São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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ABC eleitoral

RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

ROBERTO DIAS
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE

Se a letra tivesse de ser uma só, a campanha eleitoral que chega hoje ao primeiro turno de votação poderia se resumir a quatro "emes". De "marqueteiros", que ganharam destaque sem precedentes, construindo e desconstruindo candidatos em uma disputa repleta de reviravoltas. De "mercados", que fizeram a festa especulando com pesquisas eleitorais reais e fictícias, confiáveis e fajutas, aproveitando a possibilidade de vitória da oposição para lucrar com as incertezas sobre o futuro da política econômica.
De "mulheres": a pré-candidata que causou furor e depois implodiu, a vice escolhida em boa medida por critério de gênero, a namorada mais popular do que o candidato, as eleitoras indecisas. E de "mudança", desejo tão forte do eleitorado que até o candidato do governo se viu obrigado a escamotear sua condição.
Mas o "m" não basta para contar a história da eleição de 2002. O exame do que foi notícia nos últimos meses permite formar, de "a" a "z", o dicionário desta campanha.

A
ANTECIPAÇÃO

Jamais houve pré-campanha tão agitada. No segundo semestre de 2001 e no primeiro de 2002, disseminou-se a prática de usar programas televisivos de "divulgação partidária" para promoção de candidaturas. Com isso, o sobe-e-desce dos nomes ganhou o noticiário muito antes das convenções de junho.

B
BAIANOS
Vêm da Bahia as duas estrelas da marquetagem. Duda Mendonça pegou Lula no alto e lá conseguiu mantê-lo. Nizan Guanaes, depois de inventar Roseana, reinventou Serra e tirou Ciro do caminho do tucano. Falhou na tentativa de descer Lula das alturas, mas espera ter nova chance no segundo turno.

C
COLAR
... ou não colar na imagem de FHC: dilema jamais resolvido pela candidatura Serra. O tucano começou dizendo que não era o candidato do atual governo, mas sim de seu próprio. Depois tentou explicar em que seu governo será diferente do atual. O eleitor jamais entendeu a complexidade de tais raciocínios.

D
DESCONSTRUIR
Dos textos do filósofo Jacques Derrida o termo migrou para o discurso dos marqueteiros, e daí para o dia-a-dia do jornalismo. Desconstrução nada mais é do que bater duro até que, pela força dos golpes e pelas fraquezas de quem apanha, nada reste da imagem que o candidato apresentava de si próprio.

E
EMPREGO
Preocupação primeira dos eleitores, virou tema onipresente na propaganda. Os presidenciáveis promoveram disputa olímpica para ver quem seria capaz de prometer o número maior de vagas -e no final se enrolaram para explicar se os postos de trabalho anunciados seriam com ou sem carteira de trabalho.

F
FHC
Pediu a bênção dos candidatos para recorrer ao FMI, conversou de forma frequente nos bastidores com os petistas e viveu relação de idas e vindas com a campanha de Serra. Com a imagem melhor que a do próprio governo, subiu no palanque do candidato tucano na reta final.

G
GLOBO
A emissora líder de audiência faz este ano a mais ampla cobertura eleitoral de sua história, dando aos candidatos visibilidade sem precedentes fora da propaganda gratuita. Em contraste com episódios de seu passado, conseguiu, até agora, manter a decisão editorial de não perseguir nem beneficiar nenhum dos concorrentes.

H
HORÁRIO ELEITORAL
Serviu para pouco nas disputas de 1994 e 1998 entre FHC e Lula. Desta vez, errou quem pôs em dúvida o poder da maratona de televisão e rádio. Foi nela que Ciro pereceu, e que Serra tomou um susto ao tentar pegar Lula de jeito.

I
INSERÇÕES
Dos programas reunidos no horário gratuito o eleitor pode fugir. Mas os "spots", curtos como um comercial de produto, pegam-no de surpresa no meio da programação regular das emissoras. Graças a essas peças curtas, os candidatos ganharam visibilidade similar à de marcas líderes de mercado.

J
JUSTIÇA ELEITORAL
Com a legitimidade questionada como nunca, o TSE teve de julgar até mesmo um pedido de afastamento do próprio presidente, que teve José Serra como padrinho de seu casamento. Durante os ataques entre Ciro e Serra, deu mais deci sões favoráveis ao tucano; este por sua vez, perdeu boa parte de seu último programa eleitoral para o PT, em direito de resposta concedido pelo TSE.

L
LUNUS
Descontada a possibilidade de surpresas em eventual segundo turno, a operação da Polícia Federal na sede da empresa de Roseana Sarney entrará para a crônica como o escândalo desta eleição -e o R$ 1,3 milhão apreendido no local como uma de suas principais imagens. Fez o fenômeno da pré-campanha virar pó.

M
MERCADO
Fez a festa especulando com pesquisas eleitorais. Aproveitou a perspectiva de vitória da oposição para lucrar com as incertezas sobre o futuro da política econômica. Provocou recordes sucessivos do dólar questionando a capacidade do país de honrar suas dívidas. Agora cobra definição de nomes do novo governo.

N
NEGATIVO
A promessa de que a propaganda eleitoral seria "propositiva" não sobreviveu ao primeiro dia de horário gratuito. O campeão de campanha negativa foi Serra, que obteve sucesso contra Ciro, mas se tornou líder em rejeição ao alvejar Lula.

O
OPOSIÇÃO
O que todo mundo quis ser. Até Serra, candidato do governo, que passou a campanha anunciando que "a mudança é azul", cor de sua propaganda. Com tantos disputando o mesmo espaço, Garotinho achou por bem se promover como "o único verdadeiro candidato de oposição".

P
PATRÍCIA PILLAR
Destaque em uma eleição na qual as mulheres -Roseana, Rita, eleitoras indecisas- jamais deixaram de ser assunto. Grande trunfo da candidatura do marido, ajudou Ciro a subir estrelando uma série de comerciais em junho. E ele terminou de cair quando disse a famosa frase sobre o papel dela na campanha. Patricia perdoou. O (a) eleitor (a), não.

Q
QUALITATIVAS
Dessas pesquisas, nas quais pequenos grupos discutem temas variados sob estímulo de um mediador, saem as palavras que os candidatos repetem no horário gratuito -daí tanta semelhança entre os "programas de governo". Antes restritas ao consumo interno das campanhas, as "quális" caíram na boca da imprensa, que hoje imita os marqueteiros na prática de tratá-las como oráculo eleitoral.

R
REVIRAVOLTA
Há um ano, Ciro era segundo. Veio Roseana e tomou-lhe o posto. Roseana implodiu, e foi a vez de Serra chegar a vice, até ser ultrapassado por Ciro. Este empolgou até ser "desconstruído", devolvendo o lugar a seu arqui-inimigo. Para completar, Garotinho incomodou os adversários com mais de uma onda de crescimento. De constante, apenas a liderança de Lula.

S
SARNEY
Roseana, a filha, foi a vedete da pré-campanha. Ao desaparecer, deixou viúva uma fatia do eleitorado que vagou de um nome a outro em busca de uma alternativa de oposição não-petista. José, o pai, virou avalista da candidatura Lula, cuja vitória seria, na visão do ex-presidente, "uma demonstração de maturidade necessária ao país".

T
TRACKING
Gênero de levantamento que deixou as gavetas dos bancos e os comitês dos candidatos e chegou às páginas do jornal. Feito por telefone, tem custo mais baixo que o das pesquisas amplas de intenção de voto, mas não representa o conjunto do eleitorado. Seu objetivo é antecipar tendências sobre o encaminhamento das candidaturas.

U
URNA ELETRÔNICA
Na primeira eleição presidencial totalmente informatizada no país, virou notícia mais pelas dúvidas do que pela tecnologia. Durante a campanha, diversos simuladores de urnas foram apreendidos pela polícia em diferentes pontos do país, reforçando os questionamentos à segurança da votação.

V
VERTICALIZAÇÃO
Sacramentada às vésperas da campanha, emperrou a formação de coligações formais e deu vazão a alianças brancas. Abriu caminho, também, para uniões das mais inimagináveis possíveis, como a de Orestes Quércia (PMDB) com Lula (PT).

X
XEROX
No marketing político, nada se perde, tudo se recicla. O que serviu para Maluf funciona também para Lula, mostrou Duda Mendonça, que reaproveitou na propaganda do petista peça usada anteriormente para o ex-prefeito. Já Serra, pelas mãos de Nizan Guanaes, reaproveitou apresentadora e cenários de comerciais usados meses antes para Roseana Sarney.

Z
ZAPPING
Movidas pela verticalização e por seguidas reviravoltas nas pesquisas, as nuvens da política se moveram com velocidade alucinante. Apoios mudaram do dia para a noite. Houve quem desfilasse num dia com um presidenciável e em outro, com um segundo. Sem candidato e dividido, o PFL viu partidários seus trocarem Ciro por Serra por Lula.


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