São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Cobertura de dossiê fez Lula criar TV pública

Projeto foi acelerado depois de avaliação do presidente de que Rede Globo teve atuação parcial na eleição presidencial

Emissora rebateu as acusações de suposta falta de equilíbrio na cobertura da campanha e afirmou ter tido uma atuação isenta

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A cobertura da Rede Globo sobre o dossiegate na reta final do primeiro turno da eleição de 2006 foi o fator determinante para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidisse priorizar no segundo mandato a criação de uma rede pública de TV. O projeto sairá do papel nesta semana por meio de medida provisória. Pesou ainda a abordagem que a Globo deu à sua ausência no debate dos candidatos à Presidência na primeira fase da eleição.
Segundo a Folha apurou, Lula avalia que a Globo fez cobertura desequilibrada desses dois episódios. Na época, Lula comentou com ministros que um governo não poderia ficar "na mão da Globo", enfrentando o poder de fogo de uma rede que domina o mercado.
Então, disse em reunião com seus principais auxiliares e o marqueteiro da campanha, João Santana, que tocaria adiante a criação da rede pública de TV, projeto que à época andava em banho-maria.
Procurada pela Folha, a Central Globo de Comunicação respondeu ontem: "As boas normas de jornalismo recomendam tanto a não-publicação de críticas em off [nas quais as fontes não se identificam] quanto o comentário sobre críticas em off". Durante a eleição de 2006, a Globo defendeu ter praticado uma cobertura apartidária e isenta. Diretores da TV rebateram críticas de suposta falta de equilíbrio apontadas pelo PT e integrantes do governo federal.
No caso do dossiegate, disseram que toda a imprensa deu o destaque jornalístico que mereciam as fotos do R$ 1,7 milhão usados por petistas para comprar o dossiê antitucanos.
Uma semana antes do primeiro turno da eleição, Lula faltou ao debate que a Globo organizou entre os principais presidenciáveis. Compareceram Geraldo Alckmin (PSDB), Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT).
Lula disse a auxiliares que se sentiu pressionado pela Globo a comparecer ao debate de um modo mais forte que o usual. Ele crê que a sua ausência levou a Globo a retaliá-lo com uma cobertura mais negativa do dossiegate.
Na visão de Lula, a repercussão do dossiegate que aparecia em toda a imprensa dera início a uma sangria de votos, mas a cobertura do "Jornal Nacional" na reta final do primeiro turno potencializou essa perda de cacife e levou a disputa para uma segunda fase contra Alckmin.
Quando convidou o jornalista Franklin Martins neste ano para ministro da Secretaria de Comunicação Social, Lula disse que desejava priorizar a criação de rede pública e tirou essas atribuições do ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral).
Franklin, ex-Globo, se disse entusiasmado, mas afirmou que a idéia morreria se fosse carimbada como "canal chapa-branca". Desde então, Lula e Franklin adotaram um discurso de que a rede teria independência em relação ao governo.

Equipe
No formato que constará da medida provisória, há um conselho curador que terá poder de derrubar a diretoria executiva ou um diretor específico por voto de desconfiança. Essa diretoria será indicada por Lula. Os conselheiros, também indicados pelo governo, terão mandato de quatro anos.
Para a rede, o Planalto procurou profissionais do mercado com boa relação não só com o governo, mas com partidos de oposição: Tereza Cruvinel (presidente) e Helena Chagas (direção de jornalismo).
Também pediu ajuda a um dos criadores do chamado "padrão Globo de qualidade", José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Foi ele quem levou a Lula números sobre custos de televisão. Explicou que uma operação anual como a da Globo somaria cerca de R$ 5 bilhões e avaliou que um patamar para a rede pública começar seria uma estrutura semelhante à da Rede Bandeirantes (R$ 350 milhões por ano). Essa é a quantia prevista no Orçamento de 2008 para a rede pública, que não prevê publicidade. Neste ano, a Radiobrás e a TVE, canais federais, têm orçamento de R$ 220 milhões.
O governo sabe que a rede dificilmente terá o peso que a BBC tem no Reino Unido, pois não competirá com a Globo e outros canais em termos de audiência. Mas avalia que, se o projeto der certo, poderá ser uma espécie de contraponto à grande mídia, no qual aparecerão com destaque temas que esses canais não abordariam.


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