São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

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Marinha rebate críticas a submarinos

Para comandante da Força, posições contrárias ao pacote são baseadas em "mentira" e "conversa de vendedor"

Brasil assinará contrato com a França de 6,7 bilhões para comprar quatro submarinos e obter tecnologia para fabricar um de propulsão nuclear

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, 66, classifica como "mentira" e como "conversa de vendedor" as críticas ao pacote que o Brasil ratifica amanhã com a França para a compra de quatro submarinos convencionais da classe Scorpène, incluindo a tecnologia para planejar e fabricar um submarino nacional de propulsão nuclear.
Segundo Moura Neto, o Chile e a Índia estão "muito satisfeitos" com o Scorpène, e o motivo de o Brasil ter escolhido a França é simples: o Brasil sabe construir e operar submarinos, mas não planejá-los. O pacote inclui tecnologia de planejamento, evoluindo do convencional até chegar ao de propulsão nuclear, e habilita o Brasil a entrar no grupo de seis países com essa capacidade.
A Alemanha, parceira brasileira de décadas, nunca repassou tecnologia para planejar o convencional e é proibida, por lei, de ter submarino de propulsão nuclear. Além disso, o preço do Scorpène francês equivale ao do IKL alemão.

 

FOLHA - O Brasil é um país pacífico, sem guerras à vista, e convive com milhões de miseráveis. Como explicar o gasto de 6,7 bilhões (R$ 17,6 bi) com submarinos?
JÚLIO SOARES DE MOURA NETO - O prazo é de 20 anos. Olhando o todo, é muito dinheiro. Olhando por ano, não é. Dá um valor de R$ 1 bilhão anual, bastante aceitável, palatável, no conjunto do Orçamento da União. O governo tem sido muito eficaz no combate aos problemas sociais, mas a sociedade brasileira precisa ter a consciência de que temos riquezas incomensuráveis no mar e a Marinha precisa estar apta para defender nossas riquezas e nossa soberania.

FOLHA - Para que um submarino de propulsão nuclear?
MOURA NETO -
Os inimigos não são claros e existem muitos riscos que envolvem sobretudo o petróleo. O submarino convencional trabalha com bateria e, de tempos em tempos, precisa subir à superfície para recarregá-la. Já o de propulsão nuclear produz energia elétrica lá dentro dele mesmo e pode ficar permanentemente submerso.
Além disso, ele anda em alta velocidade. Ninguém sabe onde ele está. Isso traz uma capacidade de dissuasão enorme, que só têm EUA, Reino Unido, França, Rússia e China. A Índia também lançou o seu.

FOLHA - A manutenção do submarino de propulsão nuclear é muito cara, correspondente à de dez convencionais. Não seria melhor ter dez convencionais?
MOURA NETO -
Precisamos dos dois. O convencional é lento, mas, por outro lado, opera em profundidades muito baixas de áreas próximas do litoral. Já o de propulsão nuclear, como se desloca com enorme rapidez, patrulha áreas gigantescas.

FOLHA - Por que o Brasil optou pelo Scorpène francês se já tem um projeto de décadas com a Alemanha?
MOURA NETO -
Quando a Marinha deu a largada para o projeto de um submarino de propulsão nuclear, em 1979, concluiu que precisava dominar a tecnologia nuclear e simultaneamente a capacidade de construir reatores e submarinos. E fez. O que falta hoje é a capacidade de projetar o submarino.
A França levou 30 anos para passar do submarino convencional para o de propulsão nuclear. Não temos recursos para isso e partimos para uma parceria. Tinha de ser com um país com capacidade para os dois e para nos auxiliar nessa passagem do convencional até o de propulsão nuclear. Havia os franceses, os russos e os chineses. E a França, num acordo governo a governo, aceitou nos transferir tecnologia nas duas áreas. Os alemães não têm submarino de propulsão nuclear, até por questão de legislação.

FOLHA - Por que não uma forma mista, já que os convencionais da Alemanha são até mais baratos?
MOURA NETO -
Isso não é verdade, é um discurso de vendedor e uma distorção que tem saído na imprensa. O alemão IKL-214, que é bem similar ao Scorpène e tem o mesmo nível técnico, foi vendido à Turquia na faixa de 430 milhões cada um. E o nosso Scorpène está saindo por 415 milhões.

FOLHA - Não é um mau sinal o fato de nenhum país da Europa usar o Scorpène? Tanto o Chile quanto a Índia têm criticado bastante esse submarino.
MOURA NETO -
Isso também é conversa de vendedor. Não é verdade. Nós temos informações seguras de que a Marinha chilena está muito satisfeita. Eles têm, acho, há uns dez anos.

FOLHA - E no caso da Índia, onde há inclusive um processo judicial reclamando de atraso e de não transferência de tecnologia?
MOURA NETO -
Eu não sei qual foi o acordo, mas as notícias que temos diretamente dos indianos é que tudo também está correndo muito bem lá. Quanto a dificuldades na construção de navios e de submarinos, isso é natural. Em alguns países onde os IKL estão sendo construídos também há contestação.

FOLHA - Não é claro que foi o Brasil que apresentou a Odebrecht aos franceses?
MOURA NETO -
Não, não. Foi o contrário. Os franceses é que escolheram a Odebrecht, que simplesmente aceitou. O Brasil não poderia dizer: "Não quero a Odebrecht". Os franceses é que têm de nos fornecer material e tecnologia, e então eles já escolheram mais de 30 empresas no Brasil para construir partes dos nossos submarinos.

FOLHA - Há preocupação com a reativação da Quarta Frota dos EUA no Atlântico Sul?
MOURA NETO -
O governo brasileiro reagiu muito bem ao reclamar que a Quarta Frota não foi nem política nem diplomaticamente informada ao Brasil. Mas, na prática, eles só criaram a Quarta Frota como elo entre a Marinha e o Comando Sul, mudando a designação de algo que já existia. Uma alteração meramente burocrática.

FOLHA - Ao não assinar o protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear, o Brasil está deixando uma porta aberta para a bomba em algum momento do futuro?
MOURA NETO -
Nada disso. É porque o protocolo adicional inclui salvaguardas desnecessárias. O Brasil já faz tudo o que tem de fazer para mostrar a clareza do seu programa nuclear voltado para a não produção de nenhum armamento nuclear.

FOLHA - A volta do Cabo Anselmo remexe a discussão sobre a abertura dos documentos da ditadura?
MOURA NETO -
É muito simples: a Marinha já encaminhou para o Ministério da Justiça, em 2005, todos os documentos.

FOLHA - E o julgamento dos acusados de tortura?
MOURA NETO -
Não defendo nenhum tipo de tortura, mas acho que a anistia foi um acordo que, como bem diz o ministro [Nelson] Jobim, pacificou o país. O país precisa pensar no futuro.


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