São Paulo, quarta-feira, 07 de julho de 2004

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ELIO GASPARI

Lula comemora semestre e gol contra

Um sábio cujo nome não pode sair do segredo ensina: a máquina de poder de Brasília destina-se a enganar o presidente da República, a si própria e ao povo brasileiro, nesta ordem.
Só a vigência dessa lei explica o teatro montado no Planalto para comemorar os 18 meses do mandarinato de Lula. Ganha uma ida a Cuba quem souber de outro governante que tenha comemorado um ano e meio de governo. Comemorar semestre é um momento de grande criatividade do comissariado petista. Ganha uma volta de Cuba quem for capaz de prestar atenção a duas horas de discursos de José Dirceu e Lula. A habanera do chefe da Casa Civil durou 90 minutos, o tempo de uma partida de futebol.
Vigorou a lei da burla. A cerimônia destinava-se a enganar Lula, o governo e o povo brasileiro. Pura falta do que fazer e, de certa forma, do que dizer. Alternaram-se momentos de autoglorificação ("Esse governo não rouba", José Dirceu) e as habituais platitudes presidenciais ("A arte de governar é a arte de ter paciência"). O espetáculo, submetido a um cerimonial áulico que transforma as autoridades da República em figurantes de salão caribenho, é anticlimático como um gol contra.
Até aí nada demais, pois, se o presidente se sente bem no papel de animador palaciano, esse hábito não ameaça o desempenho que se espera dele. Tirando a animação, sobra o quê? No mesmo dia da comemoração dos 18 meses, era a seguinte a íntegra da agenda do presidente da República:
"9h30 - Reunião com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu (Palácio do Planalto)
10h - Reunião de coordenação política (Palácio do Planalto)
15h30 - Participa de solenidade, com a presença de todos os ministros, na qual serão lançados um vídeo e uma revista em comemoração dos 18 meses de governo (Palácio do Planalto)
17h - Reunião com assessores para tratar da visita do presidente do México, Vicente Fox, prevista para quarta-feira (7), e também discutir os preparativos da viagem que fará à Argentina e à Bolívia".
A escumalha que segura uma carga tributária de 35,68% poderia praticar um exercício de memória, procurando lembrar o que fez na segunda-feira. Numa operação um pouco mais complicada, pode-se especular que destino teria um gerente de revendedora de automóveis com semelhante agenda.
Indo-se às semanas passadas, o cenário é o mesmo. A agenda de Lula está disponível na página da Radiobrás na internet. Ela informa que, antes da estafante jornada de segunda-feira, o companheiro cumpriu uma programação oficial na quinta. Foi a seguinte:
"9h - Despacho interno.
10h30 - Reunião: visita do presidente do México e viagem à Argentina e à Bolívia
12h - José Graziano, assessor especial do presidente da República
15h30 - Clara Ant, assessora especial do presidente da República
16h - Despachos internos".
A menos que os despachos internos do Planalto se destinem a fazer orações pra Xangô, a coisa vai mal. Ou o presidente não conta o que faz, ou não faz o que valha contar.


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