São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2008

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"Fui coagido por Protógenes", diz Chicaroni

Condenado por tentar subornar policiais, empresário afirma que delegado direcionou seu testemunho para incriminar Dantas

Com estratégia de defesa de desqualificar Protógenes e De Sanctis, réu diz que juiz se recusou a ouvi-lo sobre coerção durante audiência


FLÁVIO FERREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Hugo Sérgio Chicaroni, 58 anos, condenado sob a acusação de ter sido emissário do banqueiro Daniel Dantas no oferecimento de suborno a policiais federais, disse que foi coagido pelo delegado Protógenes Queiroz nos 35 dias em que esteve preso na Polícia Federal em São Paulo. O administrador de empresas disse que tentou avisar o juiz Fausto De Sanctis sobre os constrangimentos em uma audiência, mas o magistrado teria se recusado a ouvi-lo.
Na primeira entrevista concedida por um dos réus do caso Dantas, Chicaroni falou à Folha acompanhado pelo advogado Luiz Carlos da Silva Neto, que demonstrou que a estratégia da defesa do administrador será de desqualificar a conduta de Protógenes e De Sanctis.
Chicaroni afirmou que o delegado esteve presente no primeiro depoimento que prestou na PF e direcionou o testemunho no sentido de incriminar o banqueiro. Em troca do depoimento contra Dantas, disse, Protógenes teria prometido o relaxamento de sua prisão.
Para pressioná-lo, Protógenes também teria alardeado na carceragem da PF que o administrador de empresas era um "colaborador da polícia", colocando a vida dele sob risco.
A Folha ligou para o advogado do delegado Protógenes Queiroz, mas as ligações caíram na caixa de mensagens. A assessoria de imprensa da Justiça Federal tentou localizar o juiz Fausto De Sanctis ontem, mas não obteve sucesso.

 

FOLHA - Como o sr. avalia a sua condenação a sete anos de prisão?
HUGO SÉRGIO CHICARONI
- Acho a sentença absurda. Ela me parece mais uma vingança do que uma sentença. Não sou a pessoa que eles estão pensando que eu sou e tampouco sei o que eles acham que sei. Não tenho e jamais tive envolvimento com o Grupo Opportunity. O sr. Daniel Dantas eu jamais tinha visto na vida, jamais tinha falado com ele. Quem eu realmente conhecia nesta história toda era o delegado Protógenes.

FOLHA - Por que o sr. colocou Protógenes em contato com os representantes do Opportunity?
CHICARONI
- Um cliente meu decidiu vender 50% de um frigorífico em uma reunião. Logo depois, eu encontrei o Wilson Mirza [advogado do Grupo Opportunity]. Ele disse que tinha ligado para o Protógenes para falar das investigações sobre o Dantas, noticiadas na imprensa, e não tinha sido atendido. O Mirza pediu que, se eu encontrasse o delegado, perguntasse se ele poderia recebê-lo. Pô, naquela hora, veio o negócio do frigorífico na minha cabeça.
Pensei: se eu conseguir colocar esse camarada [Mirza] com o Protógenes, nem que seja para dizer: "Boa noite, até logo", fiz a minha parte. Vai ser uma porta de entrada para eu oferecer o frigorífico [ao Opportunity].

FOLHA - A PF diz que o crime de corrupção teve início quando o sr. jantou com o Protógenes em 10 de junho. Como foi esse encontro?
CHICARONI
- Foi quando ele começou a armar essa história toda. Sempre que sobrava um tempo, combinávamos de conversar sobre assuntos corriqueiros. Naquela semana, eu liguei para ele e nos encontramos em uma pizzaria. Isso ocorreu 40 dias depois de eu ter conhecido o advogado do Opportunity. Perguntei ao Protógenes sobre o caso do Dantas, mas ele disse que estava fora dele. Depois, eu dei essa notícia para eles, e o assunto morreu.
Foi aí que eu conheci o Humberto Braz [executivo ligado ao Grupo Opportunity]. Falei com ele sobre negócios de clientes meus, um frigorífico e uma universidade.

FOLHA - O sr. é acusado de ter entregue R$ 50 mil aos delegados a mando do Opportunity. É verdade?
CHICARONI
- No dia 17 [de junho], fomos jantar, e o Protógenes me disse que almoçaria no dia seguinte com o delegado que estava no caso Dantas, e ele ia ver se esse delegado receberia alguém do Grupo Opportunity. Achei estranho. No dia 18, Protógenes me ligou e falou que estava almoçando com esse delegado [Victor Hugo Ferreira] e pediu que eu fosse lá. Ele disse que receberia o Braz e me disse que, por aquela conversa, o Victor Hugo deveria receber R$ 50 mil. Falei: "Algum dinheiro eu tenho em casa, mas é de um cliente meu, para o qual estou desenvolvendo um projeto de viabilidade econômica".
Aí o Protógenes disse: "Mas ele [Victor Hugo] está precisando do dinheiro, fica tranqüilo que eu garanto". Aí eles foram até minha casa e pegaram os R$ 50 mil. Não sabia que eles estavam armando tudo. O que me surpreendeu foi no dia 19 pela manhã, quando ele [Protógenes] me chamou no hotel Shelton e disse que receberia o Braz em um jantar e que o Victor Hugo iria pedir US$ 1 milhão para conversar com o Braz.

FOLHA- O sr. não via indícios de corrupção nessas situações?
CHICARONI
- Alguma coisa não estava bem colocada. Certa vez minha mulher me disse uma coisa interessante: "Nós seres humanos temos momentos de cegueira, de não saber exatamente onde estamos pisando". Sempre tive uma baita admiração profissional pelo Protógenes. É aquela situação de você confiar numa pessoa, praticamente não pensar naquilo e dizer: "Que fique com ele. Ele sabe o que está fazendo".

FOLHA - A PF achou R$ 865 mil em sua casa. Qual a origem do dinheiro?
CHICARONI
- Esse dinheiro foi mandado a mim pelo Braz, para que guardasse em São Paulo, mas eu não sabia para quê os recursos seriam usados.

FOLHA - Mas, em um depoimento à polícia, o sr. disse que o dinheiro era de Daniel Dantas?
CHICARONI
- O Protógenes foi me visitar duas vezes na custódia da PF. Ele me colocou numa situação muito difícil. Só não fui assassinado por muita sorte, porque, quando cheguei à Polícia Federal, ele dizia a todos: "Esse é o meu amigo que ajudou a polícia". Duas vezes ele desceu na custódia da PF dizendo: "Os bandidos estão na rua, e você, que ajudou a polícia, está preso, isso não se justifica". Lá na custódia tem um entra-e-sai de presos de tudo quanto é presídio. Isso vazou para os quatro quantos. Comecei a receber ameaças de morte.
Foi todo um plano de pressão montado ali e, nas vezes que Protógenes me visitou, ele queria que eu dissesse que o dinheiro encontrado em minha casa pertencia ao Daniel Dantas. Eu não poderia ser leviano, não sei de quem era o dinheiro.
No primeiro depoimento que eu prestei na Polícia Federal, sem advogado, estava o Protógenes ao meu lado, dando pitacos, o tempo todo. Me fizeram a promessa de que fazendo aquele depoimento a minha prisão seria relaxada. Eu estava desesperado para voltar para casa, porque eu sabia que aquela situação mataria minha mãe, de 86 anos. E estava preocupado com meu filho e minha própria vida. Ele não poderia estar naquela sala. Ali eu fiquei refém.
Em uma audiência enquanto eu estava preso, pedi ao juiz Fausto De Sanctis que me ouvisse, mas ele negou, disse que não era a hora apropriada de me ouvir. Eu precisava ir à Justiça. Era uma pressão velada, mas eu sabia que corria risco de morte. Ainda recebo ameaças.

FOLHA - O sr. fez contatos com o Sérgio Cirillo [sob o qual recai a suspeita de ter sido "espião" do Opportunity no Supremo Tribunal Federal]. Por que o sr. ligou para ele?
CHICARONI
- O Cirillo é quem estava cuidando do Instituto Sagres, uma ONG que promove estudos e cursos na área de desenvolvimento de negócios. Liguei para ele para pedir cartões de visita, pois eu vendia os cursos do instituto.


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