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Parceria estratégica tem custo político, diz embaixador francês
Para Saint-Geours, compra de caças não tem peso só comercial; faz parte da escolha do Brasil como parceiro na América Latina
Diplomata afirma que é necessário trabalhar com o Brasil diante do "inegável peso" do país, mas repartir tecnologia é "algo delicado"
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Na primeira entrevista à imprensa brasileira sobre caças
desde que se instalou em Brasília, há três meses, o embaixador
da França, Yves Saint-Geours,
disse à Folha que cabe ao governo do presidente Lula escolher quando anunciar sua decisão sobre a compra de aviões e
negou que haja apenas interesses comerciais por trás da parceria estratégica bilateral firmada em 2008.
Historiador de formação,
Saint-Geours, 57, assumiu o
cargo depois de pilotar pelo lado francês os eventos do Ano
da França no Brasil, em 2009.
Na conversa com a reportagem, o embaixador disse que a
parceria com o Brasil exige sacrifícios por parte da França e
admitiu ter dificuldade para
entender as "sutilezas" da política interna brasileira.
FOLHA - Como o sr. reagiu à informação revelada pela Folha de que a
compra de caças Rafale pelo Brasil já
foi fechada?
YVES SAINT-GEOURS
- Do nosso
ponto de vista, nada mudou. As
coisas seguem num processo
decisório no qual temos plena
confiança. O dossiê está nas
mãos do governo brasileiro,
que se pronunciará quando julgar apropriado. Acredito e espero que seja em breve.
FOLHA - Qual foi o motivo de sua
recente viagem à França [o embaixador voltou ao Brasil na quarta]?
SAINT-GEOURS
- Fui participar
de uma reunião de grandes empresários na segunda-feira passada. Nossa ministra da Economia, Christine Lagarde, teve
encontro com o ministro Miguel Jorge [do Desenvolvimento e Comércio Exterior]. Também falou-se sobre maneiras
de trabalhar juntos pela reconstrução do Haiti. A essência
da parceria estratégica é, para
além do diálogo político, fazermos coisas concretas.
FOLHA - O sr. tratou dos caças
quando esteve em Paris?
SAINT-GEOURS
- Isso não estava
na pauta e não tive nenhuma
reunião sobre esse assunto.
Mas confiamos em que nosso
avião é o que responde melhor
às expectativas do Brasil e o
mais apropriado para reforçar a
soberania brasileira, graças à
transferência de tecnologia.
FOLHA - Como o sr. reagiu ao relatório de avaliação técnica da FAB
que colocou o Rafale na última colocação entre os concorrentes?
SAINT-GEOURS
- Perguntei-me
de onde vinha essa informação,
se ela era exata e qual era a conclusão mais apropriada que eu
deveria tirar. Foi a imprensa
que fez essas afirmações, ninguém mais. É claro que o assunto foi muito comentado do lado
francês, mas nem por isso peguei minha bengala e meu chapéu para ir cobrar explicações
do governo brasileiro.
FOLHA - Muita gente diz que a parceria estratégica não passa de um
artifício retórico para amparar a
venda de submarinos, helicópteros
e caças franceses ao Brasil.
SAINT-GEOURS
- Seria hipócrita
minimizar os grandes contratos. Não vou fingir que os franceses não estão interessados
em fechar negócios. Mas esses
contratos permitem ao Brasil
adquirir ferramentas que reforçam sua soberania. E não se
trata somente de vendas.
Vamos criar o centro franco-brasileiro de biodiversidade.
Estamos pesquisando juntos o
bioma amazônico. Construímos uma relação transfronteiriça Brasil-Guiana. Defendemos uma concepção conjunta
da diversidade cultural, algo
crucial num mundo em que
muitos confrontos brotam dos
problemas ligados à identidade
cultural. Os críticos dizem que
nessa parceria um ganha enquanto o outro desembolsa. Isso não é verdade. Nossa parceria é recíproca, equilibrada e
global. Os dois lados ganham.
Além disso, essa parceria tem
um custo para a França.
FOLHA - Que custo?
SAINT-GEOURS
- Seria muito
mais fácil para nós se disséssemos que apoiamos o ingresso
de um país latino-americano
como membro permanente no
Conselho de Segurança da
ONU sem dizer quem é nosso
candidato. Assim continuaríamos numa boa com México, Argentina etc. Mas fizemos uma
escolha aberta em favor do Brasil. Isso tem um custo político.
Além disso, compartilhar
uma tecnologia de ponta, como
fizemos no contrato dos submarinos e pretendemos fazer
no dos Rafale, é algo delicado. A
tecnologia é hoje o elemento
comparativo mais importante
[nas questões militares]. Quem
tem a dianteira tecnológica é livre para decidir se quer compartilhar esse poderio ou não.
FOLHA - Críticos também dizem
que a França nunca reavaliaria sua
posição na União Europeia, na Otan
ou sua relação com os EUA em nome
da parceria com o Brasil.
SAINT-GEOURS
- O mundo não é
rígido. Há uma nova realidade
que precisa ser levada em conta. A França, na sua condição de
membro permanente do CS, de
potência nuclear, de país que
sempre estimou ter sua parte
na governança do mundo, considera que as fronteiras se deslocaram e que é preciso ter uma
atitude dinâmica em relação a
isso, em vez de se ater a posições conservadoras. É uma necessidade trabalhar com o Brasil diante do inegável peso que
o país tem. Mas isso é fácil de
acontecer, pois temos muitas
afinidades naturais (risos).
FOLHA - O sr. teme que a parceria,
nascida na era Lula, fique fragilizada
em caso de vitória da oposição na
eleição presidencial deste ano?
SAINT-GEOURS
- Não quero me
imiscuir na campanha brasileira, mas as coisas feitas no governo Lula têm vocação para
durar. Não tenho dúvidas de
que a parceria continuará.
FOLHA - Como o sr. vê a vida política doméstica brasileira?
SAINT-GEOURS
- O que me choca
é a complexidade do tabuleiro
político. Há toda a fluidez dos
partidos, o jogo sutil de siglas e
indivíduos, as lógicas federal e
estadual. É surpreendente ver
como esse jogo se reinventa a
cada dia. Estou aqui há três meses e confesso que ainda não
comecei a escrever [relatórios]
sobre a política brasileira porque ainda não tenho as ferramentas para entender esse
quebra-cabeça.
Tenho lido muita coisa a respeito da necessária reforma política, e confesso que acompanharei com especial atenção e
interesse as propostas dos candidatos sobre esse tema.
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