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ENTREVISTA
CLAUDIO E SUZANA PADUA
ONGs ambientais ricas e estrangeiras atropelam locais
Fundadores do Ipê afirmam que organizações internacionais querem dizer "o que é melhor" para os países
APRESSADAS em obter resultados rápidos
para justificar os recursos levantados, as
grandes, ricas e poderosas ONGs estrangeiras "atropelam" as menores na hora de
implementar projetos ambientais no Brasil.
É o que pensam os educadores socioambientais e
fundadores da terceira maior ONG ambiental brasileira, o Ipê (Instituto de Pesquisa Ecológicas), Claudio, 61, e Suzana Padua, 58. Em dezembro passado, o
casal tornou-se a primeira liderança ambiental a vencer o Prêmio Empreendedor Social, realizado pela
Folha e pela Fundação Schwab.
PATRÍCIA TRUDES DA VEIGA
EDITORA DO PRÊMIO EMPREENDEDOR
SOCIAL
CÁSSIO AOQUI
EDITOR-ASSISTENTE DO PRÊMIO
EMPREENDEDOR SOCIAL
ANDRÉ LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL
Sem mencionar nomes, eles
ressaltam as diferenças de
atuação entre as ONGs internacionais e as locais. Por falta de
estrutura, dizem, as ricas sublocam organizações menores,
mas a forma de fazer vem "de
cima para baixo".
"Chegam com o projeto
pronto, dizendo "sei o que é melhor para vocês'", constata
Claudio. Para o casal, as políticas ambientais internacionais
são criadas "no mundo das
agências multilaterais junto
com quem tem assento lá, as
organizações enormes".
FOLHA - Como vocês veem a evolução do movimento ambientalista
desde quando o Ipê surgiu, na época
da Eco-92 até hoje?
CLAUDIO - A década de 90 não
foi promissora, tivemos avanços, mas perdemos uma quantidade enorme de florestas tropicais nesse período. As metas
de Kyoto não foram cumpridas.
Fazer meta para aparecer na
foto é fácil, o problema é não ter
um mecanismo que possa depois verificar e punir de alguma
forma quem não as alcance. As
pessoas estabelecem metas de
maneira irresponsável.
SUZANA - A natureza também
nunca entrou como valor econômico, ela sempre veio de graça. Se você a tem de graça, tudo
o que se refere a sua proteção
está atrapalhando o progresso,
porque ela está ali para servir a
quem está enriquecendo.
Se todo mundo vivesse o padrão de vida norte-americano,
segundo estimativas canadenses, seriam necessários hoje, no
mínimo, quatro planetas.
Não vamos chegar lá. Esse
crescimento indiscriminado é
uma falácia, não chegaremos
ao desenvolvimento no padrão
de consumo do jeito que está
preconizado atualmente.
O que está fazendo falta neste momento é investimento em
tecnologia, como os países desenvolvidos estão fazendo. Como posso manter meu padrão
de vida consumindo 10% do
que estou consumindo em termos de energia e água?
É uma combinação de coisas.
E o Brasil tem todo o potencial,
mas não investe nele.
FOLHA - Qual seria o papel do governo e da sociedade nesse cenário
de emergência na questão do clima?
CLAUDIO - Nós temos de cobrar
de quem fala por nós um posicionamento pelo futuro do planeta e nosso, pois não é coisa
para as gerações de um futuro
muito longínquo. Há quem fique querendo diminuir a qualidade das previsões do IPCC
[painel do clima da ONU], mas
eles são os melhores pesquisadores do planeta e não devem
estar errados.
SUZANA - Os assentados do
Pontal que trabalham com a
gente compreendem isso, a
premissa de que, com floresta,
o resto da propriedade melhora, tem menos peste, o solo fica
melhor, a água fica protegida.
No micro, nós, como ONG,
podemos atuar. O desafio é
conseguirmos entrar na escala
em termos internacionais
Há ONGs como o Ipê em várias partes do mundo, com base
em ciência, academia, de tamanho médio, nacionais, trabalhando na ponta com os problemas verdadeiros.
Conseguimos atuar dentro
dos nossos microcenários, mas
precisamos de alguma maneira
de uma voz que seja mais ouvida internacionalmente. De baixo para cima, não de cima para
baixo, porque o que a gente
sente é que há uma tendência
grande de as coisas virem prontas e de o pequeno ser obrigado
a cumpri-las.
CLAUDIO - São criadas pelas políticas ambientais internacionais, desenvolvidas no mundo
das agências multilaterais com
quem tem assento nelas: organizações enormes. Por isso nós
estamos agora em alianças, na
tentativa de conseguir uma representação para sermos iguais
nesse processo.
FOLHA - Existe uma dicotomia entre as ONGs nacionais e as internacionais?
CLAUDIO - Existem ações diferentes e representações diferentes com atividades totalmente diferentes.
SUZANA - O peso das ONGs
grandes nas decisões é muito
maior que o das pequenas locais, como o Ipê. Isso é natural,
porque elas se dedicam muito
às políticas internacionais.
Tem uma delas de que várias
pessoas do Ipê e da Wildlife
Trust Alliance [aliança de
ONGs de médio porte] também
fazem parte, que é a UICN
[União Internacional de Conservação da Natureza]. Eles
têm cadeira na ONU e estão
abrindo um escritório no Brasil. Mas ainda faltam assentos.
CLAUDIO - Um dos nossos objetivos na Alliance é contratar em
curto prazo uma pessoa para
buscar assentos nesses órgãos
multilaterais.
FOLHA - De que tema que as grandes ONGs internacionais não abordam vocês falariam lá?
SUZANA - Não acho que a gente
falaria o que eles não falam,
mas é a forma de fazer, porque
os grandes têm os princípios
muito corretos, querem reflorestamento, manutenção das
florestas nativas, a biodiversidade mais bem protegida.
Mas, na forma de fazer acontecer nos países, as ONGs menores, de médio e pequeno portes, apresentam um papel extraordinário, que as grandes
normalmente atropelam.
FOLHA - Atropelam como?
SUZANA - Na implementação.
Por exemplo, você se compromete a reflorestar determinada
área, encontra locais altamente
importantes para a biodiversidade e quer proteger aquele núcleo, fazer um cinturão verde.
Como é que vai fazer?
As grandes têm mais facilidade de levantar fundos, mas, na
hora de implementar, muitas
vezes não têm a estrutura. Então sublocam as ONGs menores -e isso é complicado.
FOLHA - Elas contratam ONGs menores?
SUZANA - Muitas vezes contratam ONGs ou pessoas locais,
mas a forma de fazer vem muito de cima para baixo.
CLAUDIO - Um é rico em dinheiro, e o outro, em biodiversidade. Quem é rico em dinheiro
tem que ouvir quem é rico em
biodiversidade para saber a
melhor forma de fazer. Muitas
vezes o rico em dinheiro chega
com o projeto pronto, dizendo
o que fazer, com a frase "eu sei o
que é melhor para vocês".
SUZANA - E isso eu não acho
certo. É a mesma coisa que o
governo faz: um projeto para a
região do Pontal do Paranapanema sem consultar as pessoas
locais. Tudo o que vem de cima
para baixo raramente dá certo.
Leva tempo para construir
confiança, para ter um grupo de
pessoas com que você atua.
Às vezes elas [as grandes
ONGs] não têm tempo, têm de
mostrar resultado, porque coletaram verba que precisa ser
gasta de determinada maneira.
Avalio que as ONGs internacionais teriam um papel fundamental -e durante um tempo,
bem no inicio, até tiveram- na
capacitação das pessoas locais.
Se o recurso angariado tivesse
um componente forte em capacitação, elas construiriam um
exército de sabedoria.
FOLHA - Essa necessidade de resultados rápidos com ONGs sublocadas
pode fragmentar o processo?
CLAUDIO - Sim. Ninguém investe em capacitação, pois dá resultados muito fortes, mas lentos. Mas o medo não é só das
ONGs, é do governo também.
SUZANA - No Ipê, fizemos esforço para capacitação a vida
inteira. Começou internamente, incentivávamos os estagiários a partirem para o mestrado, o doutorado. Hoje o instituto tem esse ponto forte [30% de
mestres e doutores].
Enquanto os Estados Unidos
têm mais de 300 cursos sobre
biologia da conservação, a
América Latina inteira tinha 12
cursos até algum tempo atrás,
para toda essa biodiversidade.
É um ponto muito crucial. Só
30% dos "papers" que são publicados nas grandes revistas,
nas reconhecidas, sobre a Amazônia brasileira, tem um autor
ou um coautor brasileiro. O
resto é tudo gringo. O conhecimento gerado fica no norte e, se
não chega até nós, como é que
vamos competir? Os pesquisadores [estrangeiros] muitas vezes nem se lembram de mandar
cópia para as unidades de conservação em que estudaram. A
pesquisa fica lá.
CLAUDIO - Não é só que o conhecimento não chega; nós não
o estamos produzindo.
SUZANA - É um grau de desequilíbrio muito grande de conhecimento -e conhecimento
é poder. O esforço do Ipê e de
outras ONGs -porque a gente
não está sozinho nisso- é fazer
uma massa crítica que pense
diferente. É abrir caminhos para que as pessoas venham a ter
um nível de conhecimento que
faça a diferença.
CLAUDIO - Nesse espírito, é preciso capacitar fortemente não
para as prateleiras das bibliotecas, mas para um conhecimento que se transforme em ações.
Não sou contra a pesquisa pela
pesquisa, mas às vezes a gente
tem vergonha de fazer pesquisa
aplicada no Brasil.
SUZANA - É considerada às vezes até de segunda classe. Fica o
mundo do conhecimento que é
o mundo das universidades,
que não se mesclam.
No nosso mestrado, temos
uma disciplina que está fazendo uma diferença enorme, com
resolução de problemas reais.
CLAUDIO - Que é como um [empreendimento] pode beneficiar
o outro [uma comunidade] e
todos podem beneficiar a biodiversidade. O que tem que desafiar é o tema, e não a sua divisão de conhecimentos.
FOLHA ONLINE
Na quarta, leia a íntegra da
entrevista e os
regulamentos dos prêmios
no site Empreendor Social
www.folha.com.br/empreendedorsocial
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