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ENTREVISTA DA 2ª
Empresário alia-se a grupos de cigarros, refrigerantes, cervejas e combustíveis e funda o Etco
Kapaz cria ONG para combater pirataria
Matuiti Mayezo/ Folha imagem
![](../images/n0704200301.jpg) |
O empresário Emerson Kapaz, que suspendeu momentaneamente suas atividades políticas |
LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL
O empresário do setor de brinquedos Emerson Kapaz, 48, começou a tornar-se uma pessoa
pública no final dos anos 80,
quando era um dos principais líderes do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais).
A entidade tinha como colaboradores pequenos industriais, que
defendiam a democracia e se contrapunham ao pensamento de
parte das grandes indústrias do
país, que tinham se acostumado
com o regime militar.
Duas décadas depois, período
em que foi eleito deputado federal
de São Paulo pelo PSDB, passando depois para o PPS, secretário
de Ciência e Tecnologia do governo Mario Covas e perdendo uma
candidatura a vice-prefeito de São
Paulo, Kapaz decidiu agora suspender momentaneamente suas
atividades políticas. Aliou-se a
grandes conglomerados industriais de cigarros, refrigerantes,
cervejas e combustíveis para criar
o Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial).
A nova ONG tem entre seus colaboradores Shell, AmBev, Souza
Cruz e BR Distribuidora e será
lançada amanhã, em Brasília. Seu
objetivo inicial é combater a sonegação de impostos e o contrabando de produtos de concorrentes
de seus membros. Na entrevista
concedida à Folha, Kapaz cita dados como os que apontam que o
contrabando movimenta cerca de
R$ 35 bilhões por ano no Brasil.
Folha - O que é o Etco e quais seus
objetivos?
Emerson Kapaz - O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial [Etco" surgiu da confluência de quatro segmentos econômicos que
estavam trabalhando individualmente contra a sonegação de impostos, contrabando, pirataria e
falsificação de marcas. Várias empresas de setores de cigarros, refrigerantes, cervejas e combustíveis faziam trabalhos muito parecidos contra essas violações da lei.
Mas atuavam individualmente.
Elas decidiram criar o Etco porque tinham trabalhos semelhantes e perceberam que os problemas não eram apenas localizados
nos seus setores, mas estavam
contaminando toda a sociedade.
Folha - A Abes (Associação Brasileira das Empresas de Software) já
faz um trabalho de combate à pirataria. Ela participa do instituto?
Kapaz - De fato, a Abes tem um
trabalho de combate à pirataria de
softwares, que já chega a US$ 800
milhões anuais. O que corresponde a quase 50% do mercado de
programas para computadores.
Acontece que fui convidado pelas
empresas de cervejas, refrigerantes, cigarros e combustíveis para
ser o presidente executivo do Etco
e tenho de focar primeiro meu
trabalho naqueles setores. Depois
pensaremos em parcerias com
outros setores organizados de
combate à pirataria, como as indústrias de softwares e CDs.
Folha - A iniciativa de criar o Etco
foi portanto das empresas?
Kapaz - Sim. Foram empresas
como AmBev, Coca-Cola, Kaiser,
Souza Cruz e os dez maiores distribuidores de combustíveis do
Brasil, como Shell, Esso, Texaco,
Ipiranga, Agip, Castrol, Repsol e
BR Distribuidora. Essas empresas
faturam ao todo cerca de R$ 160
bilhões por ano, ou cerca de 12%
do PIB [Produto Interno Bruto".
Folha - Como cada um dos setores
envolvidos vinha lidando antes do
Etco com a pirataria e a sonegação
fiscal de concorrentes?
Kapaz - Cada setor tem problemas específicos. Nos setores de
refrigerantes e cervejas, por
exemplo, existe um forte problema de sonegação. Alguns casos de
falsificação de marcas começam a
surgir também nesses setores. A
Antarctica tem sido alvo disso. No
caso dos combustíveis, os problemas maiores são sonegação fiscal
e adulteração dos produtos. O volume de combustível vendido irregularmente não é muito grande,
representa 7% do total, mas corresponde a R$ 3,1 bilhões por ano
de sonegação fiscal. No caso dos
cigarros, o problema é mesmo
contrabando. No Brasil, 33% dos
cigarros vendidos são contrabandeados e têm péssima qualidade.
O que pode afetar ainda mais a
saúde das pessoas. São cigarros de
quarta categoria, que na maioria
das vezes vem contrabandeados
do Paraguai. O Paraguai hoje tem
32 fábricas de cigarros, produzindo uma enormidade de cigarros.
Folha - A Souza Cruz sofreu acusações em 1998 de exportar cigarros para o Paraguai, a fim de que
fossem reintroduzidos no Brasil via
contrabando. Isso não compromete sua participação no Etco?
Kapaz - Existe aí um engano. Várias fábricas brasileiras exportavam na época cigarros para o Paraguai, a fim de que eles entrassem novamente no Brasil via contrabando. Foi a Souza Cruz que
percebeu isso e levou ao governo
uma sugestão de que fosse criado
um imposto de 150% sobre os cigarros exportados para o Paraguai. Foi iniciativa da Souza Cruz
sugerir esse imposto, pois ela era
vítima dessa prática. O governo
aceitou a idéia e criou a taxa. Com
esse imposto, as fábricas de cigarros que existiam no país para vender produtos no Paraguai, visando o contrabando para o Brasil,
fecharam aqui e abriram lá. Daí a
existência hoje de 32 fábricas de
cigarros no Paraguai.
E não é só cigarro. O Paraguai,
na minha opinião, é a ONU do
contrabando do mundo. É um
problema internacional que o governo precisa resolver. Todo tipo
de produto vai para lá e entra no
Brasil. Tudo o que quiser. Videocassete, software, brinquedo,
TVs. A estimativa da Unafisco
Sindical [Sindicato Nacional dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal" é de que o contrabando no
Brasil movimenta algo em torno
de R$ 35 bilhões por ano.
Folha - A sonegação e a pirataria
no Brasil têm crescido?
Kapaz - Sim. O que justifica a
criação do novo instituto. As tubaínas [refrigerantes mais baratos" representavam cerca de 5%
do mercado há dez anos. Hoje
correspondem a 40%. Muitos dos
fabricantes não pagam impostos.
No setor de cigarros, produtos
contrabandeados ou que não pagam impostos representavam 8%
a 10% do mercado e agora representam 33% dos negócios. Em
combustíveis a adulteração de
produtos também cresceu muito.
Folha - O problema principal é a
sonegação de impostos?
Kapaz - Há muito mais atrás disso tudo. A margem de lucro de
empresas que sonegam impostos
é muito grande. Devido a isso, começa a surgir um Estado paralelo,
que tem conexão direta com o
narcotráfico, o crime organizado,
o contrabando e a violência. Um
consumidor que compra hoje um
combustível adulterado ou um
refrigerante mais barato muitas
vezes não se importa se esses produtos pagam impostos ou não.
Mas ele está sustentando o crime
organizado e o narcotráfico. E
portanto a violência, que o afeta.
Além disso, a compra de produtos irregulares afeta o emprego
formal. Um dos principais motivos da criação do instituto é mostrar que esse Estado paralelo que
está surgindo está inviabilizando
a expansão do emprego formal e
provavelmente está gerando um
rombo na Previdência Social, devido ao não recolhimento de contribuições. Alguns consumidores
acham que não existe problema
nenhum ao comprar produto que
sonega imposto e não percebe
que a violência está crescendo
também por conta disso. A oxigenação financeira das quadrilhas
vem muitas vezes de negócios relacionados à sonegação de impostos e ao contrabando. Isso é confirmado pela Secretaria de Estado
de Segurança Pública de São Paulo.
Folha - O aumento da compra de
produtos contrabandeados ou
adulterados não se deve à queda
do poder aquisitivo da população?
A reforma tributária resolveria o
problema?
Kapaz - Sem dúvida. Vamos trabalhar para viabilizar uma reforma tributária mais justa, eficiente
e menos onerosa para setores representados pelo Etco. Na realidade, os setores de cervejas, refrigerantes, cigarros e combustíveis
pagam uma carga tributária enorme para compensar outros setores ou empresas que não contribuem com quase nada. Agora, o
consumidor de fato compra produtos irregulares porque não tem
dinheiro. Mas a renda baixa é fruto da falta de crescimento da economia, de não termos uma economia eticamente competitiva.
Folha - Qual o tamanho da carga
fiscal nesses quatro setores que o
instituto representa?
Kapaz - No cigarro, é de 70%.
Em refrigerantes e cervejas, os impostos como IPI, ICMS, PIS/Pasep e Cofins representam 40%. E
em combustíveis, cerca de 35%.
Isso sem levar em conta o Imposto de Renda que as empresas pagam para a Receita Federal.
Folha - O governo pretende com a
reforma tributária acabar com o
imposto em cascata do PIS/Pasep e
da Cofins. Isso ajuda mesmo as empresas?
Kapaz - Ajuda um pouco. Principalmente os exportadores. O
grande problema do imposto em
cascata é que ele significa exportação de impostos. Eles são devolvidos depois de algum tempo, mas
o exportador acaba nem considerando essa devolução. O que tira
nossa competitividade. Mas o
mais importante na reforma tributária é a criação do IVA no lugar do ICMS, com alíquotas iguais
para todos os Estados. E o IVA recolhido no destino ajuda a acabar
com a guerra fiscal entre os Estados. O mais importante é desonerar quem está pagando impostos
hoje. O governo precisa sinalizar
que os impostos vão cair para os
setores que pagam muito. E conseguir trazer para o sistema empresas que não recolhem impostos atualmente. Um dos problemas atuais do governo é saber como fará a transição para trazer para dentro do sistema empresas
que não pagam impostos. Pessoalmente, defendo a tese de que
o governo deve criar um limite de
carga tributária no país em relação ao PIB. A partir do momento
que se superasse um patamar de
36% do PIB, por exemplo, o governo reduziria alíquotas de impostos como a CPMF. Isso atrairia
empresas que estão hoje na informalidade. Seria criado um círculo
virtuoso, no qual menos impostos
trariam mais empresas contribuintes, o que elevaria a arrecadação e consequentemente levaria o
governo a reduzir novamente a
carga de tributos.
Folha - O sr. apresentou essa proposta ao governo?
Kapaz - Sim. Apresentei ao ministro Antonio Palocci [Fazenda"
em um debate, e ele a achou interessante. Na transição que o governo está sinalizando sobre a
CPMF, dizendo que ela não será
extinta, o governo poderá baixar a
alíquota da CPMF, ou talvez do
IVA, quando a arrecadação aumentar. Se o governo fizer isso, o
consumidor será estimulado a cobrar notas fiscais de quem lhe
vende os produtos. O que favorecerá um mutirão da sociedade para o pagamento de impostos, a
fim de que ele resulte mais tarde
em redução das taxas.
Folha - Como o Etco vai trabalhar
para evitar a sonegação?
Kapaz - Estamos recolhendo dados sobre os quatro setores ligados ao instituto, como é que funciona a sonegação e o contrabando. Pretendemos compartilhar
esses dados com os governos dos
Estados e a União. No Estado de
São Paulo, por exemplo, o governo Geraldo Alckmin [PSDB" autorizou parcerias entre o Etco e as
secretarias de Fazenda, Segurança
e Justiça. O objetivo é eliminar os
problemas de sonegação e contrabando. Sugerimos, por exemplo,
que a Fazenda adote medidores
de vazões de cervejas e refrigerantes nas fábricas, o que permite saber exatamente quantos litros das
bebidas são fabricados. Até mesmo saber a graduação alcoólica
dos produtos. A Fazenda de São
Paulo está estudando o assunto.
Esses equipamentos já foram introduzidos em Pernambuco e na
Bahia, únicos Estados que já começaram um processo de adoção
desses sistemas. O governo federal deve introduzir esse tipo de
medição para controlar a arrecadação do PIS/ Pasep e Cofins.
Folha - Outros Estados estão dispostos a adotar esse sistema?
Kapaz - Além de São Paulo, estamos em negociações com os governos do Rio Grande do Sul e de
Minas Gerais. Vamos tratar do assunto com o governo do Mato
Grosso do Sul e também queremos conversar com o de Pernambuco, que já começou a adotar esses equipamentos de medição.
Nosso objetivo é fazer algo articulado com o governo federal. Tivemos uma reunião no dia 2 de abril
com o ministro da Casa Civil, José
Dirceu, e ele se mostrou muito entusiasmado com a criação do instituto e a possibilidade de uma
parceria com o governo federal.
Com o ministro Dirceu, conversamos também sobre a criação de
um programa nacional de combate à ilegalidade, que envolveria
quatro ou cinco ministérios, como Justiça, Fazenda e Casa Civil.
Mostramos ao ministro que o
crescimento da violência, a situação que vive o Rio de Janeiro, esse
Estado paralelo que está surgindo, tem a ver com a economia ilegal. Quem não recolhe impostos
tem um poder de fogo enorme e
pode fazer o que bem entender.
Comprar [corromper" quem ele
bem entender. Isso pode estar envolvendo o Legislativo, o Judiciário. Queremos que o combate à
economia ilegal se torne um programa do governo.
Folha - Qual o orçamento do Etco?
Kapaz - É de R$ 1 milhão por
ano. Basicamente será usado para
a manutenção do instituto e para
as atividades que planejamos.
Folha - O sr. terminou em 2002
seu mandato de deputado federal
por São Paulo. Começou no PSDB e
terminou no PPS. Tentou se eleger
vice-prefeito de São Paulo com a
candidatura da hoje deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP). Tem
novas pretensões políticas?
Kapaz -Estou me desfiliando do
PPS. No cargo que exerço no Etco,
tenho de estar desfiliado de qualquer partido, pois vou realizar um
trabalho com governadores de
vários partidos. Mas a idéia da
função política está na minha visão do mundo. Quero um dia voltar à vida pública.
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