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Entrevista da 2ª/Achim Steiner
Mundo perdeu dez anos ao ignorar mudança do clima
Chefe do programa ambiental da ONU e anfitrião de reunião sobre clima que começa hoje diz que era de medidas simbólicas acabou e que Brasil virou parte do problema
REPRESENTANTES DE 180 países se reúnem
a partir de hoje em Nairóbi, Quênia, para
negociar uma extensão do Protocolo de
Kyoto, o acordo internacional contra as
emissões de gases de efeito estufa que expira em 2012.
O anfitrião do encontro é um alemão de 45 anos que
nasceu e passou sua infância numa fazenda em Carazinho (RS): Achim Steiner, diretor-executivo do Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
ANA FLOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM
NAIRÓBI
O encontro, a 12ª COP (Conferência das Partes) da Convenção do Clima da ONU, acontece num momento em que o
aquecimento global parece ter
ocupado um lugar de destaque
no imaginário do público, tanto
com o sucesso do filme "Uma
Verdade Inconveniente", do
ex-vice-presidente dos EUA Al
Gore, quanto com novas evidências de que o fenômeno já
está acontecendo e terá impactos econômicos graves.
A última delas foi o relatório
divulgado pelo governo britânico na semana passada, que
mostra que em 2050 a mudança climática poderá ter reduzido o PIB global em até 20%.
Já passava da hora, diz Steiner, ambientalista que deixou a
chefia da IUCN (União Mundial para a Conservação) para
assumir o Pnuma em junho.
"Acredito que o mundo perdeu
dez anos por não levar a questão das emissões tão a sério."
Esses dez anos "vão nos custar
muito", afirma, porque as emissões de carbono (o principal gás
de efeito estufa) cresceram, inclusive em países pobres como
a China e a Índia.
Em entrevista à Folha na sede do Pnuma, em Nairóbi, Steiner criticou os ambientalistas e
elogiou o programa brasileiro
de etanol. Leia a seguir:
FOLHA - Que decisões práticas se
pode esperar do evento sobre clima
que começa hoje?
ACHIM STEINER - Nós estamos em
um processo sem precedentes
de negociações intensas sobre
como lidar com o fenômeno
das mudanças climáticas. O encontro em Nairóbi deverá criar
as condições para as negociações sobre o que irá acontecer a
partir de 2012. Uma questão
importante será adaptação.
Não há mais dúvida de que mudanças climáticas estão ocorrendo. O ritmo e a escala das alterações são de uma magnitude
tão grande que os países têm
que aceitar, agora, que o amanhã não será como o ontem e
que, da agricultura à infraestrutura, eles precisam pensar
em um mundo no qual mudanças climáticas alteraram noções fundamentais sobre o clima. Como se adaptar a essas
mudanças é uma questão central em Nairóbi.
FOLHA - Existe a chance de este ser
apenas um encontro simbólico?
STEINER - O tempo para simbolismos acabou. Este encontro
acontece em um momento no
qual o reconhecimento das mudanças climáticas atingiu os
mais altos níveis. Existe a questão da herança histórica das
emissões de carbono dos países
industrializados, mas precisamos pensar que o futuro será
diferente, porque um país como a China, por exemplo, é hoje o terceiro maior emissor de
carbono. Países como o Brasil e
a Índia, com uma indústria
emergente, são agora parte do
problema das emissões. A grande dificuldade em lidar com
mudanças climáticas é a implicação econômica do que chamamos mitigação. Nairóbi é o
último encontro antes de um
processo de negociação sobre o
que se fará a partir de 2012. Se
não for um passo à frente, todo
o processo atrasará.
FOLHA - Alguns cientistas dizem
que nós atingimos um ponto sem
retorno no clima mundial. Ainda é
possível evitar o pior?
STEINER - Claro que sim. Podemos dizer que em algumas
áreas nós atingimos um estágio
sem volta ao concluir que as
mudanças climáticas irão levar
à extinção de algumas espécies
e à perda de hábitats. Por causa
das variações climáticas, nós
não poderemos mais utilizar
parte das zonas costeiras que
antes considerávamos perfeitamente passíveis de desenvolvimento. Apesar disto, não estamos em um nível no qual o
mundo está condenado.
FOLHA - Qual a importância da
Amazônia para evitar o aquecimento global?
STEINER -
Por si só, a Amazônia não é a solução.
Como "o pulmão da terra", como já
foi chamada, a Amazônia continua a
reunir os três elementos mais significantes que o planeta tem, com sua
capacidade de seqüestro de carbono, biodiversidade e suas funções regulatórias do clima. O futuro da
Amazônia é absolutamente importante, talvez mais do que se pensava
há dez ou quinze anos.
FOLHA - Há alguns meses um grupo de empresários ingleses, e mais
recentemente um ministro britânico, aventaram a idéia de privatizar a
Amazônia como forma de salvá-la
do desmatamento. O sr. concorda?
STEINER - Três questões fundamentais estão em jogo aqui. A
primeira é a soberania. A segunda questão é até que ponto
os instrumentos de mercado e
esquemas de privatização são a
forma mais eficiente de proteger a floresta. Em terceiro lugar, a Amazônia não é apenas
um pedaço de terra com árvores em cima. Ela é parte de uma
economia, para as comunidades locais, para o setor agrícola
brasileiro e até mesmo para toda a economia do país.
Eu considero simplista a
idéia de "comprar e cercar". Ela
não resolverá o problema. Mas
os donos de terra e empresários
podem ter um papel importante em expandir as possibilidades de proteger a Amazônia?
Claro que sim. Nós aprendemos no século 20 que o sonho
ambientalista de proteger os
recursos naturais do planeta
afastando as pessoas e evitando
seu uso é um conceito ultrapassado. Nós precisamos criar soluções mais inteligentes. Há
muitas maneiras de usar a
Amazônia mantendo a integridade de seu ecossistema.
FOLHA - A passagem para um modelo economicamente sustentável
não está sendo muito lenta?
STEINER - Estamos sendo muito
lentos, estamos permitindo
que os menores denominadores comuns nos limitem, não
estamos levando suficientemente a sério as evidências à
nossa frente, tudo isso é verdade. Mas os ambientalistas também têm sido muito lentos em
reconhecer que o ambiente não
é algo intrinsecamente superior a outros valores e prioridades no planeta. Alimentação,
sobrevivência, religião, cultura,
aspirações econômicas, todas
as coisas que nós, como sociedade, valorizamos. A preservação do ambiente não pode se
justificar apenas pelo argumento da ética ou da importância biológica. Precisamos utilizar nosso conhecimento ambiental para dar o benefício da
variável econômica às pessoas
que precisam fazer a difícil escolha de onde investir, o que
utilizar ou não utilizar.
Uma das razões de tanta demora é o fato de que, se eu investir em proteger meus recursos naturais, eu carrego o custo,
mas os benefícios serão globais.
Por isso, o ambiente se tornou,
mais do que qualquer outra
área, uma questão globalizada.
Em termos de inteligência humana, o tempo que estamos demorando é frustrante. Em termos históricos, 20 ou 30 anos
para levar 192 nações a uma
ação coletiva é um período incrivelmente curto. É preciso
ser um realista pragmático para não se desiludir.
FOLHA - O Brasil tem desenvolvido
um programa de biocombistíveis
com sucesso. Isso pode ser tomado
com um exemplo global?
STEINER - O Brasil fez duas coisas que são imensamente importantes. Tem uma política de
promoção de combustíveis alternativos de longo prazo. Essa
política se pagou, pois o Brasil é
hoje um dos líderes no uso de
etanol. Além disso, o Brasil fez
outra coisa muito importante:
popularizou o uso de múltiplos
combustíveis na tecnologia que
os veículos têm, fazendo com
que os usuários não precisem
fazer a escolha de abandonar a
gasolina. O motor flex é uma
idéia brilhante. O que o Brasil
demonstrou com este exemplo
é a possibilidade de gerar um
mercado para um novo combustível, com medidas que
obriguem montadoras a oferecer automóveis flex. Na Europa, nem sequer conseguimos
fazer algumas montadoras incluírem filtros de partículas em
seus motores a diesel.
FOLHA - Algumas pessoas já chamam os biocombustíveis de "a gasolina do desmatamento"...
STEINER - Mais do que dizer que
os biocombustíveis são uma
opção incompatível com o ambiente, temos que trabalhar para descobrir como fazê-los parte da solução. Qualquer pessoa
que diga que [biocombustíveis]
são o nirvana do futuro está
passando a mensagem errada.
Mas, da mesma forma, eu não
desencorajo a procura de novas
opções aos combustíveis tradicionais. Esta é uma opção bastante real. Se temos mostrado
que podemos mudar padrões
não-sustentáveis de produção
agrícola e industrial, vamos então trazer o melhor da ciência,
engenharia e gerência de ecossistemas para achar um critério
que seja uma solução.
FOLHA - Há progresso no combate
ao desmatamento na redução das
emissões de carbono?
STEINER - Acredito que o mundo
perdeu dez anos por não levar a
questão das emissões tão a sério. Esses dez anos vão nos custar muito, porque poderíamos
ter reduzido muito mais [as
emissões] se tivéssemos uma
estrutura, um sistema, no qual
nos basear. As emissões estão
crescendo de maneira fenomenal, especialmente na China e
na Índia. Se tivéssemos agido
antes, poderíamos ter evitado
parte das emissões dos últimos
dez ou 20 anos.
O maior problema é competição. Os mercados se ajustam a
preços mais altos do petróleo
porque todos os países enfrentam as mesmas condições. Precisamos fazer o mesmo com
mudanças climáticas e mitigação. Precisamos criar um regime em que pelo menos seja menos provável que um país sofra
desvantagens econômicas por
reduzir suas emissões.
Sobre desmatamento, o Brasil é um bom exemplo. Nos últimos cinco anos, a Amazônia
passou primeiro por desmatamento acelerado, mas houve
um reconhecimento do caráter
dramático do que ocorria e medidas sérias foram tomadas. Isso prova que os governos têm
condições de agir.
FOLHA - No Brasil, muita gente
acredita que proteger o meio ambiente custa desenvolvimento.
STEINER - Se o crescimento econômico do Brasil tivesse sido de
10% nos últimos 15 anos, eu
concordaria. O crescimento
econômico do Brasil não foi
prejudicado pela regulamentação ambiental. Eu desafiaria
economistas a fazer essa conexão preto no branco, não só
postular uma hipótese. Se você
investe em recursos ambientais sustentáveis, pode ter um
retorno econômico tremendo.
Mas essa conexão nunca é feita.
Olhe o exemplo de um país
como o Quênia, que teve arrecadação turística recorde neste
ano. Foram US$ 700 milhões, a
maior arrecadação externa do
país. Ninguém está fazendo a
conexão de que a razão para o
turismo ter se desenvolvido
tanto é porque o país, nos últimos 30 anos, investiu em suas
áreas protegidas, nas zonas
costeiras, na preservação de
seus animais silvestres. Foi a
proteção da biodiversidade e
dos bens naturais do país que
fez do turismo sua maior fonte
de renda externa.
No Brasil há dois fenômenos.
Há aqueles que se beneficiam
do sistema econômico atual e
não têm muito interesse em
mudar os parâmetros que trariam novas indústrias, novas
formas de gerenciar o solo e novas tecnologias. Simplesmente
por que a mudança ameaça o
controle do mercado. Esta é a
tradicional noção do interesse
não-legítimo, e alguém precisa
explicar porque tantas pessoas
em posições de decisão política
e econômica nem sempre são
grandes reformadores. Eles se
beneficiam dos atuais mecanismos. O discurso público é dominado por pessoas que se beneficiam do status quo.
Em segundo lugar, é preciso
criar exemplos de sucesso. Até
que o Brasil invista em demonstrar os benefícios econômicos que derivam de seus
ecossistemas será muito difícil
competir na cúpula do governo,
ou no debate econômico, porque não há evidências. Se o Brasil investir em capturar o valor
econômico dos ecossistemas
ou de modelos de produção
sustentável, e há pessoas trabalhando para isso, os termos do
debate e a percepção pública
irão mudar.
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