|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JUSTIÇA
Eliana Calmon diz que há um jeito feminino de julgar e que não seria escolhida sem auxílio de ACM, Jader e Lobão
Juíza chega ao STJ com ajuda de senadores
CLÁUDIA TREVISAN
enviada especial a Brasília
Primeira mulher a chegar à cúpula do Judiciário, Eliana Calmon,
54, contou com a ajuda decisiva de
três homens para conseguir sua indicação: os senadores Edison Lobão (PFL-MA), Jader Barbalho
(PMDB-PA) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
"Sem o apoio deles, eu não seria
escolhida", afirma Calmon, que no
dia 30 toma posse como ministra
do STJ (Superior Tribunal de Justiça). "A nomeação é um processo
eminentemente político."
Separada há 10 anos de um oficial
da Marinha com quem esteve casada por 20 anos, acredita que marido e carreira bem-sucedida não se
conjugam para as mulheres de sua
geração.
Autora de um livro de receitas
rápidas para pessoas ocupadas, vai
todos os dias à academia e faz 50
minutos de esteira, 20 minutos de
bicicleta e 300 abdominais, além
de sessões de musculação.
Baiana e mãe de um rapaz de 20
anos, foi professora universitária e
procuradora da República antes de
se tornar juíza, em 1979. Dez anos
depois de iniciar a carreira, foi nomeada para o Tribunal Regional
Federal em Brasília. Ela será a única representante do sexo feminino
entre 33 ministros do STJ.
Folha - Existe uma forma feminina de julgar?
Eliana Calmon - Eu acho que sim.
Como a mulher sempre é a parte
menos favorecida socialmente, ela
desenvolve, até por uma questão
de defesa, um "feeling", uma sensibilidade e uma capacidade de "ver
além de". Isso é importante no julgamento, na inquirição de testemunhas e na análise dos autos.
Se você tem esse "feeling", o grau
de acerto é muito maior do que o
de uma pessoa que vai julgar exclusivamente de acordo com a lei.
Folha - Na base do Judiciário, onde o ingresso é feito por concurso
público, a proporção de mulheres
é muito maior do que na cúpula,
onde a entrada depende de indicações políticas. A que se deve essa
discriminação?
Calmon - Se formos fazer uma
análise detalhada, vamos verificar
que as juízas que estão na base do
Judiciário são jovens, com menos
de 20 anos na profissão.
Folha - A sra. acredita que ainda
não houve tempo para que as mulheres chegassem à cúpula?
Calmon - Exatamente. É muito
recente. Você vai encontrar poucas mulheres na magistratura nas
décadas de 60 e 70.
Folha - A sra. já declarou que é
bom não estar casada porque marido atrapalha. Não dá para ser casada e juíza ao mesmo tempo?
Calmon - Na minha geração, não.
Na sua dá. É muito difícil um homem da minha geração dividir cama, mesa e sala com uma mulher
que tem o seu brilho próprio e uma
projeção. Porque ele começa a se
sentir inferiorizado.
O que eu tenho observado é que a
minha história se repete muito em
mulheres da minha geração. Enquanto eu fui uma profissional que
não tinha muita repercussão na vida social e me esforçava para manter o meu dever de casa bem feito,
o meu casamento foi estável.
Acontece que o meu marido tinha bem mais idade do que eu e
houve um declínio na carreira dele. Os militares vão para a reserva
muito cedo. Ele foi para a reserva e
tornou-se um empregado de uma
empresa pública. E aí os convites
começaram a chegar para mim, o
telefone tocava para mim, o carro
oficial era meu e ele passou a ser
um apêndice. Aí os problemas começaram, porque ele não aguentou dividir isso.
Folha - A sra. não sente dificuldade em trabalhar em um ambiente
majoritariamente masculino?
Calmon - Não, nenhuma. Eu
sempre lidei com homens, desde a
Procuradoria da República. Quando eu fui procuradora (74-78), não
havia no Norte e Nordeste nenhuma mulher procuradora. Quando
me tornei juíza (79), eu fui sempre
a primeira no Norte e no Nordeste.
Folha - Qual a relação com Antonio Carlos Magalhães? Ele foi o padrinho de sua indicação?
Calmon - Foi sim. Antonio Carlos
Magalhães é o maior líder do meu
Estado, mas até aqui me mantive
longe de qualquer atividade política e de qualquer envolvimento político. Minha família é absolutamente apolítica. Eles são empresários e não são ligados a Antonio
Carlos Magalhães. Quando eu me
candidatei a primeira vez a uma
vaga no STJ, no ano passado...
Folha - Como é esse processo de
escolha?
Calmon - A pessoa manifesta extra-oficialmente a intenção de ser
candidata indo aos gabinetes dos
ministros do STJ e mostrando o
currículo.
Folha - É o STJ que manda a lista
para o presidente da República?
Calmon - Sim, os ministros se
reúnem e votam três nomes. No
ano passado eu me candidatei,
mas não tinha o mínimo envolvimento político, eu não conhecia
ninguém. E havia um candidato
baiano com o qual toda a bancada
baiana fechou. Eu fui completamente desguarnecida. Até que
aprendi. Mas quando eu comecei a
me mexer, a pessoa escolhida já
havia sido nomeada.
Na segunda vez, eu comecei a me
mexer antes. Há muitos anos, o senador Edison Lobão (PFL-MA)
veio ao TRF ver um processo de interesse dele. E ficou impressionado porque eu o recebi muito bem.
Então eu o procurei. O senador me
levou ao Jader Barbalho e às lideranças, como o senador Hugo Napoleão (PFL-PI), o Sérgio Machado (PSDB-MG). Mas quem mais
me levou a sério foi o senador Jader. Em 92, eu havia dado um voto
administrativo sobre a criação de
um tribunal em Minas Gerais. Eu
fui absolutamente contra. Eu disse
que, se o TRF fosse dividir sua
competência, teria também de ser
criado um tribunal no Norte, com
sede em Belém (PA). Isso vazou e o
Jader soube. No momento em que
eu cheguei, ele disse: "Eu conheço
a senhora e vou lutar pela senhora". Quando eu vi que os outros
candidatos estavam com muito
apoio e o Jader, com uma briga danada com o presidente Fernando
Henrique Cardoso por causa da
CPI dos Bancos, eu fui procurar o
Antonio Carlos Magalhães.
Folha - A sra. já o conhecia?
Calmon - Nunca o tinha visto
pessoalmente. Eu o vi pela primeira vez agora. Amigos meus telefonaram para ele e marquei uma audiência. Quando me recebeu, ele
disse: "Doutora Eliana, a senhora é
uma mulher de muitos amigos e
seus amigos já me deram muitas
informações sobre a senhora. Sei
que a senhora é muito trabalhadora e muito independente".
E os três senadores começaram a
me ajudar. Sem o apoio deles, eu
não seria escolhida. É uma processo eminentemente político.
Folha - Quanto vai demorar para
haver uma ministra no STF?
Calmon - O presidente está doido
para fazer uma ministra. Mas é
uma dificuldade encontrar uma
mulher com perfil para ser ministra do Supremo, que tenha tempo
de carreira, notável saber jurídico,
com nome conhecido nacionalmente, reputação ilibada e disposta a uma atividade que é quase um
sacerdócio.
Texto Anterior: Elio Gaspari: A crise produziu uma novidade: o empresário de passeata Próximo Texto: Covas diz que assinaria CPI para apurar leilão das teles Índice
|