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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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GENTE QUE REGA

Fruta que povoa discurso do presidente tem história na vida nacional

Lula no país das jabuticabas

VINICIUS MOTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Lula, Marisa, o conselhão e a jabuticabeira. Na quinta-feira, eles voltaram a se juntar: "Está acontecendo com o meu pé de jabuticaba o que vai acontecer com a economia nacional", disse o presidente da República.
Dessa vez Lula se referia a uma jabuticabeira do Palácio da Alvorada. Quando fez o discurso que inaugurou os trabalhos do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em fevereiro, Lula louvou a perseverança de sua mulher, Marisa Letícia da Silva, que conseguiu fazer frutificar jabuticabas num vaso de apartamento em curto lapso de tempo.
A jabuticabeira e o seu fruto têm presença constante no conjunto de metáforas que assola o país. O que geralmente está em discussão quando alguém menciona o fruto negro da árvore da família Myrtaceae são as peculiaridades brasileiras.
"Se só existe no Brasil e não é jabuticaba, desconfie", reza o ditado. O economista Winston Fritsch, um dos formuladores do Real, foi ao ponto, em 1996: "Quando falam que o Brasil tem alguma coisa diferente dos outros países que não é jabuticaba, então é besteira." A frase ilustra uma apropriação simbólica frequente da jabuticaba: se o país burlar os padrões do mundo globalizado, acabará mal.
Jabuticaba é peculiaridade brasileira. Originou-se no centro-sul do país. Depois propagou-se, antecipando-se ao sonho geopolítico de Lula: é plantada em toda a América do Sul.
Há os que combatem o "adapte-se ao mundo ou pereça" lançando mão da mesma jabuticaba. Foi o caso de Policarpo Quaresma, o personagem ultranacionalista do escritor Lima Barreto (1881-1922).
A visão das "jabuticabas negras a estalar dos caules rijos" ajudou o herói, que saía do hospício, a refazer o ânimo e a buscar a realização de sua utopia no cultivo da terra. Infelizmente lá o aguardavam as saúvas.
Vinicius de Moraes (1913-1980) se insurgiu contra o materialismo abastado dos ricos invocando a árvore nacional. Em "Olhe aqui, Mr. Buster", ele se vinga de um milionário americano: "O sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal?"
O presidente Lula está interessado em explorar outros flancos para as metáforas relacionadas à jabuticaba. Na campanha, instado a reagir a uma provocação de Ciro Gomes, disse que seu adversário e o governo FHC eram "jabuticaba do mesmo pé". Em seu lugar, outros usariam o clássico "farinha do mesmo saco".
Já nos discursos aos conselheiros do CDES, a árvore representa o crescimento econômico.
Como uma jabuticabeira em ambiente hostil, o desenvolvimento, para acontecer, requer cuidados especiais e paciência. Frutos vigorosos e safras frequentes, pontifica Lula, recompensarão os sacrifícios iniciais.
É característica da jabuticabeira, explica Rolf Puschmann, da Universidade Federal de Viçosa (MG), a velocidade espetacular com que da flor surge o fruto maduro (30 dias). Ocorre que jabuticabas fenecem rapidamente, quanto mais se colhidas. Crescimentos intensos que duram pouco, na economia, são chamados de "bolhas".
Por outro lado, também marca essa planta o seu lento processo de crescimento, diz à Folha Luiz Carlos Donadio, da Unesp de Jaboticabal (SP).
Da semente até que a árvore produza os primeiros frutos decorrem ao menos dez anos, ou 2,5 mandatos presidenciais. A solução para abreviar esse processo para algo em torno de seis anos, ou 1,5 mandato presidencial, é a enxertia, uma interferência humana -ou heterodoxa- no processo natural.



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