São Paulo, domingo, 06 de dezembro de 2009

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Mensalões fragilizam debate ético em 2010

Para analistas, escândalos tiram credibilidade de grandes siglas e levariam candidatos a tratar do tema individualmente

Marina é a pré-candidata que chegaria à campanha com as melhores condições para debate ético, já que PT e PSDB pouparam dirigentes

FERNANDO BARROS DE MELLO
MALU DELGADO

DA REPORTAGEM LOCAL

A deflagração, na semana passada, do esquema de corrupção no Distrito Federal apelidado de mensalão do DEM arrasta mais um grande partido do sistema político brasileiro para a seara da corrupção que já abateu diretamente PT e PSDB.
Indiretamente, várias outras siglas, como PMDB, PP, PR (ex-PL), PTB, PDT e PPS, foram envolvidas ou citadas nos escândalos do mensalão petista, no valerioduto do PSDB e no recente mensalão do DEM.
A fragilidade dos partidos políticos não deverá banir o debate ético na campanha de 2010, mas poderá obrigar os candidatos a trazer o tema para a esfera pessoal e não partidária. Isso beneficiaria, até o momento, a pré-candidata do PV, a senadora Marina Silva (AC). A opinião é de filósofos e cientistas políticos ouvidos pela Folha.
Segundo dados do Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro, feito pela Unicamp), de 2002 a 2006 caiu de 40% para 29% o percentual do eleitorado que identificava algum partido político como representativo de sua maneira de pensar. O número de eleitores que disseram gostar pelo menos um pouco de um partido caiu de 48% a 33%.
Já o Datafolha mostra que, em maio de 2002, o percentual de eleitores que não se identificava com nenhum partido atingia 42%. Na pesquisa de agosto de 2009, o número dos sem partido subiu para 57%.
Para o professor titular de Ciência Política da USP José Álvaro Moisés, apenas os candidatos como indivíduos poderão trazer o tema da ética para o embate eleitoral. Mas isso "exigiria que eles, ao mesmo tempo, fossem capazes de dizer o que acham que os seus próprios partidos devem fazer (ou deveriam ter feito) diante das denúncias de que alguns de seus membros estiveram ou estão envolvidos em corrupção".

Ética no palanque
O filósofo José Arthur Giannotti não vê a ética fora dos palanques. "A questão da ética pode se tornar fundamental quando todo mundo está igualado. [O debate] vai se dar mais pelos indivíduos que pelos partidos", afirmou. "Obviamente haverá, dentro dos partidos, candidatos que vão se apresentar mais éticos que os outros."
No Brasil, segundo o professor de Ética e Filosofia Política da USP, Renato Janine Ribeiro, os eleitores consideram mais relevante a discussão sobre honestidade e competência do que o debate programático sobre o papel do Estado e políticas públicas. "Não acho que a ética será deixada de lado, embora quase nenhum dos grandes partidos esteja ileso da mancha da corrupção."
Por ora, acrescenta o professor, Marina Silva e Ciro Gomes se beneficiariam por não terem nenhum escândalo de corrupção "colado" à imagem deles.
A cientista política Denise Paiva, da Universidade Federal de Goiás, concorda que Marina Silva é quem terá a maior possibilidade de tratar da ética. "No caso de Serra e Dilma, eles correm o risco de ficarem um apontando o dedo para o outro, o que não é frutífero", diz.

Democracia manca
Segundo Álvaro Moisés, a falta de responsabilização de políticos envolvidos em escândalos faz com que a democracia brasileira fique "manca ou ande de muletas".
"O PSDB tentará se limpar de qualquer mácula apesar de o então presidente da sigla [Eduardo Azeredo], denunciado pelo Supremo, ter sido mantido", exemplifica Janine. No caso do PT, enfatiza a professora Denise Paiva, a direção partidária, agora, estimula o retorno de envolvidos no mensalão para o comando da sigla.
"A democracia não se define apenas pelo direito de os eleitores escolherem governos, mas também pelo seu poder de avaliarem a ação dos que governam e adotarem medidas de apoio ou de correção dos rumos", complementa Moisés.
Citando pesquisas qualitativas, os professores dizem que a população brasileira é extremamente severa no julgamento da corrupção quando envolve políticos e partidos, mas é mais condescendente quando os deslizes envolvem questões cotidianas. Ou seja, a maior parte da população brasileira é crítica com a "corrupção dos outros", mas leniente com a corrupção próxima de si.
Se parece que chegamos ao fundo do poço na política, a solução, segundo o filósofo Giannotti, é uma clara pressão da sociedade por "uma reforma do sistema político e por um sistema mais simples de votação e representação, em que o relacionamento com o eleitor seja mais próximo, como ocorre no voto distrital". Sem isso, afirma ele, "não sairemos do buraco".


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