São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SERRA

Com dificuldades para consolidar sua rede de apoios e campanha de altos e baixos, candidato chega à reta final entre o êxito e o fiasco político

Após percurso acidentado, tucano aposta no 2º turno

ELIANE CANTÂNHEDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
RAYMUNDO COSTA
EM SÃO PAULO

Depois de uma campanha de "três contra um", o candidato do presidente Fernando Henrique Cardoso, José Serra (PSDB), chega ao dia da eleição seis quilos mais magro, gripado e rouco, mas com a "sensação de que vou ganhar a eleição" -sentimento expresso após uma jornada de campanha no Rio Grande do Sul, no início da semana.
Para "ganhar a eleição", Serra, 60, precisa passar para o segundo turno e recolher apoios como se começasse do zero. No primeiro tempo, para usar uma imagem recorrente do próprio tucano, que diz empregar a tática da seleção brasileira na última Copa, foram poucos os que se mantiveram ao lado dele até o fim.
FHC é um deles. Assim como foi fundamental na escolha de Serra para ser o candidato do PSDB, o presidente agiu para evitar que decisões de governo piorassem suas chances no final, como ocorreu no início da campanha ao permitir um aumento no preço do gás de cozinha.
Foi um dos piores momentos para a campanha de Serra. Ele próprio atacou a política de preços dos combustíveis adotada pela Petrobras, explicitando o que de início tinha dificuldades para dizer: era o candidato de FHC, mas não do governo.
Pior do que o aumento de preços, segundo a avaliação da campanha de Serra, foram os 15 dias que antecederam o início do horário eleitoral gratuito no rádio e na TV, época em que as notícias de renúncia do candidato ganhavam credibilidade diante de sua dificuldade para crescer nas pesquisas de opinião.
Serra atravessou a campanha sob a acusação de "destruir adversários", mas apanhando simultaneamente de Ciro Gomes, candidato da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB), de Anthony Garotinho (PSB) e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele e o governo, ou o governo e ele.

Ônus sem bônus
O grande trunfo de Serra foi também seu principal problema: ser o candidato do governo. Depois de dois mandatos, oito anos, sucessivos abalos econômicos, mais vidraça do que vitrine.
Na dúvida entre ser ou não governo, Serra ficou no meio do caminho. Herdou o ônus, sem ter o bônus. Um grande ausente da atual campanha é justamente a acusação mais comum em qualquer campanha: o uso da máquina a favor do candidato oficial.
Além de deixar um "meio FHC" para Lula no meio do caminho, Serra também deixou uma legião de ex-aliados para Lula e Ciro, principalmente. Da aliança que elegeu e sustentou o governo FHC durante quase uma década, muito pouco restou no fim da campanha tucana.
Serra perdeu o PFL institucionalmente e correu o risco de perder a maioria dos pefelistas quando Ciro Gomes se tornou a grande onda da campanha. Nunca conseguiu unanimidade do PMDB, responsável por poderosos minutos na propaganda eleitoral da TV. E enfrentou dissidências no próprio PSDB, a partir do Ceará.
A linha de Lula nas pesquisas de toda a campanha é estável, com tendência ascendente. A de Garotinho é estável durante um tempo e crescente na reta final. A de Ciro é um "V" invertido: ele cresceu rápido e caiu ladeira abaixo. E a de Serra é tão esquizofrênica quanto sua campanha: sobe, desce, sobe, desce, sem jamais estar num patamar considerado "seguro". O ponto crítico roçou os 10%, quase o quarto lugar.
Desde o início, Serra era acusado de ser "o candidato da mídia", mas reclama de ter sido tratado sempre de forma negativa, como reclama um dos mais fiéis serristas da eleição, o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães Jr. (PSDB-BA).
Quando Serra disputava a legenda, escrevia-se que ele perderia para o então governador do Ceará, Tasso Jereissati. Quando a conquistou, que ele "não iria decolar" e iria ser substituído pelo presidente da Câmara, Aécio Neves. Ao negociar o apoio do PMDB, considerava-se que não iria conseguir. Quando conseguiu, que era um apoio "podre" e "infiel". Ao subir nas pesquisas no início do ano, dizia-se que "era uma bolha". Ao cair em seguida, que estava "morto". A previsão era de uma "debandada em massa" dos aliados, que nem colocavam sua foto, ou mesmo nome, nos outdoors de campanha.
Serra teve uma campanha difícil, política e internamente. O humor e a eficiência do seu comitê variavam de acordo com as pesquisas, as chances, as ameaças de defecção. As disputas por espaço multiplicavam-se. E faltava dinheiro.
Ao mesmo tempo em que era acusado de ser o candidato dos "banqueiros" e do "capital internacional", Serra sofreu abalos profundos com a situação econômica que, em alguns momentos, parecia fora de controle. O dólar disparava, as Bolsas caíam, a culpa era do governo. E quem "pagava o pato", portanto, era o "candidato do governo".
Acusado por FHC de não defender os avanços de seus dois mandatos, Serra também suportou sorrisos, conversas a sós, telefonemas constantes e elogios "de bastidores" de FHC para Lula. Sempre considerados um "já ganhou" para Lula e um "já perdeu" para José Serra.
Ele, também, é o "candidato da indústria paulista", mas empresários não sentiam firmeza na candidatura e apressavam-se a promover encontros com Ciro Gomes, num determinado momento, e a aderir ao favorito Lula, quando a distância entre haver ou não segundo turno estava por um fio. Ou um ponto, literalmente.

Recomposição
Numa campanha recheada de "se", o tucano chega a este domingo com o fantasma de três "se": se houver segundo turno, se não for Garotinho e se finalmente for ele, Serra vai ter que recosturar toda a sua campanha.
Pode descartar desde já o apoio de Antonio Carlos Magalhães (BA) e do clã Sarney (MA) -eles estão com Lula desde o primeiro turno e acusam Serra de ter participado de toda a operação policial que desmontou a candidatura de Roseana Sarney.
Mas a cúpula da campanha aposta que Tasso Jereissati e o PFL praticamente inteiro fecharão com Serra, enquanto o PMDB que já é serrista finalmente vai arregaçar as mangas. Nesse processo de recomposição, a promissora campanha do tucano Geraldo Alckmin ao governo de São Paulo poderá ser fundamental.
Quanto a Ciro e Garotinho, Serra pode até tentar, mas com pequenas chances. Com exceção do líder do PPS no Senado, Roberto Freire (PE), a cúpula cirista do PDT já mal se continha de ansiedade para aderir a Lula no primeiro turno. E o discurso anti-governo de Garotinho projeta uma tendência pró-Lula -em quem, aliás, o ex-governador do Rio diz que votou em 94 e 98.
Quanto à disputa que de fato interessa, a do eleitorado que restar dos derrotados do primeiro turno: a disputa a partir de amanhã, se houver, será preto e branco, mano a mano, sim e não.
Um "tie break" do vôlei entre "oposição" e "governo". E Serra vai ter que, finalmente, olhar para os dados sobre FHC: o presidente, apesar das críticas a seu governo, tem quase 30% de ótimo e bom nas pesquisas. Na reta final, o candidato tucano só passou a barreira dos 20% das intenções de voto dias atrás. FHC vai ter que, finalmente, ser chamado a entrar na campanha.
Os tempos de TV no segundo turno são iguais, as condições, também. Com uma diferença: Lula entra com a onda e a maioria do eleitorado a favor, Serra chega por um triz, cansado e magro.
Mas, como diz Jutahy, quem ultrapassou tantos obstáculos e ressurgiu das cinzas tantas vezes numa só campanha não entra no segundo turno para perder. Se houver segundo turno, todas as fraquezas de Serra o terão tornado forte. E ele vai disputar com Lula como se fosse a última coisa que faz na vida.
Ao contrário de 1996, quando perdeu a eleição para a Prefeitura de São Paulo, Serra chega ao final da campanha em paz com seu "marqueteiro" Nizan Guanaes. "Criativo" e "gênio" são duas expressões que o candidato costuma usar sobre o publicitário.
Nizan, por sua vez, cobrou do candidato os apoios políticos para vencer. O marketing, por si só, argumentou, não levariam Serra à Presidência. Por duas vezes, Nizan cobrou o empenho dos políticos na campanha.
Ele tinha o que cobrar: quando a campanha de Serra parecia desandar, foi Nizan quem garantiu os pagamentos da equipe.
A campanha de Serra terminou como começou -improvisada. Anteontem no Rio, ele planejava ir a Goiânia, Pernambuco e Paraíba. Cancelou os três. Voltou para São Paulo, prometendo encerrar a campanha na Mooca.

1942

Em 19 de março, nasce em São Paulo José Serra Chirico, filho único de Francisco Serra e Serafina Chirico Serra. De origem modesta, foi criado na Mooca, bairro paulistano em que se concentravam imigrantes italianos. Sua educação básica foi na escola pública. Alfabetizado no Colégio Dom Bosco, fez o ginásio no São Judas Tadeu e o científico no Colégio Roosevelt

1963

Militante da Ação Popular -organização política ligada à Igreja Católica- é eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em julho. Após o movimento militar que depõe o presidente João Goulart (1961-64) em 31 de março do ano seguinte, a UNE é posta na ilegalidade e seus diregentes são perseguidos. É obrigado a deixar o país. Segue primeiro para a França, depois para o Chile e Estados Unidos

1973

Segue exilado para a França e então para o Chile. Casa-se com Sílvia Mônica Allende. Após o golpe militar que depõe o presidente Salvador Allende, deixa o país e vai para os Estados Unidos

1978

De volta ao Brasil, candidata-se a deputado federal pelo MDB. Sua candidatura, porém, é impugnada sob o argumento de que seus direitos políticos continuavam suspensos

1986

Elege-se deputado federal constituinte pelo PMDB de SP. Dois anos depois, participa da fundação do PSDB e é derrotado por Luiza Erundina na disputa pela Prefeitura de São Paulo

1995

Assume o Ministério do Planejamento no primeiro ano de governo Fernando Henrique. No ano seguinte, deixa a pasta para novamente disputar a Prefeitura de São Paulo. Derrotado mais uma vez, termina em terceiro lugar, atrás de Celso Pitta e Luiza Erundina, que disputaram o segundo turno. Convidado para assumir o Ministério da Saúde, prefere voltar ao Senado

1998

Durante reforma ministerial promovida por Fernando Henrique, deixa a presidência da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado para substituir Carlos Albuquerque na pasta da Saúde. Sua atuação no Ministério seria a principal plataforma de lançamento de sua candidatura à Presidência da República, em fevereiro de 2002, com o apoio do Palácio do Planalto


Texto Anterior: PT leva militância de 700 mil às ruas hoje
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.