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DISCURSO VIRTUAL
Brasileiros são pioneiros em diários pessoais on-line e estão entre os melhores do mundo, segundo votação de usuários divulgada pela "Deutsche Welle"
Blogs políticos conquistam cada vez mais adeptos e leitores
NELSON DE SÁ
Colunista da Folha
Começa quase sempre como
um site, um lugar para armazenar
artigos, ensaios, para memória.
Mas aí o autor "posta" um breve
comentário -e passa a gostar.
Relata o professor da FGV-SP e
ex-ministro de FHC Luiz Carlos
Bresser-Pereira:
"Eu vi que podia fazer com facilidade algumas observações. Opinar sobre alguns assuntos de que
não estou disposto a tratar longamente. E achei divertido."
Assim nasce o blog. No caso do
senador e ex-ministro de Lula
Cristovam Buarque, não foi diferente. Passados três meses, ele diz
que alguns comentários seus "não
têm repercussão nenhuma", mas
outros têm "muita":
"Por exemplo, quando morreu
aqui [em Brasília] um menino por
causa dessas injeções de anabolizantes, eu fiz uma mensagem provocando a juventude. Por que esse deslumbramento com o corpo
chega ao ponto do suicídio?"
O problema é que a "experiência muito gratificante" do blog,
para Buarque, também "consome
muito tempo". Para Bresser-Pereira, nem tanto. "Eu faço isso
muito rapidamente", diz.
Os dois ex-ministros estão longe de ser as estrelas do fenômeno
dos blogs no Brasil.
O país foi surpreendido, no final
do ano passado, com o anúncio
da "Deutsche Welle" -a "BBC"
alemã- de que três blogueiros
brasileiros estavam entre os melhores do mundo, segundo votação de usuários.
Um deles foi o próprio "melhor
weblog" de todos, "Por um Punhado de Pixels", de Nemo Nox.
Ainda que a premiação da DW, a
exemplo do que ocorreu com o
"Orkut", tenha sofrido uma invasão brasileira, que chegou a um
terço da votação, o prêmio foi um
marco.
Para Nox, pseudônimo de um
publicitário de Santos que hoje vive em Washington (EUA) e insiste em não divulgar o nome, "foi
uma surpresa", porque a concorrência era de "blogs famosos".
Entre os dez finalistas, apontados
por júri da DW, estavam celebridades blogueiras como os americanos Boing Boing e Wonkette.
Para alguns blogueiros locais,
como o colunista da "Revista da
Folha" Pedro Dória, do "Nomínimo Weblog", do Rio, "o Brasil é
um dos poucos países no mundo
em que os blogs fazem parte da vida na internet", citando ainda
EUA, Grã-Bretanha, Irã.
Já Nox lembra que na premiação da DW tinha de tudo, blog
chinês, russo, árabe. E no Brasil,
sublinha ele:
"Quantidade existe, sem dúvida. Qualidade, creio que seja como em outros países: só uma pequena percentagem se destaca."
O blog de Dória está nessa minoria, citado pelo próprio Nox e
por outros. Começou como uma
coluna sobre web no site "No.",
depois "Nomínimo". Há dois
anos e meio virou blog de vez.
"Eu achava que tinha pego a
manha da mídia, mas a coisa dos
comentários em blog foi absolutamente desbundante. Eu descobri a internet de novo", diz Dória.
Dória concorda com Nox que
"o Brasil não conseguiu produzir
bons blogs em quantidade, sobretudo do ponto de vista informativo. Mas alguns apareceram."
O "Blog do Colunista", do jornalista Ricardo Noblat, foi outro
vencedor dos BOBs, a premiação
da DW, na categoria "melhor blog
jornalístico em português". (O
terceiro vitorioso do Brasil, na categoria "melhor temática", foi o
Estraga Filmes).
O brasiliense "Blog do Colunista" completa um ano no mês que
vem e Noblat, ex-"Veja" e "Correio Braziliense", quer mais do
que prêmio:
"Eu vou fazer um ano de trabalho de graça, para o chamado povo brasileiro. Dinheiro que é bom,
nada. Por enquanto, as contas são
pagas por dona Rebeca, minha
mulher."
Ele diz que começou "acidentalmente", que imaginava um blog
como "diário de adolescente".
Mas abriu o seu, servindo-se de
um portal que só foi perceber sua
presença pela repercussão em
Brasília. Agora Noblat quer negociar com o portal e, acima de tudo,
quer publicidade.
Encomendou um perfil dos internautas ao marqueteiro Antonio Lavareda e fechou contrato
com uma empresa para reformular o blog e buscar anunciantes.
Nos EUA, onde os blogs políticos fizeram história na eleição
presidencial, vários abriram espaço para publicidade e, no final da
campanha, segundo o jornal "The
New York Times", chegaram a faturar US$ 10 mil por mês.
Outro blogueiro atento à política, o paulistano Marcelo Tas, do
"Blog do Tas", vem dividindo
com Noblat algumas das experiências formais no gênero.
Ambos, durante a campanha
municipal, fizeram "live blogging": blogaram ao vivo seus comentários sobre os debates em
São Paulo. Nos EUA, a crítica ao
vivo dos debates presidenciais foi
uma das ações de repercussão dos
blogueiros.
Para Tas, seu blog, com cerca de
um ano de prioridade à interação,
"comprovou aquilo que já tinha
experimentado" antes, no rádio e
na televisão:
"A molecada quer falar de política, quer falar do que está rolando no mundo."
Engajados
Nascida na Seattle dos protestos
contra a globalização, a rede Indymedia -de sites de mídia independente- tem hoje um dos
blogs brasileiros com maior presença de jovens engajados.
Boa parte, alegando segurança,
escreve sob pseudônimos nada
militantes, como João do Pé de
Feijão. Um dos raros que assina o
próprio nome -e dos mais assíduos no blog do "Centro de Mídia
Independente"- é o veterinário
Raymundo Araújo Filho, especializado em agricultura familiar.
Ele sublinha que não fala em nome do Indymedia, que é "um mero usuário" e elogia a coluna blogueira do site, "absolutamente democrática, porque todo mundo
pode escrever o que quiser".
Os debates opõem "autonomistas" como Araújo a petistas, anarquistas, trotsquistas, ambientalistas e até alguns provocadores que
são tratados por "olavetes", por
serem supostos seguidores do ensaísta conservador Olavo de Carvalho -cujo site, "Mídia Sem
Máscara", não tem mecanismo
blogueiro.
Outras tribos têm outros blogs.
Aberto em meados de 2003, como
site para artigos e ensaios de um
grupo de "tucanos, prototucanos
e viúvas de FHC", na descrição
bem-humorada de seu protagonista, o ex-secretário da Presidência Eduardo Graeff, o "E-agora"
mudou na virada do ano para sublinhar mais sua face blogueira.
Diz Graeff: "Ele foi ficando com
cara de blog. A gente foi vendo
que, se queria que ficasse vivo, tinha que escrever mais e não podia
escrever como faz artigo. É o espírito de um diário mesmo. Uma
coisa mais informal, sem terno e
gravata. Você deixa lá e os outros
lêem se quiserem."
O "E-agora", agora um legítimo
blog, tem até colaborador que escreve sob pseudônimo, Antonio
Fernandes. Graeff garante que o
"clandestino" não foi nem presidente da República nem ministro.
A editora do dicionário Webster, americano, anunciou há pouco que blog foi a "palavra do ano",
com base nas consultas on-line.
Ela significa, diz o Webster, "site
que contém um diário pessoal on
line com reflexões, comentários e
em geral links feitos pelo autor".
No Brasil, o dicionário Houaiss
ainda não acordou para a palavra,
mas a disputa pelo pioneirismo
blogueiro já começou. Na frente,
descrito como "pioneiro" e "figura legendária e quase inatingível"
pela DW, está Nemo Nox, que
criou seu primeiro blog, "Diário
da Megalópole", em março de 98.
Um mês antes, Viviane Menezes lançou o "White Noise", um
blog em inglês. Diz Nox:
"Ela foi possivelmente a primeira brasileira a fazer um weblog, e
eu possivelmente o primeiro brasileiro a fazer um em português."
Mas antes deles outros dois blogueiros estavam no ar, os jornalistas Júlio Hungria e Elisa Araújo,
do Blue Bus. Diz Hungria:
"Em 97, o formato era exatamente o que é um blog hoje. Era
uma página só, com notas até lá
embaixo, espaço para comentários diretos."
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