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Marinha rebate críticas a submarinos
Para comandante da Força, posições contrárias ao pacote são baseadas em "mentira" e "conversa de vendedor"
Brasil assinará contrato com a França de 6,7 bilhões para comprar quatro submarinos e obter tecnologia para fabricar um de propulsão nuclear
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O comandante da Marinha,
almirante Júlio Soares de Moura Neto, 66, classifica como
"mentira" e como "conversa de
vendedor" as críticas ao pacote
que o Brasil ratifica amanhã
com a França para a compra de
quatro submarinos convencionais da classe Scorpène, incluindo a tecnologia para planejar e fabricar um submarino
nacional de propulsão nuclear.
Segundo Moura Neto, o Chile e a Índia estão "muito satisfeitos" com o Scorpène, e o motivo de o Brasil ter escolhido a
França é simples: o Brasil sabe
construir e operar submarinos,
mas não planejá-los. O pacote
inclui tecnologia de planejamento, evoluindo do convencional até chegar ao de propulsão nuclear, e habilita o Brasil a
entrar no grupo de seis países
com essa capacidade.
A Alemanha, parceira brasileira de décadas, nunca repassou tecnologia para planejar o
convencional e é proibida, por
lei, de ter submarino de propulsão nuclear. Além disso, o preço
do Scorpène francês equivale
ao do IKL alemão.
FOLHA - O Brasil é um país pacífico,
sem guerras à vista, e convive com
milhões de miseráveis. Como explicar o gasto de 6,7 bilhões (R$ 17,6
bi) com submarinos?
JÚLIO SOARES DE MOURA NETO - O
prazo é de 20 anos. Olhando o
todo, é muito dinheiro. Olhando por ano, não é. Dá um valor
de R$ 1 bilhão anual, bastante
aceitável, palatável, no conjunto do Orçamento da União. O
governo tem sido muito eficaz
no combate aos problemas sociais, mas a sociedade brasileira
precisa ter a consciência de que
temos riquezas incomensuráveis no mar e a Marinha precisa
estar apta para defender nossas
riquezas e nossa soberania.
FOLHA - Para que um submarino
de propulsão nuclear?
MOURA NETO - Os inimigos não
são claros e existem muitos riscos que envolvem sobretudo o
petróleo. O submarino convencional trabalha com bateria e,
de tempos em tempos, precisa
subir à superfície para recarregá-la. Já o de propulsão nuclear
produz energia elétrica lá dentro dele mesmo e pode ficar
permanentemente submerso.
Além disso, ele anda em alta velocidade. Ninguém sabe onde
ele está. Isso traz uma capacidade de dissuasão enorme, que
só têm EUA, Reino Unido,
França, Rússia e China. A Índia
também lançou o seu.
FOLHA - A manutenção do submarino de propulsão nuclear é muito
cara, correspondente à de dez convencionais. Não seria melhor ter dez
convencionais?
MOURA NETO - Precisamos dos
dois. O convencional é lento,
mas, por outro lado, opera em
profundidades muito baixas de
áreas próximas do litoral. Já o
de propulsão nuclear, como se
desloca com enorme rapidez,
patrulha áreas gigantescas.
FOLHA - Por que o Brasil optou pelo
Scorpène francês se já tem um projeto de décadas com a Alemanha?
MOURA NETO - Quando a Marinha deu a largada para o projeto de um submarino de propulsão nuclear, em 1979, concluiu
que precisava dominar a tecnologia nuclear e simultaneamente a capacidade de construir reatores e submarinos. E
fez. O que falta hoje é a capacidade de projetar o submarino.
A França levou 30 anos para
passar do submarino convencional para o de propulsão nuclear. Não temos recursos para
isso e partimos para uma parceria. Tinha de ser com um país
com capacidade para os dois e
para nos auxiliar nessa passagem do convencional até o de
propulsão nuclear. Havia os
franceses, os russos e os chineses. E a França, num acordo governo a governo, aceitou nos
transferir tecnologia nas duas
áreas. Os alemães não têm submarino de propulsão nuclear,
até por questão de legislação.
FOLHA - Por que não uma forma
mista, já que os convencionais da
Alemanha são até mais baratos?
MOURA NETO - Isso não é verdade, é um discurso de vendedor e
uma distorção que tem saído na
imprensa. O alemão IKL-214,
que é bem similar ao Scorpène
e tem o mesmo nível técnico,
foi vendido à Turquia na faixa
de 430 milhões cada um. E o
nosso Scorpène está saindo por
415 milhões.
FOLHA - Não é um mau sinal o fato
de nenhum país da Europa usar o
Scorpène? Tanto o Chile quanto a Índia têm criticado bastante esse submarino.
MOURA NETO - Isso também é
conversa de vendedor. Não é
verdade. Nós temos informações seguras de que a Marinha
chilena está muito satisfeita.
Eles têm, acho, há uns dez anos.
FOLHA - E no caso da Índia, onde há
inclusive um processo judicial reclamando de atraso e de não transferência de tecnologia?
MOURA NETO - Eu não sei qual
foi o acordo, mas as notícias
que temos diretamente dos indianos é que tudo também está
correndo muito bem lá. Quanto
a dificuldades na construção de
navios e de submarinos, isso é
natural. Em alguns países onde
os IKL estão sendo construídos
também há contestação.
FOLHA - Não é claro que foi o Brasil
que apresentou a Odebrecht aos
franceses?
MOURA NETO - Não, não. Foi o
contrário. Os franceses é que
escolheram a Odebrecht, que
simplesmente aceitou. O Brasil
não poderia dizer: "Não quero a
Odebrecht". Os franceses é que
têm de nos fornecer material e
tecnologia, e então eles já escolheram mais de 30 empresas no
Brasil para construir partes dos
nossos submarinos.
FOLHA - Há preocupação com a
reativação da Quarta Frota dos EUA
no Atlântico Sul?
MOURA NETO - O governo brasileiro reagiu muito bem ao reclamar que a Quarta Frota não
foi nem política nem diplomaticamente informada ao Brasil.
Mas, na prática, eles só criaram
a Quarta Frota como elo entre a
Marinha e o Comando Sul, mudando a designação de algo que
já existia. Uma alteração meramente burocrática.
FOLHA - Ao não assinar o protocolo
adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear, o Brasil está deixando uma porta aberta para a bomba
em algum momento do futuro?
MOURA NETO - Nada disso. É
porque o protocolo adicional
inclui salvaguardas desnecessárias. O Brasil já faz tudo o que
tem de fazer para mostrar a clareza do seu programa nuclear
voltado para a não produção de
nenhum armamento nuclear.
FOLHA - A volta do Cabo Anselmo
remexe a discussão sobre a abertura
dos documentos da ditadura?
MOURA NETO - É muito simples:
a Marinha já encaminhou para
o Ministério da Justiça, em
2005, todos os documentos.
FOLHA - E o julgamento dos acusados de tortura?
MOURA NETO - Não defendo nenhum tipo de tortura, mas acho
que a anistia foi um acordo que,
como bem diz o ministro [Nelson] Jobim, pacificou o país. O
país precisa pensar no futuro.
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