São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
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JUSTIÇA
Eliana Calmon diz que há um jeito feminino de julgar e que não seria escolhida sem auxílio de ACM, Jader e Lobão
Juíza chega ao STJ com ajuda de senadores

CLÁUDIA TREVISAN
enviada especial a Brasília

Primeira mulher a chegar à cúpula do Judiciário, Eliana Calmon, 54, contou com a ajuda decisiva de três homens para conseguir sua indicação: os senadores Edison Lobão (PFL-MA), Jader Barbalho (PMDB-PA) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
"Sem o apoio deles, eu não seria escolhida", afirma Calmon, que no dia 30 toma posse como ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça). "A nomeação é um processo eminentemente político."
Separada há 10 anos de um oficial da Marinha com quem esteve casada por 20 anos, acredita que marido e carreira bem-sucedida não se conjugam para as mulheres de sua geração.
Autora de um livro de receitas rápidas para pessoas ocupadas, vai todos os dias à academia e faz 50 minutos de esteira, 20 minutos de bicicleta e 300 abdominais, além de sessões de musculação.
Baiana e mãe de um rapaz de 20 anos, foi professora universitária e procuradora da República antes de se tornar juíza, em 1979. Dez anos depois de iniciar a carreira, foi nomeada para o Tribunal Regional Federal em Brasília. Ela será a única representante do sexo feminino entre 33 ministros do STJ.

Folha - Existe uma forma feminina de julgar?
Eliana Calmon -
Eu acho que sim. Como a mulher sempre é a parte menos favorecida socialmente, ela desenvolve, até por uma questão de defesa, um "feeling", uma sensibilidade e uma capacidade de "ver além de". Isso é importante no julgamento, na inquirição de testemunhas e na análise dos autos.
Se você tem esse "feeling", o grau de acerto é muito maior do que o de uma pessoa que vai julgar exclusivamente de acordo com a lei.
Folha - Na base do Judiciário, onde o ingresso é feito por concurso público, a proporção de mulheres é muito maior do que na cúpula, onde a entrada depende de indicações políticas. A que se deve essa discriminação?
Calmon -
Se formos fazer uma análise detalhada, vamos verificar que as juízas que estão na base do Judiciário são jovens, com menos de 20 anos na profissão.
Folha - A sra. acredita que ainda não houve tempo para que as mulheres chegassem à cúpula?
Calmon -
Exatamente. É muito recente. Você vai encontrar poucas mulheres na magistratura nas décadas de 60 e 70.
Folha - A sra. já declarou que é bom não estar casada porque marido atrapalha. Não dá para ser casada e juíza ao mesmo tempo?
Calmon -
Na minha geração, não. Na sua dá. É muito difícil um homem da minha geração dividir cama, mesa e sala com uma mulher que tem o seu brilho próprio e uma projeção. Porque ele começa a se sentir inferiorizado.
O que eu tenho observado é que a minha história se repete muito em mulheres da minha geração. Enquanto eu fui uma profissional que não tinha muita repercussão na vida social e me esforçava para manter o meu dever de casa bem feito, o meu casamento foi estável.
Acontece que o meu marido tinha bem mais idade do que eu e houve um declínio na carreira dele. Os militares vão para a reserva muito cedo. Ele foi para a reserva e tornou-se um empregado de uma empresa pública. E aí os convites começaram a chegar para mim, o telefone tocava para mim, o carro oficial era meu e ele passou a ser um apêndice. Aí os problemas começaram, porque ele não aguentou dividir isso.
Folha - A sra. não sente dificuldade em trabalhar em um ambiente majoritariamente masculino?
Calmon -
Não, nenhuma. Eu sempre lidei com homens, desde a Procuradoria da República. Quando eu fui procuradora (74-78), não havia no Norte e Nordeste nenhuma mulher procuradora. Quando me tornei juíza (79), eu fui sempre a primeira no Norte e no Nordeste.
Folha - Qual a relação com Antonio Carlos Magalhães? Ele foi o padrinho de sua indicação?
Calmon -
Foi sim. Antonio Carlos Magalhães é o maior líder do meu Estado, mas até aqui me mantive longe de qualquer atividade política e de qualquer envolvimento político. Minha família é absolutamente apolítica. Eles são empresários e não são ligados a Antonio Carlos Magalhães. Quando eu me candidatei a primeira vez a uma vaga no STJ, no ano passado...
Folha - Como é esse processo de escolha?
Calmon -
A pessoa manifesta extra-oficialmente a intenção de ser candidata indo aos gabinetes dos ministros do STJ e mostrando o currículo.
Folha - É o STJ que manda a lista para o presidente da República?
Calmon -
Sim, os ministros se reúnem e votam três nomes. No ano passado eu me candidatei, mas não tinha o mínimo envolvimento político, eu não conhecia ninguém. E havia um candidato baiano com o qual toda a bancada baiana fechou. Eu fui completamente desguarnecida. Até que aprendi. Mas quando eu comecei a me mexer, a pessoa escolhida já havia sido nomeada.
Na segunda vez, eu comecei a me mexer antes. Há muitos anos, o senador Edison Lobão (PFL-MA) veio ao TRF ver um processo de interesse dele. E ficou impressionado porque eu o recebi muito bem. Então eu o procurei. O senador me levou ao Jader Barbalho e às lideranças, como o senador Hugo Napoleão (PFL-PI), o Sérgio Machado (PSDB-MG). Mas quem mais me levou a sério foi o senador Jader. Em 92, eu havia dado um voto administrativo sobre a criação de um tribunal em Minas Gerais. Eu fui absolutamente contra. Eu disse que, se o TRF fosse dividir sua competência, teria também de ser criado um tribunal no Norte, com sede em Belém (PA). Isso vazou e o Jader soube. No momento em que eu cheguei, ele disse: "Eu conheço a senhora e vou lutar pela senhora". Quando eu vi que os outros candidatos estavam com muito apoio e o Jader, com uma briga danada com o presidente Fernando Henrique Cardoso por causa da CPI dos Bancos, eu fui procurar o Antonio Carlos Magalhães.
Folha - A sra. já o conhecia?
Calmon -
Nunca o tinha visto pessoalmente. Eu o vi pela primeira vez agora. Amigos meus telefonaram para ele e marquei uma audiência. Quando me recebeu, ele disse: "Doutora Eliana, a senhora é uma mulher de muitos amigos e seus amigos já me deram muitas informações sobre a senhora. Sei que a senhora é muito trabalhadora e muito independente".
E os três senadores começaram a me ajudar. Sem o apoio deles, eu não seria escolhida. É uma processo eminentemente político.
Folha - Quanto vai demorar para haver uma ministra no STF?
Calmon -
O presidente está doido para fazer uma ministra. Mas é uma dificuldade encontrar uma mulher com perfil para ser ministra do Supremo, que tenha tempo de carreira, notável saber jurídico, com nome conhecido nacionalmente, reputação ilibada e disposta a uma atividade que é quase um sacerdócio.


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