São Paulo, segunda-feira, 07 de março de 2005

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PODER DE FOGO

Presidente da Câmara admite influência política para ajudar conterrâneos

Em discurso, Severino diz que ajudou infrator e "cachaceiro"

Gil Vicente/"Diário de Pernambuco"
O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, discursa ao lado de sua filha Ana Cavalcanti (esq.)


FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM JOÃO ALFREDO (PE)

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), transformou o seu discurso de homenageado em João Alfredo, sua terra natal, anteontem, em uma confissão do uso de influência política em favor de seus conterrâneos.
Diante de uma platéia de aproximadamente mil pessoas, o parlamentar contou, na noite de sábado, ter ajudado um morador da cidade, detido em uma blitz de trânsito, a ser liberado pelos policiais. Contou também como impediu um cidadão briguento de João Alfredo (115 km de Recife) de ser denunciado por depredar um bar durante uma briga.
A filha de Severino, deputada estadual Ana Cavalcanti (PP-PE), ainda tentou discretamente convencer o pai a não contar tantos detalhes em público. Atrás dele, do lado direito, ela dava pequenos toques com o braço nas costas do parlamentar. Em vão.
"Ana, eu quero contar", reagiu Severino ao microfone, na primeira tentativa de intervenção da filha. E contou. Disse que o rapaz detido na blitz não tinha dinheiro para renovar a carta de habilitação. Como possuía o cartão de visitas do deputado, telefonou para ele explicando a situação e foi socorrido na hora, sendo liberado da ação policial.
Severino disse à polícia que se responsabilizava pelo rapaz. "Se ele estava com a carteira de motorista vencida, era porque não tinha dinheiro para fazer uma nova", explicou o deputado.
O discurso inflamado tornava-se ainda mais vibrante com os tambores que rufavam toda vez que o deputado erguia sua voz. A platéia, que ouvia atenta as histórias do filho ilustre da cidade, aplaudia e agitava bandeirolas.
Animado, o presidente da Câmara começou a contar outro caso. A filha fez então uma nova tentativa discreta de intervenção. O pai reagiu de novo: "Eu vou contar o que quero contar, Ana". E Severino falou outra vez.
Contou que um rapaz bêbado havia quebrado um barzinho e que, quando soube que se tratava de um conterrâneo seu, prontificou-se a pagar pelos danos. Livrou-o, assim, de eventuais problemas com a polícia.
Quando entregou R$ 400 ao comerciante, disse que o dono do bar se surpreendeu: "Como um deputado pode ajudar um cachaceiro?", perguntou. "Mas é um cachaceiro de João Alfredo", respondeu Severino. Aplausos.
A filha do parlamentar ainda fez mais uma tentativa de controlar a fala do pai durante o evento. A resposta, mais uma vez, foi uma bronca. "Ana, não me catuque tanto quando estou falando."
Severino lembrou-se de sua origem humilde e disse que não tinha vergonha do seu passado. "Eu, um menino que lavou cavalo no açude de João Alfredo para ganhar um tostão, não me envergonho de minha origem. Teria vergonha se estivesse nas páginas policiais", declarou.
O deputado também reagiu às críticas que já recebeu por não possuir curso superior. "Eu freqüentei a universidade do povo", disse. "Sei o que o povo passa, e não é porque estou por cima agora que vou esquecer. É por isso que esse povo acredita em mim", afirmou.
O discurso de Severino foi o auge das homenagens prestadas ao presidente da Câmara na sua primeira visita à sua terra natal, após a eleição no Legislativo.
O deputado chegou a João Alfredo de carro, no final da tarde de sábado. Recebido com fogos de artifício, ele participou de uma carreata, desfilando em carro aberto pelas ruas da cidade de 27 mil habitantes. Famílias colocaram cadeiras nas calçadas para acompanhar a passagem do filho ilustre.
Chamado pelo locutor oficial do evento de "defensor da família e da vida", o parlamentar não concedeu entrevista após a festa. Ele viajou para Recife no final da noite e, ontem, passou o dia com parentes e amigos.


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