São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2000


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ELIO GASPARI
O PT toma sorvete com a testa

Quem não se lembra de Hillary Clinton dizendo que as acusações de adultério feitas contra seu marido eram parte de uma "vasta conspiração da direita"? Isso foi em janeiro de 1998. Em julho, Monica Lewinsky contou ao Ministério Público o que fazia com o marido da madame. Em agosto, o FBI terminou o exame das manchas em seu vestido. Em setembro, Clinton pediu desculpas ao povo americano. Como ficou quem acreditou na "vasta conspiração da direita"? No papel de bobo.
Pois Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu, dois grão-duques do PT, estão querendo transformar a agressão ao governador Mário Covas numa "vasta conspiração da direita". É o velho truque de transformar o fato (o adultério ou a agressão) num efeito (o interesse da direita ou o de Covas). Assim, nada é o que é. Tudo é encarnação do se quer que seja. Dona Hillary queria que houvesse uma conspiração. Lula e Dirceu querem que o episódio de quinta-feira passada seja discutido à luz das intenções de Covas.
As intenções de Covas não têm a menor importância. O governador de São Paulo, assim como um trabalhador sem carteira assinada, tem o direito de atravessar a praça da República e entrar pela porta da frente na Secretaria da Educação. Ponto. O resto é caso de polícia. Ele teve a valentia de apanhar. A mesma valentia que fez o nome de Lula e de seus metalúrgicos nos anos 80. Se a polícia do governador bate nos grevistas, ele é fascista. Se o governador, sem polícia, apanha desses mesmos grevistas, ele é um provocador. Se faz as duas coisas, é um provocador fascista. Provocador de quê? Do direito de um governador atravessar uma praça?
O doutor José Dirceu disse num comício que o governo precisa "apanhar nas ruas e nas urnas". Teria feito melhor se não dissesse, mas isso tem pouca importância diante da mistificação que desenvolveu para se explicar. Afirma que usou o termo "apanhar" como sinônimo de "sofrer derrota". José Dirceu já apanhou (em 1968, quando Mário Covas defendia os direitos de os estudantes se manifestarem e perdeu o mandato) e já sofreu derrotas (imposta por Mário Covas, nas urnas, em 1995). Se puxar pela memória, verá quanto dói um sinônimo.
O mesmo Dirceu diz que "o governo quer tirar a legitimidade dos movimentos, como se fazia na ditadura". Lorota. Na ditadura, Dirceu foi preso e banido em troca da libertação do embaixador norte-americano Charles Elbrick, sequestrado em 1969. Regressou ao Brasil como Carlos Henrique Gouvea de Melo, tornando-se vendedor de roupas para ocultar sua militância clandestina. Só voltou a ser José Dirceu de Oliveira e Silva quando a atividade de políticos como Mário Covas ampliou a legitimidade da oposição e buscou a anistia.
Covas nunca fez coisas semelhantes ao que fizeram as ditaduras. Nem as dos generais, nem as do proletariado. Dirceu fala em "movimentos". O que vem a ser essa coisa? Há os movimentos dos fluídos, há também o rebolado e o "allegro con brio" da 5ª Sinfonia de Beethoven. Parolagem. Dirceu chama de "movimentos" a tudo aquilo que atende aos interesses do PT sem que lhe convenha associar-se ao que fazem.
Professores acampados numa praça (ou lumpens do pedaço, como se viu na TV) transformam-se num "movimento". Covas não pode tirar legitimidade alguma dos movimentos, porque eles não a têm. Há os partidos, há os sindicatos e há até as manifestações de rua, mas os "movimentos", quando transformados em ente político do qual o PT seria o porta-voz moderado, são uma falcatrua.
Lula diz que Covas está culpando o PT para prejudicá-lo eleitoralmente. Acusa o governador de ter-se sentado "em cima de um formigueiro" e absolve-se dizendo que o PT "não tem controle sobre as formigas". Não são as formigas que o PT precisa controlar. É a si próprio. Estando na oposição, associa-se a violências, vitimiza o agredido e embute na sua posição um elemento de mistificação e desordem: considera legítimo impedir que o governador de São Paulo atravesse uma praça.
Era essa a questão que estava diante de Lula e José Dirceu. Enfiaram o sorvete na testa porque quiseram. Resolveram sair à la Hillary. Nada é o que é. Tudo é o que se quer que seja.
O que houve na praça da República foi o seguinte: Covas agrediu os manifestantes porque recebeu ordens de FFHH, que, por sua vez, recebeu ordens do FMI, que está numa jogada para botar a mão nos movimentos dos corpos celestes de forma a favorecer a Mangueira no próximo Carnaval.


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