São Paulo, sexta, 7 de agosto de 1998

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CELSO PINTO
O vespeiro da Cedae

Ao anunciar a privatização da Cedae, a empresa de água e saneamento, por R$ 4,8 bilhões, dia 10 de setembro, o governo do Rio abriu um vespeiro bilionário. O setor é uma fonte fantástica de negócios, mas controversa e imersa numa complicada disputa legal.
Se tiver sucesso, o Rio terá aberto um caminho para a privatização do setor. Mais: seu modelo vai virar uma referência.
O BNDES, que há anos quer colocar o setor no programa de privatização, ainda não ousou sugerir um modelo, embora tenha encomendado trabalhos a bancos de investimento. Seu presidente, André Lara Resende, diz que, dado o enorme impacto social do setor, é um caso típico em que o modelo deveria privilegiar mais metas e serviços do que a maximização do preço. Ele não conhece em detalhes o modelo carioca.
O secretário da Fazenda do Rio, Marco Aurélio Alencar, diz que o modelo da Cedae prevê pesados investimentos. Nos 25 anos de concessão, o operador investirá R$ 3,5 bilhões. Terá que fornecer água para 95% das áreas urbanas em cinco anos e para 80% das áreas rurais em dez anos. Em cinco anos, terá que cobrir 60% do esgoto sanitário. Assumirá várias obrigações, como o emissário submarino da Barra da Tijuca e a despoluição da baía da Guanabara. As áreas de baixa renda terão cobertura obrigatória.
Além das metas, contudo, será importante ter uma agência reguladora para fiscalizar o cumprimento. O impacto social da água e saneamento (por exemplo, sobre a saúde) é enorme, o que torna o papel da regulação ainda mais vital do que em outros setores já contemplados com agências federais, como telecomunicações, energia e petróleo.
O nó jurídico é complicado. A Constituição diz que os municípios podem cuidar dos serviços locais, mas também diz que regiões metropolitanas podem cuidar de serviços públicos de interesse comum. O argumento do Estado do Rio é que o sistema de coleta, tratamento e distribuição é interligado em vários municípios, portanto só faz sentido examiná-lo como região metropolitana.
Alencar vai além e diz que nesse setor é vital ter escala e subsídios cruzados: áreas mais ricas pagando pelo serviço de áreas mais pobres. Se fosse municipal, o serviço ficaria inviável.
Um projeto de lei do então senador José Serra define de vez a questão. Num ano eleitoral, contudo, a chance de tramitar um projeto que contraria os municípios é zero.
O Rio ganhou, em junho, uma ação no Supremo que julgou inconstitucional o artigo 357 da Constituição estadual que exigia a aprovação de cada município envolvido para a criação de região metropolitana. Restam, contudo, três ações no STF, uma do PFL e duas do PDT, e uma ação da Prefeitura do Rio, todas contra a privatização da Cedae.
Alencar aposta no julgamento dessas ações em agosto, com vitória do governo estadual. Se ficar alguma pendência, complicará muito a privatização. Alencar lembra que, mesmo que o STF desse razão aos municípios, eles só poderiam assumir a área indenizando os investimentos da Cedae, o que seria financeiramente inviável.
Alencar argumenta que empreiteiras e intermediários financeiros têm estimulado prefeituras a tocar a privatização, como "uma negociata": como uma forma de tocar obras ou ficar com contratos de gaveta. O fato de haver 5.000 municípios, uma situação legal cinzenta e muito dinheiro potencial é uma mistura explosiva.
A decisão de privatizar o setor tem levantado polêmicas em diversos países. O Reino Unido vendeu as empresas do setor (e não apenas concessões) e o resultado foi mais do que controverso. Outros países preservaram a estrutura estatal, total ou parcialmente. São Paulo só aceita vender parte da Sabesp, jamais o controle. Alencar lembra que a Cedae deu prejuízo nos últimos três anos e a vantagem de garantir investimentos no futuro.
O preço, de R$ 4,8 bilhões, se explica porque é a venda de 99,9% da empresa e não 19% como no caso da Telebrás, ou 15% como na Vale. O desembolso imediato é R$ 1,2 bilhão, o restante é distribuído em 25 anos. Os altos índices de perdas (51%) e inadimplência (27%) garantem um potencial de ganhos de eficiência. Empresas britânicas e francesas já mostraram interesse na Cedae. A própria Sabesp sonha em comprar empresas pelo Brasil afora. A conferir em setembro.




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