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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA
Prêmio Nobel de economia e ex-assessor de Clinton sustenta que governo do PT abriu mão da plataforma social para agradar Wall Street
Lula caiu na cilada do mercado, diz Stiglitz
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
A economia vai bem, o povo vai
mal. A frase, que teria sido dita
pelo general-presidente Emílio
Garrastazu Médici (1969-1974) no
auge do milagre econômico e da
ditadura militar, pode resumir a
avaliação que Joseph Stiglitz faz
do governo Lula. Pelo menos segundo entrevista concedida à Folha por telefone pelo prêmio Nobel de Economia e ex-assessor de
Bill Clinton, que governou os
EUA entre 1993 e 2001.
"O presidente preferiu zerar a
dívida do Brasil com o FMI do
que investir em programas sociais", disse em Nova York o professor da Universidade Columbia,
63, que chega hoje a Washington
para o seminário "Development
Contrasts - The Puzzling Case of
Brazil" (As Contradições do Desenvolvimento - O Intrigante Caso do Brasil) no Banco Mundial.
Crítico das políticas de liberalização promovidas nos anos 90 na
América Latina, ele afirma que
Luiz Inácio Lula da Silva repete
erro cometido por Clinton, de
abrir mão da plataforma social
que o elegeu e gastar o mandato
"agradando o mercado financeiro": "Clinton passou oito anos reduzindo o déficit, e a única conseqüência disso foi deixar dinheiro
em caixa o bastante para que os
republicanos patrocinassem o
maior corte nos impostos para os
mais ricos já ocorrido na história
deste país. Lula caiu na mesma armadilha do mercado".
Leia a seguir os principais trechos da conversa:
Folha - Desde que o sr. esteve no
Brasil, o ex-ministro da Fazenda do
governo Lula, Antonio Palocci, deixou o cargo e foi indiciado pela Polícia Federal. Não é irônico que a
mesma pessoa que guardou a chave do cofre do governo e jogou o jogo do mercado tenha este fim?
Joseph Stiglitz - Não sei detalhes
suficientes sobre este problema
específico que ele teve no final,
mas creio que a questão econômica do governo Lula é distinta da
questão política. Tanto que, apesar de tudo, o mercado tem permanecido relativamente estável.
Por outro lado, o fato de o Brasil
ter mantido seus juros básicos internos muito altos por quatro
anos prejudicou claramente a
economia. O único benefício até
agora, de certa maneira talvez o
principal, foi agradar Wall Street.
Folha - Sendo assim, o que deu errado neste governo, se é que algo
deu errado?
Stiglitz? O que deu errado -e
eu antecipei isso- é muito parecido com o que aconteceu durante os dois mandatos do presidente
Bill Clinton aqui. Ele assumiu
após uma campanha em que o
principal lema era "o povo em
primeiro lugar", complementada
por promover tecnologia, melhorar a educação, enfim, uma ampla
e ousada plataforma social.
Tudo isso foi colocado em compasso de espera, pois Wall Street
ditou que ele tinha de reduzir o
déficit público. Pois bem, ele passou oito anos reduzindo o déficit,
e a única conseqüência disso foi
deixar dinheiro em caixa o bastante para que os republicanos assumissem o governo e patrocinassem o maior corte nos impostos para os mais ricos já ocorrido
na história deste país. [risos].
Ou seja, ele deu dinheiro para as
pessoas que pregam o exato oposto do que ele defendia quando
candidato. Lula caiu na mesma
armadilha do mercado. Ele está
agradando o mercado financeiro,
ano após ano, dizendo ao povo:
"Esperem um pouquinho mais e
então nós veremos os resultados".
Sem que ele perceba, quatro anos
se passaram.
Folha - Alguns analistas acham
que a esquerda perdeu uma oportunidade histórica com o rumo tomado pelo governo Lula.
Stiglitz Ele até fez algumas coisas para lutar contra a pobreza. A
decepção é que ele poderia ter feito tão mais... Poderia usar de maneira sábia o superávit e investir
em ações importantes, como a reforma agrária. Isso não teria sido
inflacionário, não pesaria nas
contas públicas, mas ele preferiu
zerar a dívida com o FMI...
Folha - O subtítulo de seu seminário é "O Intrigante Caso do Brasil".
O que o intriga no Brasil?
Stiglitz - O sucesso enorme nas
exportações, no mesmo nível dos
tigres asiáticos, o sucesso enorme
nos indicadores macroeconômicos, mas sem crescimento. Isso,
em última análise, tem a ver com
os altos juros básicos.
Folha - O que o sr. faria se fosse
convidado a assumir o lugar do ex-ministro Palocci?
Stiglitz - Baixaria os juros e usaria em programas sociais o dinheiro gasto com a dívida.
Folha - Após o fiasco do Consenso
de Washington, o sr. vê as principais economias do mundo chegarem a algum acordo em relação aos
países em desenvolvimento?
Stiglitz - Há hoje uma gama de
"novos consensos". O que prefiro
é o que batizei de ""O Consenso
Pós-Consenso de Washington",
que repele o que deu errado com
aquele modelo, que confundiu
meios com fins, subestimou o papel importante que o governo tem
de ter na área social, deu pouca
ênfase à desigualdade social e deu
mais importância ao controle da
inflação do que às taxas de desemprego. É só fazer o contrário.
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