São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2006

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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA

Prêmio Nobel de economia e ex-assessor de Clinton sustenta que governo do PT abriu mão da plataforma social para agradar Wall Street

Lula caiu na cilada do mercado, diz Stiglitz

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A economia vai bem, o povo vai mal. A frase, que teria sido dita pelo general-presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) no auge do milagre econômico e da ditadura militar, pode resumir a avaliação que Joseph Stiglitz faz do governo Lula. Pelo menos segundo entrevista concedida à Folha por telefone pelo prêmio Nobel de Economia e ex-assessor de Bill Clinton, que governou os EUA entre 1993 e 2001.
"O presidente preferiu zerar a dívida do Brasil com o FMI do que investir em programas sociais", disse em Nova York o professor da Universidade Columbia, 63, que chega hoje a Washington para o seminário "Development Contrasts - The Puzzling Case of Brazil" (As Contradições do Desenvolvimento - O Intrigante Caso do Brasil) no Banco Mundial.
Crítico das políticas de liberalização promovidas nos anos 90 na América Latina, ele afirma que Luiz Inácio Lula da Silva repete erro cometido por Clinton, de abrir mão da plataforma social que o elegeu e gastar o mandato "agradando o mercado financeiro": "Clinton passou oito anos reduzindo o déficit, e a única conseqüência disso foi deixar dinheiro em caixa o bastante para que os republicanos patrocinassem o maior corte nos impostos para os mais ricos já ocorrido na história deste país. Lula caiu na mesma armadilha do mercado".
Leia a seguir os principais trechos da conversa:
 

Folha - Desde que o sr. esteve no Brasil, o ex-ministro da Fazenda do governo Lula, Antonio Palocci, deixou o cargo e foi indiciado pela Polícia Federal. Não é irônico que a mesma pessoa que guardou a chave do cofre do governo e jogou o jogo do mercado tenha este fim?
Joseph Stiglitz -
Não sei detalhes suficientes sobre este problema específico que ele teve no final, mas creio que a questão econômica do governo Lula é distinta da questão política. Tanto que, apesar de tudo, o mercado tem permanecido relativamente estável. Por outro lado, o fato de o Brasil ter mantido seus juros básicos internos muito altos por quatro anos prejudicou claramente a economia. O único benefício até agora, de certa maneira talvez o principal, foi agradar Wall Street.

Folha - Sendo assim, o que deu errado neste governo, se é que algo deu errado?
Stiglitz?
O que deu errado -e eu antecipei isso- é muito parecido com o que aconteceu durante os dois mandatos do presidente Bill Clinton aqui. Ele assumiu após uma campanha em que o principal lema era "o povo em primeiro lugar", complementada por promover tecnologia, melhorar a educação, enfim, uma ampla e ousada plataforma social.
Tudo isso foi colocado em compasso de espera, pois Wall Street ditou que ele tinha de reduzir o déficit público. Pois bem, ele passou oito anos reduzindo o déficit, e a única conseqüência disso foi deixar dinheiro em caixa o bastante para que os republicanos assumissem o governo e patrocinassem o maior corte nos impostos para os mais ricos já ocorrido na história deste país. [risos].
Ou seja, ele deu dinheiro para as pessoas que pregam o exato oposto do que ele defendia quando candidato. Lula caiu na mesma armadilha do mercado. Ele está agradando o mercado financeiro, ano após ano, dizendo ao povo: "Esperem um pouquinho mais e então nós veremos os resultados". Sem que ele perceba, quatro anos se passaram.

Folha - Alguns analistas acham que a esquerda perdeu uma oportunidade histórica com o rumo tomado pelo governo Lula.
Stiglitz
Ele até fez algumas coisas para lutar contra a pobreza. A decepção é que ele poderia ter feito tão mais... Poderia usar de maneira sábia o superávit e investir em ações importantes, como a reforma agrária. Isso não teria sido inflacionário, não pesaria nas contas públicas, mas ele preferiu zerar a dívida com o FMI...

Folha - O subtítulo de seu seminário é "O Intrigante Caso do Brasil". O que o intriga no Brasil?
Stiglitz -
O sucesso enorme nas exportações, no mesmo nível dos tigres asiáticos, o sucesso enorme nos indicadores macroeconômicos, mas sem crescimento. Isso, em última análise, tem a ver com os altos juros básicos.

Folha - O que o sr. faria se fosse convidado a assumir o lugar do ex-ministro Palocci?
Stiglitz -
Baixaria os juros e usaria em programas sociais o dinheiro gasto com a dívida.

Folha - Após o fiasco do Consenso de Washington, o sr. vê as principais economias do mundo chegarem a algum acordo em relação aos países em desenvolvimento?
Stiglitz -
Há hoje uma gama de "novos consensos". O que prefiro é o que batizei de ""O Consenso Pós-Consenso de Washington", que repele o que deu errado com aquele modelo, que confundiu meios com fins, subestimou o papel importante que o governo tem de ter na área social, deu pouca ênfase à desigualdade social e deu mais importância ao controle da inflação do que às taxas de desemprego. É só fazer o contrário.


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