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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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ELIO GASPARI

Boa briga
É possível que nem ele saiba, mas o presidente da Fiesp, Horacio Lafer Piva, poderá receber um convite para disputar a Prefeitura de São Paulo. Aceitar é outra história.

Os clandecas
Antes de entrar no Planalto, os quadros do aparelho de segurança do PT sabiam que o MST tem uma estrutura pronta para operar na clandestinidade. Como diria o comissário José Dirceu, prontos para virar "clandecas".
Depois que a equipe virou governo, cruzou as informações que tinha com as que o tucanato deixou nos arquivos. Assombrou-se.

Deus ajuda
Ou a oposição conservadora a Lula toma jeito e discute suas políticas públicas ou vai reconstruir a aliança que o elegeu consagradoramente, com 55 milhões de votos.
Numa dessas, o boné do MST vira grife.

Herança bendita
Abril de 1996: depois do massacre de Eldorado dos Carajás, a direção do MST foi ao Palácio do Planalto para um encontro com FFHH. A certa altura da conversa, o presidente foi avisado de que o encontro seria fotografado. Diante da oportunidade, João Pedro Stedile disse: "Já que teremos fotógrafos, vamos estender a bandeira do MST".
FFHH cortou: "Não, João Pedro. Aqui só se estende a bandeira brasileira, quando eu autorizo".
Meses depois, noutra audiência, rebarbou o boné.

Medo inútil
A última pesquisa CNI/Ibope teve um detalhe de humor negro estatístico.
A primeira informação revela que, entre o primeiro e o segundo semestre, o número de brasileiros "com muito medo de perder o emprego" caiu de 41% para 40%.
Deveria ter sido desvio de amostra, pois não havia racionalidade na queda. Havia. A percentagem dos que "já estão desempregados" passou de 9% para 10%.
Tendo perdido o trabalho, perdeu-se o medo.

O estudo dos erros absurdos

Saiu um livro que pode ser útil à nobiliarquia de todos os palácios de governo. Chama-se "Erros Radicais e Decisões Absurdas". Seu autor é Christian Morel, diretor de recursos humanos da Renault francesa. Ele lida só com decisões absurdas e estuda o processo que desemboca em desastres. Nada a ver com decisões medíocres, como botar boné do MST ou posar para fotógrafos em beira de piscina. O livro cita uns 50 absurdos. Aqui vão três:
1986 - Poucos minutos depois de ter deixado a base de lançamento de foguetes John Kennedy, na Flórida, a nave espacial Challenger explode, mata sete astronautas e choca o mundo. Desde 1981, a Nasa sabia que a nave tinha um problema nas juntas dos foguetes laterais. As peças eram consideradas "críticas". O empreiteiro recorreu contra a classificação. A Nasa a manteve, mas um funcionário de segundo escalão as liberou. Um engenheiro avisou que a baixa temperatura externa agravaria o problema. Na véspera, técnicos da empreiteira pediram que o vôo fosse cancelado. Um dos argumentos para que a missão fosse em frente foi o de que as peças não eram consideradas críticas. (Em momentos difíceis, tirar os pessimistas de cena não é a melhor solução.)
1978 - O vôo 173 da United Airlines vai descer em Portland, nos Estados Unidos. Os pilotos acreditam que o trem de aterrissagem não baixou, ficam dando voltas sobre o aeroporto e preparam o pouso de emergência com muito cuidado. Tanto cuidado que não verificam o combustível. Ele acaba e o avião cai. Morrem dez passageiros e a tripulação. (Como em julho começa o espetáculo do crescimento, a violência urbana está equacionada.)
1986 - Um grupo industrial alemão criou um curso de aperfeiçoamento para seus funcionários. O curso fez enorme sucesso. Apareceram alunos de fora e ele se expandiu. Um dia, o diretor industrial pediu um número de matrículas. Foi informado de que não havia vagas, porque a demanda externa já tinha lotado os próximos meses. (É possível aumentar a base de apoio de um governo no Congresso, mas se deve pensar duas vezes antes de ofender a militância.)
As decisões absurdas têm uma característica: liberam um elemento que vai contra o objetivo inicial. (A produção da indústria, o vôo da nave ou a aterrissagem do Boeing.) A elas, adiciona-se a persistência do erro. (O co-piloto recebeu ordem para checar o combustível, a Nasa discutiu à exaustão o defeito dos foguetes.) Morel mostra que a persistência no erro constrói uma nova racionalidade. Assim: as chances de uma missão como a da Challenger falhar eram de uma em 100 mil. Falso, eram de uma em cem. Fizera frio na Flórida. Não voltaria a esfriar. Esfriou.
No avião que ficou sem combustível, teria ocorrido um defeito no cérebro da espécie que Morel denomina de "inquietação racional". É a tendência das pessoas em acreditar que, numa situação em que devem passar por duas etapas, se estão cuidando da segunda (o pouso), a primeira (o combustível) estará resolvida. Morel não ensina como evitar erros absurdos, mas dá pistas. Ele condena "decisões técnicas submetidas a instâncias de direção generalistas, distantes de sua competência". Mais: "Pretensas reuniões de coordenação são reuniões de informação descendente". Christian Morel não é pseudônimo de tucano nem foi chamado para discutir a reforma tributária na Granja do Torto.
Serviço: quem pensar em se divertir com esse livro tomará uma decisão absurda. O texto é agreste e a tradução, intransigente. O leitor terá que encarar "bricolagens cognitivas", "métodos heurísticos" e "modelos hierárquicos validados".

O INSS do B é uma idéia honesta e boa

A bancada petista na Câmara tomou na semana passada uma relevante iniciativa para cobrir a reforma da Previdência com um belo véu de castidade. Ela propôs que se permita ao poder público manter planos de previdência complementar dando aos servidores o direito de optar entre pecúlios privados e a velha e boa Viúva. Levando-se em conta que, nos últimos 50 anos, a escumalha foi vitimada por três ondas de quebras e tungas da previdência privada, pode haver alguém que pretenda ficar vinculado à honorabilidade da União ou dos Estados. Esses INSS do B seriam iguais aos competidores privados. Se o governo encampar a emenda, calará quem diz que por trás (ou por baixo) da reforma há um plano de privatização da Previdência e/ou de capitalização de um aparelho político parassindical. Desprezando a bancada, o Planalto indicará que seu interesse pelo projeto original é maior que o seu apreço pelas idéias dos deputados do partido. Vale repetir: ninguém seria obrigado a ir para os INSS do B. A emenda pode ser ampliada, permitindo a todos os trabalhadores que façam planos complementares estatais. Parece besteira, mas é o direito que as pessoas têm de cuidar de seu pecúlio, de serem deixadas em paz.

Os deputados petistas que ajudaram a Viúva

O deputado Chico Alencar (PT-RJ) disse aqui que o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), devolveria os R$ 25,4 mil que receberia da Viúva por seu trabalho durante a convocação extraordinária do Congresso. Até agora, micou. Dez deputados (todos do PT) já anunciaram que devolverão o dinheiro. João Paulo não está na lista, apesar da esperança de Chico Alencar de que ainda venha a encabeçá-la.
O respeito ao dinheiro da Viúva foi uma tradição petista. Está em desuso, mas aqui e ali ela reaparece. Quando Cristovam Buarque foi convidado para o Ministério da Educação, podia optar entre o salário de senador (R$ 12.720) e o de ministro (R$ 8.280). Ficou com o da repartição onde bate o ponto. Deixou de ganhar R$ 4.440 por mês. Com os R$ 254 mil devolvidos pelos dez petistas, podem-se pagar 90 dias de seguro-desemprego de 270 brasileiros ou comprar 200 computadores para a polícia. Amanhã, 493 deputados (inclusive 83 petistas) e 81 senadores (11 petistas) receberão a primeira parcela de R$ 9.640 e terão uma oportunidade de doá-la aos sem-convocação. Diversos parlamentares dizem que também doarão o dinheiro. Quando o fizerem, serão listados aqui. Por enquanto, informa-se à patuléia eleitora-contribuinte que só os seguintes deputados -todos petistas- acharam certo devolver o dinheiro da convocação extraordinária:
Chico Alencar
Antonio Carlos Biscaia (RJ)
Orlando Desconsi (RS)
Henrique Fontana (RS)
Fernando Gabeira (RJ)
Mauro Passos (SC)
Walter Pinheiro (BA)
Paulo Rubem (PE)
Doutor Rosinha (PR)
Claudio Vignatti (SC).

ENTREVISTA

Deomar de Moraes

(51 anos, auditor fiscal, ex-coordenador-geral de Inteligência da Receita Federal.)

- Vinte e cinco dias depois de ter-lhe pedido para continuar no cargo de chefe da Inteligência, o secretário Jorge Rachid o exonerou. O senhor meteu o nariz onde não deveria?
- Essa pergunta o senhor deve fazer ao secretário. Eu também gostaria de saber a resposta. O serviço de Inteligência da Receita é coisa séria. Foi criado em 1996 e fui seu primeiro chefe. Hoje ele tem duas divisões, dez escritórios e quatro núcleos. Os seus agentes não ganham um centavo a mais. Estão lá por dedicação e desejo de qualificação profissional. Minha fotografia só apareceu na imprensa uma vez. Não há caso de agente da Inteligência que tenha aparecido na televisão. Até certo ponto, somos uma réplica da divisão de investigações criminais da Receita americana. Aquela que nos anos 20 botou o Al Capone na cadeia e a Leona Helmsley, mulher do dono do Empire State, nos anos 80. É uma equipe que já fez 600 grandes investigações e leva algo como R$ 10 bilhões por ano para o Tesouro Nacional. Em quase dez anos de atividade, a Inteligência não teve um só caso de má conduta de servidor. Ela não pega lambaris. Digamos que só pescamos acima dos 200 quilos.
- Na segunda semana de junho, o repórter David Friedlander revelou que a Inteligência investigou o patrimônio de dois auditores aposentados. Um era ex-secretário-adjunto da Receita [Paulo Baltazar]. O outro [Sandro Martins], ex-colaborador do secretário Everardo Maciel e assessor do secretário Rachid. Os dois eram sócios num escritório de consultoria. Sandro tinha um apartamento em Paris, perfeitamente declarado, mas sem registro do percurso do dinheiro com o qual o pagou. O senhor não botou o nariz onde não deveria?
- Não falo de casos específicos. Como eu lhe disse, ninguém me contou por que fui exonerado. O ministro Antonio Palocci Filho talvez tenha sido informado. Assumi o cargo em 1996 e no dia 28 de maio me aposentei. O secretário Rachid me chamou ao seu gabinete e me pediu que continuasse no cargo. Aceitei. No dia 25 de junho, fui exonerado. O único fato relevante que aconteceu entre essas duas datas envolvendo a Inteligência da Receita foi a reportagem que o senhor mencionou.
- Uma coisa dessas não avacalha a Inteligência?
- Nosso serviço foi institucionalizado. Os auditores sabem que têm do que se orgulhar. Nós começamos a puxar o fio do que hoje é a CPI do Banestado em 1999. O aparelhamento da Inteligência mudou a qualidade da fiscalização. Acabou o tempo em que os dados do computador do sujeito desapareciam misteriosamente. A tecnologia de criação dos laranjas hoje não é mais solução. É risco, dos grandes. Quem tem ou teve motorista laranja para esconder propriedade de Ferraris e Maserattis fez bobagem, grande. Há até casos em que ajudamos o sonegador. Num, pegamos e multamos em dezenas de milhões de reais um grande distribuidor de energia. Graças à Receita, ele soube que tinha gerentes roubando-o. Um deles tinha um caderno de propinas que pagava até 13º. Como todo serviço de inteligência, toda vez em que nós contamos algo de bom a nosso respeito, entregamos algum ouro ao bandido. É isso que tira a Inteligência de perto dos holofotes. Por essa, entre outras razões, eu gostaria de saber por que fui exonerado.


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