São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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GAROTINHO

Desacreditado durante boa parte da campanha, Garotinho surpreende com discurso agressivo de oposição, ancorado na base social evangélica

Azarão, ex-governador sai vitorioso até com derrota

MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO
LIEGE ALBUQUERQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Seja qual for o resultado das urnas hoje, o candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, 42, sairá como um dos grandes vitoriosos desta eleição. De uma popularidade política restrita ao Rio e ao meio evangélico, Garotinho conseguiu, contrariando as previsões, se projetar nacionalmente e desde já se qualifica para se tornar nos próximos quatro anos um dos principais nomes para a disputa presidencial de 2006.
"Mesmo sem recursos, o apoio da mídia e dos grandes partidos, chegamos às vésperas da eleição empatados tecnicamente [nas pesquisas] com o candidato do governo [José Serra, do PSDB]", diz o o vice-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral.
Na hipótese de vitória de Lula no primeiro turno ou de uma disputa contra José Serra (PSDB) num eventual segundo turno, o PSB irá declarar apoio ao petista. Esta decisão já foi tornada pública em nota assinada pelo presidente do PSB, Miguel Arraes, em 25 de julho deste ano.
Garotinho, que preferia a neutralidade, seguirá a decisão do partido. Na terça-feira, em Recife, o ex-governador se reuniu com Arraes e Amaral e se comprometeu a respeitar a posição partidária. O PSB, porém, abre uma possibilidade de seguir para a oposição, caso Lula não corresponda aos anseios políticos defendidos pelos socialistas, o que é um cenário tido como provável.
"Está muito claro para nós que teremos uma responsabilidade com a governabilidade. Não vamos direto para o oposição, embora possamos seguir [este caminho" mais tarde, caso o PT não cumpra com os ideais de um governo de esquerda", diz Amaral.

Discurso de oposição
Se for para o segundo turno contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como apostam os assessores, Garotinho pretende radicalizar o discurso de oposição. A idéia é continuar mostrando que Lula se rendeu ao centro, se aliou a políticos conservadores e que o candidato do PSB é o único realmente comprometido com bandeiras de esquerda e de oposição.
"A questão fundamental será política. Vamos mostrar que estamos à esquerda do Lula", afirma Amaral.
Para o coordenador-geral da campanha, Márcio França, num virtual segundo turno contra Lula, a expectativa é atrair os votos dos antipetistas, de Ciro Gomes (PPS) e até mesmo do candidato José Maria (PSTU).
"Não vejo coerência em quem se diz de oposição apoiar Lula, que tem ao lado o PL e o [José] Sarney", diz França.
Os socialistas se dividem quanto à estratégia para novas alianças políticas. Alguns, como Amaral, defendem que, para manter a coerência com o discurso ideológico, o leque de novos aliados deve ser muito restrito -a lista, neste caso, inclui Ciro e o presidente nacional do PDT, Leonel Brizola, adversário de Garotinho.
Outras lideranças do PSB, porém, acham que a composição com candidatos a governador que disputarem o segundo turno contra o PT nos Estados será fundamental para levar Garotinho à vitória. Um dos exemplos é São Paulo. Se no Estado houver um segundo turno entre Geraldo Alckmin (PSDB) e José Genoino (PT), eles defendem um acordo com o tucano.
Os dois grupos não aceitam o apoio de lideranças conservadoras, principalmente pefelistas, como o ex-senador baiano Antônio Carlos Magalhães.

Partido vitorioso
Assim como Garotinho, o PSB sai vitorioso desta campanha. O partido, que em 1998 teve apenas 4,7% dos votos nacionais, pode chegar a 16%, segundo avaliação dos socialistas, tornando-se um dos principais partidos do país. A estimativa é de eleger pelo menos cinco governadores (Pará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Espírito Santo e Rio de Janeiro) e quase duplicar a bancada de deputados - passando dos 17, eleitos em 1998, para 32. No Senado, o partido avalia que obterá mais uma cadeira, passando de três para quatro senadores.
Qualquer que seja o quadro eleitoral, porém, o PSB pretende ampliar suas estruturas partidárias no país nos próximos anos e, para isso, contará muito com o empenho político de Garotinho. "Ele será fundamental para atrair novos deputados, prefeitos e senadores para o partido", afirma França.
Garotinho, na avaliação dos líderes do PSB, se tornaria um "observador" do governo Lula, tornando-se "a palavra autorizada" do partido para questionar medidas tomadas pelo petista.
A idéia do PSB é de que, assim como Lula, Garotinho percorra o Brasil nos próximos quatro anos, ajudando a consolidar a máquina partidária. A força eleitoral do ex-governador em 2006, porém, dependerá muito da boa performance da mulher, Rosinha Garotinho, no governo do Rio -cuja vitória é dada como certa pelos socialistas.

"Boicote"
Roberto Amaral diz acreditar que os principais entraves para o crescimento de Garotinho na preferência do eleitorado foram a falta de recursos e o que chama de "boicote" da grande mídia.
"Sofremos um verdadeiro massacre da mídia impressa. Um exemplo foi o caso da renúncia. A mídia não perguntava se nosso candidato iria renunciar, mas anunciava que ele iria renunciar. Garotinho não teve um colunista simpático a ele. Todos bateram de forma impiedosa, críticas até de ordem pessoal", reclama.
Segundo Amaral, as especulações sobre a possível desistência de Garotinho acabou afetando seu desempenho nas pesquisas eleitorais e espantou contribuintes, a ponto de o ex-governador ter que recorrer à ajuda financeira da campanha da mulher.
"Imagina se um potencial doador é procurado por um assessor de um candidato que, a todo o tempo, é anunciado pela mídia como quem irá renunciar. Ora, ele não vai contribuir. A militância, os candidatos, todos vão desistir de acompanhá-lo. Foi isso que aconteceu conosco."
Para o vice-presidente nacional do PSB, outro fator que atrapalhou o desempenho de Garotinho foi o desencontro entre o discurso do partido e o do ex-governador. A afinação só ocorreu, segundo Amaral, no final de julho, no auge dos boatos de que Garotinho desistiria da disputa.
Naquela ocasião, toda a executiva do partido se reuniu em Brasília, incluindo Arraes e o ex-governador. Ficou acertado, então, que o candidato adotaria um discurso radical de oposição ao governo e às alianças feitas por Lula.
"A ilusão de uma momentânea expectativa de vitória eleitoral não deve comprometer nosso programa, nossa história. Podendo ganhar eleitoralmente, as esquerdas que assim procederem certamente perderão politicamente e, acaso no governo, frustrarão nosso povo (...)", afirmou Arraes, em nota, na ocasião.
Daquele momento em diante, Garotinho passou a usar o discurso anti-Lula e de crítica radical aos banqueiros, que seria uma das marca de sua campanha.

Erros de imagem
A corrida eleitoral também expôs duas "falhas na imagem" de Garotinho, que, segundo os socialistas, devem ser trabalhadas até a próxima eleição presidencial. Segundo eles, o estilo "brincalhão" do governador e o uso da religião como apoio político criaram preconceitos quase intransponíveis no eleitorado de maior renda e escolaridade.
Para esses assessores, o poder de comunicação e a simpatia de Garotinho transmitida ao eleitorado, considerados inegáveis pelos socialistas, ficaram "ofuscados" às vezes pela "mania de tergiversar com piadas" do ex-governador, o que teria transmitido despreparo em vez de humor.
A questão da religião, para setores do PSB, tem de ser não totalmente apagada, mas melhor dosada - já que os socialistas não negam que, sem o apoio financeiro e a base social dos evangélicos, Garotinho não teria chegado até o final da campanha.
Mesmo com os defeitos apontados, os correligionários não duvidam ser Garotinho o melhor quadro do partido para concorrer à Presidência em 2006: só que acham que o candidato deveria "ceder" a um bom trabalho de marketing pessoal para as correções de imagem.
Para os socialistas, por conta da experiência administrativa do candidato, trabalhar a imagem de Garotinho será bem mais fácil e barato do que o trabalho na "radical mudança" de Lula para a campanha de 2002. Para eles, a mudança do petista foi a grande razão da posição linearmente privilegiada nas pesquisas de opinião e da chegada na reta final com chances de vitória hoje, já no primeiro turno.

1960

Em 18 de abril, nasce em Campos, no Norte Fluminense, Anthony William Matheus de Oliveira, filho do advogado Hélio Montezano de Oliveira e da dona de casa Samira Matheus. Chamado de Bolinha na infância e na adolescência, por ter nascido com 5,5 kg, passou pelo teatro amador antes de ser convidado a trabalhar no rádio como narrador de jogos de futebol e corridas de cavalo

1982

Militante do PCB durante a juventude, ajuda a fundar o PT em Campos. Pelo Partido dos Trabalhadores, inicia sua carreira política concorrendo ao cargo de vereador em sua cidade natal. Conhecido por seus programas de rádio, obtém votação expressiva, mas não consegue a eleição porque seu partido não atinge o coeficiente eleitoral. No ano seguinte, transfere-se para o PDT

1988

Dois anos depois de eleger-se deputado estadual pelo PDT, vence as eleições municipais e assume pela primeira vez a Prefeitura de Campos. Dizia enfrentar a oligarquia usineira local

1994

Com o apoio de Brizola, lança-se candidato ao governo do Rio, mas é derrotado. Durante a campanha, sofre um acidente de carro e, no ano seguinte, converte-se ao protestantismo

1996

Derrotado nas eleições estaduais, é eleito pela segunda vez prefeito de Campos, no primeiro turno. Interrompe o mandato na prefeitura da cidade para tentar mais uma vez o governo do Estado

1998

Em aliança com PT, PSB, PCB e PC do B, volta a ser candidato ao governo do Estado do Rio pelo PDT, tendo como vice a senadora petista Benedita da Silva. No 2º turno, vence Cesar Maia com 58% dos votos válidos. Durante três anos de governo, aproxima-se do movimento evangélico, com programas diários de rádio, e constrói sua candidatura à Presidência da República

2000

Após seguidos desentendimentos com Leonel Brizola, em virtude de sua crescente independência em relação ao PDT, deixa o partido em novembro para, no ano seguinte, ingressar no PSB. Já havia construído uma consistente base política no interior do Estado. Em abril de 2002, deixa o governo do Rio para sua vice Benedita da Silva a fim de concorrer às eleições presidenciais


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