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40 ANOS DO AI-5
Médici queria revogar AI-5, diz ex-presidente da Arena
General fez consultas, mas não encontrou nenhum apoio, diz Rondon Pacheco
Costa e Silva também queria extinguir ato outorgando uma nova Constituição em 1969, mas adoeceu e foi afastado da Presidência
Fernanda Odilla/Folha Imagem
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O ex-ministro e ex-governador Rondon Pacheco, em Uberlândia
FERNANDA ODILLA
ENVIADA ESPECIAL A UBERLÂNDIA (MG)
SOFIA FERNANDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM UBERLÂNDIA (MG)
O general Emílio Garrastazu
Médici assumiu a Presidência
do Brasil em outubro de 1969
disposto a revogar o AI-5, sigla
que entrou para a história como o ato institucional que escancarou a ditadura no país.
Médici desistiu da idéia e assumiu uma posição linha-dura
tão logo constatou, em consultas informais, que não teria o
apoio de importantes aliados.
A cúpula das Forças Armadas
achava cedo demais para extinguir o texto que abriu a possibilidade de fechar o Congresso,
permitiu intervenção do governo federal nos Estados, institucionalizou a censura e suspendeu o habeas corpus em casos
de crimes políticos.
A primeira versão do AI-5,
contudo, era muito mais radical. Extinguia o Legislativo em
todo país e fechava o Supremo
Tribunal Federal. Essa versão
foi rechaçada pelo então presidente Arthur da Costa e Silva
(1967-1969), que exigiu um texto que não fosse "dose para cavalo" e só aceitou assiná-lo porque temia ser deposto.
O autor dessas revelações,
até hoje compartilhadas em detalhes somente com poucos
confidentes, é Rondon Pacheco, ex-chefe da Casa Civil do governo Costa e Silva. Aos 89
anos, ele é a única testemunha
viva que participou de todo o
processo de confecção do AI-5,
no dia 13 de dezembro de 1968.
Com as credenciais de quem
redigiu o texto final do ato, ajudou a fazer uma Constituição
que facilitaria a revogação do
ato em 1969 -mas não foi outorgada porque Costa e Silva
adoeceu- e participou da escolha da segunda chapa presidencial depois do movimento de
1964, Pacheco revelou à Folha
bastidores daquele capítulo da
história da ditadura brasileira.
"O presidente Costa e Silva
me disse isso várias vezes em
seus despachos, que ele às vezes não dormia pensando nos
problemas do outro dia", recorda Rondon Pacheco, dizendo
que Costa e Silva assumiu o governo gerenciando problemas.
Havia, segundo Pacheco, uma
conspiração sendo tramada pelo ex-governador Carlos Lacerda no Hotel Glória (RJ).
"Não foi um governo tranqüilo, apesar de estar perfeitamente constitucionalizado",
diz. Mas afirma que a Constituição de 1967 assustou o autodenominado "governo revolucionário". Para o ex-chefe da
Casa Civil, foi a falta de habilidade política que transformou
dois curtos discursos do deputado Márcio Moreira Alves
-que criticou militares no plenário da Câmara- na maior
crise do governo. "Coisa do
Márcio, demagogo", avalia Pacheco. Ofendidos, os militares
exigiram a cassação do deputado. Pacheco conta que Costa e
Silva acordou uma solução intermediária para aprovar uma
licença para o deputado.
"Se tivesse havido a punição
conforme já estava combinado,
não teria havido nada [o AI-5]",
sustenta. Mas o ministro Gama
e Silva (Justiça) decidiu, à revelia, trocar os integrantes da comissão que analisava o caso para aprovar a cassação. O ministro só não foi demitido porque
era amigo do presidente, segundo Pacheco.
A cassação, contudo, foi rejeitada pelo plenário da Câmara por 216 votos a 141, conforme ata da sessão de 12 de dezembro de 1968. Diante da derrota no Congresso, as condições para um golpe dentro do
golpe estavam postas, na visão
do governo. O presidente tomou a decisão de "nada decidir" naquela noite de quinta-feira. Nem sequer recebeu
companheiros de farda, que já
tramavam uma proposta para
reforçar o poder das Forças.
Convocou reunião para as 11h.
Na manhã daquela sexta-feira 13, começava a fase mais dura da ditadura brasileira. "Tudo
foi decidido pela manhã. Quando foi para o Conselho [Nacional] de Segurança, o problema
já tinha sofrido um despacho
saneador do presidente", recorda o ex-ministro.
Foi convocado para a reunião um seleto grupo que ouviu
do presidente a intenção de fechar o Congresso e editar um
ato semelhante ao AI-1, que
permitiu a cassação e suspensão dos direitos políticos de
quem era contra o sistema.
"Gama e Silva estava muito
agitado. Isso eu notei. Ele chegou, sentou na cadeirinha do
ministro da Justiça e disse: "O
ato, presidente, está pronto".
Ele estava certo que ia fazer o
presidente engolir o ato", revela Pacheco. A primeira versão
do AI-5 proposta "era um ato
terrível", nas palavras de Pacheco. Demitia todos os ministros do Supremo, dissolvia o
Congresso e todas as Assembléias Legislativas. A intervenção federal seria no país inteiro, inclusive com a indicação de
todos os prefeitos.
Rondon Pacheco guarda na
memória detalhes daquela primeira reunião do dia no Palácio das Laranjeiras, mas revela
ojeriza à versão ultra-radical
do AI-5 lida por Gama e Silva.
Diz que não quer nem saber
que fim levou aqueles papéis.
Antes de vetada pelo presidente, a primeira versão dividiu os seis integrantes da reunião (veja quadro). A nova proposta foi apresentada no início
daquela tarde. Caberia a Rondon Pacheco elaborar o texto
final. "O Gama e Silva levou um
projeto e eu fui expurgando".
Enquanto fechavam o texto,
chegaram os membros do Conselho Nacional de Segurança
para a reunião das 17h, que sacramentou o AI-5. O vice-presidente Pedro Aleixo, segundo
Pacheco, trouxe uma proposta
para decretar o estado de sítio e
uma carta de renúncia, se Costa e Silva desistisse.
Costa e Silva permaneceu no
poder, mas elaborou um plano:
a outorga de uma nova Constituição permitiria acabar com o
AI-5 no dia 7 de setembro de
1969. Mas adoeceu e foi afastado do cargo dez dias antes de
executar o cronograma.
O presidente que sucedeu
Costa e Silva também pensou
em pôr fim ao ato, afirma Pacheco: "O Médici quis revogar o
ato e não teve apoio. O Exército
achava cedo". Escalado por
Médici para presidir a Arena e
depois governar Minas, Pacheco conta que o presidente recém-empossado fez consultas
sobre o assunto. "Médici achou
que talvez fosse melhor fazer o
teste: revogar o AI-5 para ver se
eles paravam com a agitação."
Mas o teste nunca foi feito.
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