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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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AJUSTE PETISTA

Ministro-chefe da Casa Civil considera "natural" que o PT ceda lugar ao PMDB na reforma ministerial

Dirceu defende redução de ministérios

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em entrevista à Folha, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, defende a redução dos ministérios. Fala em fusões de pastas, devido à "sobrecarga de atribuições e funções". E considera "natural" que o PT ceda lugar ao PMDB na mudança do primeiro escalão.
Dirceu, 57, faz questão de ressalvar que "a decisão será do presidente" Luiz Inácio Lula da Silva. Há 35 pessoas no governo com status de ministro, das quais pelo menos 19 são filiadas ao PT.
O homem-forte da área política ironiza as versões de que tem divergências com o todo-poderoso da economia, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda): "A cada semana de trabalho juntos, nós nos aproximamos mais".
E sai em defesa da gestão econômica: "Não tenho visto nada de consistente como alternativa à nossa política".
Dirceu afirma que, com a aprovação da reforma tributária em primeiro turno na Câmara dos Deputados e o envio da reforma da Previdência ao Senado, o país vai "entrar em outra fase".
"A fase agora é de retomada de investimentos, do crescimento, acelerar a reforma agrária, unificar os programas sociais e enfrentar algumas questões, como a das universidades, o ensino público superior, que neste primeiro momento não foi possível enfrentar."
O ministro confirma que recebeu a direção da Rede Globo, além de "outros grupos de mídia em dificuldades financeiras". Informa que o Banco do Brasil participa de uma reestruturação da dívida da Globo.
Embora o Banco do Brasil também seja uma instituição pública, Dirceu diz: "Não envolve o BNDES nem o governo". A negociação seria, segundo as suas palavras, "estritamente financeira". Envolve ainda outros bancos privados nacionais e estrangeiros.
O chefe da Casa Civil rebate as críticas do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Maurício Corrêa, a ele, a Palocci e a Lula. "Considero as afirmações ofensivas à minha história política, à do Palocci e à do presidente Lula. Aqui não tem czar nenhum."
Corrêa sugeriu que Lula se deslumbrara com o poder e que Dirceu e Palocci conduziriam o governo como czares na política e na economia.
Apesar de uma enxaqueca que o acompanhava havia dois dias, Dirceu estava de bom humor na manhã da última sexta-feira, quando recebeu a Folha. Entre risos fez comentários como o seguinte: "Sou socialista. É público, notório e dispensa provas."
Indagado sobre o que sentiu ao descobrir que era falso o relógio Rolex que ganhara do aliado José Carlos Martinez (PTB-PR) e doou ao programa Fome Zero, respondeu: "Que mico! Preciso ficar mais esperto".
A seguir, trechos da entrevista:
 
Folha - Terminada a fase das reformas neste ano, o governo dará mais atenção ao gerenciamento dos ministérios? Esse seria um ponto fraco do governo?
Dirceu -
Este foi um ano para superar a crise que herdamos e criar as condições para o país crescer e se desenvolver. Crescer só não basta. Foi muito ter concluído o Orçamento de 2004 e o PPA [Plano Plurianual] junto com o modelo regulatório para a infra-estrutura do país e com a reorganização dos bancos públicos e dos fundos constitucionais. Vamos entrar em outra fase, em outro ritmo. A fase agora é de retomada de investimentos, do crescimento, acelerar a reforma agrária, unificar os programas sociais e enfrentar algumas questões, como, por exemplo, a das universidades, o ensino público superior, que neste primeiro momento não foi possível enfrentar.

Folha - Com essa nova fase, o governo começa a ficar com uma cara mais próxima das bandeiras históricas do PT?
Dirceu -
A pergunta parte de um pressuposto de que discordo. Em momento nenhum, o PT abandonou os princípios históricos do PT. Nenhum partido consegue implementar sua política com inflação de 30% ao ano, dólar oscilando entre R$ 4 e R$ 5, sem credibilidade externa e com o nível de desorganização em que encontramos a máquina pública.
Neste momento, o importante para nós é manter a governabilidade, o mesmo processo de diálogo e parceria não só com governadores e prefeitos, mas com a sociedade. E nunca ver os problemas sociais e os conflitos como algo que põe em risco o governo e a democracia, mas, sim, como sinais da sociedade e pressões legítimas para determinados problemas a serem resolvidos.
Por fim, achamos que estão criadas as condições para a retomada do crescimento econômico. Isso não é só fazer a economia crescer. Por isso, o presidente se dedicou tanto à política externa, tanto à integração na América do Sul. Não vemos a política interna separada da política externa.

Folha - Haverá redução do ministério na reforma?
Dirceu -
Pode haver. Não dá para avaliar o ministério agora, em pleno andamento das reformas, em plena implantação de programas dos ministérios. Até o final do ano, faremos a avaliação. Temos de integrar o PMDB ao ministério. Mas tudo isso é decisão do presidente.

Folha - O sr. coordena a ação governamental. Na sua opinião, deve haver redução do ministério e fusão de pastas?
Dirceu -
Na minha opinião, deveria haver uma reorganização de alguns ministérios.

Folha - Com fusão?
Dirceu -
Pode acontecer em algumas áreas. Há ministérios que têm sobrecarga de atribuições e funções. Isso [fusão] pode acontecer. No mínimo, não haverá aumento de ministérios.

Folha - O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) disse que seria natural o PT ceder vaga ao PMDB no ministério porque é o partido com mais pastas. Será esse o caminho?
Dirceu -
Repito o que disse Gushiken: o natural é que seja o PT. Mas a decisão ainda não foi tomada pelo presidente.

Folha - A crises no Inca (Instituto Nacional de Câncer) e na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) geraram acusação de que o PT loteou os ministérios, sem critérios técnicos. Não compromete os serviços prestados à população em áreas tão sensíveis?
Dirceu -
A oposição não tem autoridade para falar disso. Entregou para nós o governo desorganizado, vários ministérios desmantelados. Estamos reorganizando o país e o governo

Folha - José Serra, tucano e ex-ministro, entregou a Saúde desmantelada?
Dirceu -
Não. O Ministério da Saúde não tem nenhum problema, funciona normalmente. A questão do Inca é isolada. Estamos resolvendo bem. Secretários de Saúde reconheceram que há continuidade administrativa e que está avançando. Não há nada na área da saúde em crise.
A Anvisa não tem nada a ver com isso. É uma agência autônoma. Mantivemos quem estava lá e pusemos na presidência um nome indicado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Folha - O sr. defende nomeações meramente políticas, algo que o PT sempre criticou?
Dirceu -
Não tem nenhuma nomeação meramente política no governo. Todos são pessoas com capacidade e competência para exercer o cargo. Quando não há capacidade e competência, há os sindicatos, a imprensa e a própria crise desencadeada para apontar o problema. Se houver falha, será corrigida. A regra geral do governo, a orientação do presidente e a política do PT é a mesma: em todos os cargos, o ocupante deve ter capacidade técnica e profissional ou capacidade política. Não necessariamente quem dirige um ministério ou uma secretaria precisa ter só capacidade técnica. Os dois exemplos que o país conhece são o ex-ministro José Serra e o ministro Antonio Palocci Filho. Um economista que dirigiu a Saúde e um médico que hoje dirige a Fazenda.

Folha - Existe troca de cargos e emendas parlamentares por votos no Congresso?
Dirceu -
Não existe.

Folha - Deputados, com a condição de não ter os nomes revelados, disseram ao jornal que assessores do sr. fizeram triagem de emendas parlamentares a serem liberadas.
Dirceu -
Não existe um governo que tenha a força e o apoio que o nosso tem, liberando R$ 200 milhões de emendas parlamentares em oito meses de governo. As emendas são liberadas para todos os partidos, prefeitos e governadores, sem discriminação. Temos discutido obras nos Estados e ajudado governadores de todos os partidos a resolver problemas.

Folha - Mas o sr. endureceu com os governadores. Passou a negociar em separado, atendendo a projetos específicos. Isso não é condicionamento para obter apoio?
Dirceu -
Desde janeiro estamos discutindo assim. Não discriminamos. Basta acompanhar a liberação de verbas e emendas.

Folha - É possível governar sem trocar votos por emendas e cargos?
Dirceu -
É possível porque os partidos estão integrados ao governo.

Folha - No governo Fernando Henrique Cardoso era assim. O PT criticava. Qual a diferença?
Dirceu -
O PT não está fazendo nenhuma fisiologia, não há discriminação nem condicionamento.

Folha - É verdade que o sr. e o ministro Palocci travam duelos sobre os rumos do governo?
Dirceu -
[Rindo] Acho ótima essa história de que eu e o Palocci nos desentendemos.

Folha - Por quê?
Dirceu -
Porque é preciso o adversário baixar a guarda para o Palocci e eu irmos conduzindo as questões, a mando do presidente. A cada semana de trabalho juntos, nós nos aproximamos mais.

Folha - Há uma combinação para o sr. ser o policial malvado, com fama de durão, e o Palocci ser o policial bonzinho?
Dirceu -
Nem eu sou mau, nem o Palocci é bonzinho. O Palocci é o Palocci. Eu sou eu. Falando sério, as relações entre nós se dão num clima de discussão e debate e não num clima de disputa. Nós somos petistas. A nossa natureza é de debate, questionamento. Não vou dormir sem me questionar sobre o que estamos fazendo. Não tenho tempo para ler a imprensa como tinha antes, mas sei das críticas.

Folha - São justas ou injustas?
Dirceu -
As críticas ajudam o governo; 70% podem ser injustas. Mas as 30% que são justas valem pelas 70% injustas.

Folha - Na negociação com os governadores para aprovar a reforma tributária, ficaram sequelas, por exemplo, com o governador Aécio Neves (PSDB-MG)?
Dirceu -
Não. Numa negociação política, há uma parte retórica, teatral. E há uma parte que é a reivindicação real. Isso o sindicalismo faz. Já falei com o Aécio após a votação. E nós já estamos noutra agenda.

Folha - Mas houve um endurecimento do governo que a oposição chamou de arrogante.
Dirceu -
Houve um momento de tensão porque se retomaram temas já afastados da agenda. Com novos temas na mesa, o governo teve de endurecer. Mas nunca houve arrogância, até porque os líderes do governo na Câmara dos Deputados e o presidente da Casa, João Paulo Cunha [PT-SP], sempre negociaram.

Folha - Empresários criticam a reforma aprovada. Falam que aumenta a tributação, o que o governo disse que não ocorreria.
Dirceu -
Há exagero. Essa questão vai ser discutida no Senado. A reforma não acabou na Câmara. A reforma desonera as exportações, acaba com a guerra fiscal, desonera os bens de capital, acaba com a cumulatividade da Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social]. São coisas que os empresários pedem desde que faço política.

Folha - Por que criticam tanto?
Dirceu -
Têm seus interesses.

Folha - O presidente do STF, Maurício Corrêa, disse que há no governo dois pólos que atuam como czares, o sr. e o Palocci. Afirmou que Lula viaja mais do que FHC e que o sr. tem de corrigir "impropérios" do presidente. Dá a entender que Lula não governa de fato.
Dirceu -
Repilo e considero as afirmações ofensivas à minha história política, à do Palocci e à do presidente Lula. Aqui não tem czar nenhum. Estamos agindo na absoluta legalidade, exercendo funções que a Constituição do país nos atribui.
Mais: as afirmações foram condenadas pela opinião pública, com exceção do senador [Eduardo] Suplicy [PT-SP]. A única pessoa que concordou foi o senador Suplicy e, por isso, fiquei e continuo estarrecido. Pela manifestação de outros ministros do STF, o ministro Maurício Corrêa falou em nome próprio e não em nome do tribunal.

Folha - Há notícias de que a cúpula da Rede Globo negocia com o sr. e o ministro Palocci uma socorro ao grupo, via BNDES e Banco do Brasil. O governo vai socorrer a Globo?
Dirceu -
Temos conversado com a Rede Globo, como com outros grupos em dificuldades financeiras. As questões são reservadas, porque envolvem o setor bancário, mas sei que a Rede Globo está reestruturando sua dívida com os bancos privados brasileiros, com o Banco do Brasil e com bancos internacionais. Até o momento, não está envolvendo o BNDES, nem o governo.

Folha - Mas o Banco do Brasil é público.
Dirceu -
Não há interferência do governo. Sei que há um comitê fazendo uma negociação estritamente financeira.

Folha - Não vai haver socorro do governo a grupos de mídia?
Dirceu -
Não posso dizer que não vai nem que vai. Quero repetir que isso não é questão só comercial, de mercado, mas envolve o sistema de comunicação do país e, portanto, é questão de Estado. O governo não pode olhar a aviação civil ou as empresas de comunicação, sejam jornais, rádios ou televisões, como se fossem uma questão de mercado. Não há nada do governo ou do BNDES. Se acontecer, será de forma transparente. O país saberá. Seja a Globo, seja qualquer outro setor da economia que envolva interesse nacional, o governo tem de se debruçar sobre o problema. Não é coisa exclusiva, dirigida à Globo.



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