandato. Nunca
antes ouvi dizer que houvesse repasse mensal para deputados federais por parte de membros do
partido do governo.
Folha - O que, em sua opinião, levou a essa situação?
Jefferson - É mais barato pagar o
exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um
deputado do que discutir um projeto de governo. É por isso. Quem
é pago não pensa.
Folha - O que fez o presidente Lula diante de seu relato?
Jefferson - Depois disso [da conversa] parou. Tenho certeza de
que parou, por isso está essa insatisfação aí [na base parlamentar].
Ele meteu o pé no breque. Eu vi
ele muito indignado.
Pressão, pressão, pressão, pressão. Dinheiro, dinheiro, dinheiro,
dinheiro, todo mundo tem, todo
mundo tem. Acho que foi o maior
erro que o Delúbio cometeu.
E o presidente agora, desde janeiro, quando soube, eu garanto a
você [que o "mensalão" foi suspenso]. A insatisfação está brutal
porque a mesada acabou.
Serenamente eu já tenho o caminho traçado: não me preocupa
mais o mandato, não vou brigar
por ele. Só não vou sair disso como um canalha, porque não sou.
Colaborou EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília
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