São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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PARTIDO AO MEIO

Ala petista que discorda da política econômica do governo busca apoio de Dirceu com vistas à disputa municipal

Eleição estressa a relação entre Lula e PT

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As recentes disputas no governo que geraram "fogo amigo" contra a política econômica do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) são a ponta de um iceberg.
Reunidos em torno do ministro José Dirceu (Casa Civil) e temerosos do efeito da política econômica nas eleições de outubro, setores moderados do PT, partido que completa 24 anos, tentam reduzir o que chamam de poder "quase imperial" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesse contexto, a queda-de-braço mais importante do começo do segundo ano do governo Lula não é entre Dirceu e Palocci. É entre um PT que não se reconhece no governo e um presidente disposto a bancar políticas, sobretudo a econômica, que o partido combateu ferozmente antes de chegar ao poder.
Dirceu catalisa o sentimento dos setores do PT que buscam influenciar Lula de forma a colocá-lo nos trilhos do tradicional modo petista de governar. Esses grupos toleraram o rigor fiscal e monetário no primeiro ano por julgá-lo passageiro. Agora, aliaram-se às alas radicais ao constatar que ele tende a ser permanente. É por isso que a política econômica apanha tanto dentro do governo.
Prefeitos, governadores, parlamentares, candidatos a prefeitos e intelectuais petistas desiludidos buscam naturalmente o ministro da Casa Civil na hora de desafogar as mágoas. Dirceu foi o presidente do PT que, em aliança com Lula, consolidou a hegemonia das tendências moderadas no partido e isolou as radicais. Mas também sempre foi uma espécie de contrapeso a Lula.
A relação Lula-Dirceu é fria, política, racional -bem diferente da que o presidente, que diz acreditar mais no coração que na razão, tem com Palocci e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo).
As principais críticas são três:
1) Ao contrário do que se imaginava, Lula contrariou as previsões de que o "assembleísmo" marcaria seu processo de tomadas de decisões. Ouve um grupo muito próximo de petistas, no qual Dirceu se inclui, mas decide de forma centralizadora.
2) A avaliação de que a política econômica é conservadora demais, com um rigor fiscal e monetário que não dá satisfação ao PT nem aos seus quadros históricos. Na economia, Palocci dá as cartas e ponto, dizem os críticos.
Daí a política econômica em geral e dois auxiliares do ministro da Fazenda em particular serem tão atacados. Caciques do PT na Câmara próximos a Dirceu deixaram digitais na articulação para minar Joaquim Levy, secretário do Tesouro, e Marcos Lisboa, secretário de Política Econômica. Lula acha os dois conservadores, mas respeita a decisão de Palocci de bancá-los. Eles estão fora da lista de fritura presidencial.
3) A nove meses das eleições municipais, temem que o alto desemprego afete o desempenho do partido e que o prometido crescimento econômico não seja suficiente para vitaminar candidaturas, especialmente nas capitais e nas grandes cidades.

"Primeiro-ministro"
Esses são os motivos que levam os moderados do PT a trabalhar pelo aumento da influência de Dirceu nas diretrizes de governo e pelo declínio de Palocci. Até onde a vista alcança nos bastidores, não há sinal de que Lula aceite passivamente essa articulação. O presidente quer, sim, maior espaço na política econômica para a promoção do crescimento, mas tem se mostrado cauteloso e conservador para não jogar por terra todo o esforço que fez até agora. E crê que Palocci assumiu um papel de avalista perante o mercado fundamental para o governo.
A ordem de Lula para que Dirceu se dedique mais ao gerenciamento do governo tem a ver com esse desejo de fazer acontecer na economia, mas está longe de ser carta branca ou delegação para atuar como "primeiro-ministro".
Por estilo e cálculo político, Dirceu sempre dá corda aos setores do partido que o enxergam como o mais petista do governo. Na semana da transmissão de cargo aos novos ministros, foi a uma posse carregada de símbolos. Ricardo Zarattini Filho, antigo militante dos grupos de esquerda que combateram o regime militar de 1964, assumiu o mandato de deputado federal.
Dificilmente Lula cederá tanto quanto pedem Dirceu e esses setores do PT. O presidente se recorda bem dos moderados do partido que acharam que ele nunca chegaria à Presidência e que discutiram ardorosamente uma alternativa à sua candidatura nas eleições de 1998 e 2002.
No longo prazo, o presidente, com estilo centralizador e uma comunicação direta de metáforas simples para atingir a população mais pobre e despolitizada, avalia que deve fazer um governo com "cara mais ampla" do que a do Partido dos Trabalhadores, no que pese PT e Lula serem marcas que se confundem.
No curto prazo, Lula acredita que a partir de maio a economia real (emprego e renda dos trabalhadores, por exemplo) dará fortes sinais recuperação e criará clima que favorecerá políticos petistas e aliados em 3 de outubro. Até maio, o governo espera lidar com notícias ruins na economia. É isso o que Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, prometeram ao presidente.


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