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ENTREVISTA
FERNANDO HADDAD
Ministro admite trauma com Enem e descarta candidatura
Titular da Educação defende que Mercadante seja o nome do PT para o governo de SP
ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Após o "trauma bastante violento" devido
ao vazamento do Enem (Exame Nacional
do Ensino Médio) em 2009 -do qual o Ministério da Educação ainda se recupera-,
o ministro Fernando Haddad admitiu erros no processo de licitação, mas defendeu o novo formato da
prova. Passado o período crítico, ele falou à Folha
também sobre seu futuro político, negando a possibilidade de disputar o governo de São Paulo.
Para ele, o PT paulista errou, nas sete últimas eleições estaduais, ao ter tido sete candidatos diferentes, o que dificultou a consolidação de uma liderança. Além disso, diz, a possibilidade de o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) ser o candidato petista em São Paulo seria fruto mais da conjuntura nacional -para consolidar Dilma Rousseff- do que da local. O ministro, que também é
professor de ciência política da
USP, afirmou que, do ponto de
vista da opinião pública, não há
mais partido que tenha imagem associada à ética. O problema, diz, só será resolvido
com uma reforma política.
A respeito do desgaste de sua
imagem no ministério, Haddad
disse que não se preocupava
com isso, mas acha que não é
tão grande, pois, segundo a
mais recente pesquisa do Datafolha, a educação foi a área
mais bem avaliada do governo.
Ainda sobre o Enem, afirmou que foi pego de surpresa
com a vitória de um consórcio
menos experiente para a distribuição das provas e reiterou
que, para este ano, está discutindo com os órgãos de controle a ausência de licitação em favor do consórcio Cespe/Unb e
da Cesgranrio e a realização de
duas edições do exame.
FOLHA - A imagem que muitos ficaram do Enem foi de um processo
caótico. Alunos foram alocados em
locais distantes de casa e a prova vazou, entre outros problemas. Qual é
a sua leitura do episódio?
FERNANDO HADDAD - Superamos
a forma de seleção nos países
desenvolvidos. Em países como os Estados Unidos, o estudante pleiteia a vaga na universidade conhecendo o seu desempenho por exames nacionais. Com o Enem, ele escolhe
sabendo não só o seu desempenho, mas também o de seus
concorrentes.
Tanto a forma da nova prova
como o aplicativo de distribuição das vagas compensam as
dificuldades decorrentes do
furto da prova, que foi um trauma bastante violento para o
Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas], do qual ele
está se recuperando só agora.
FOLHA - A imagem do sr. como
gestor não foi abalada?
HADDAD - Não cabe a mim nem
me preocupar com isso. Enfrentamos um debate duro
com o sistema S, lançamos indicadores de qualidade por escola, enfrentamos um debate
com a área econômica para
acabar com a DRU para a educação [Desvinculação de Receitas da União, que retirava recursos da educação para o governo gastar em outras áreas].
Tudo isso podia ter arranhado a imagem de quem quer que
seja. Mas só me pautei pelo que
deve ser feito e muitas vezes
enfrentei problemas que exigem uma certa ousadia, que
não era bem o perfil dos dirigentes do MEC.
FOLHA - Que autocrítica faz?
HADDAD
- Muitas vezes, tem-se
um temor reverencial em relação aos órgãos de controle. Se
tivéssemos enfrentado o debate junto a eles demonstrando
que um exame dessa natureza
não pode correr o risco de uma
licitação por menor preço, teríamos sensibilizado. Mas se
contou com a tradição: sempre
se fez licitação e sempre Cespe
e Cesgranrio ganharam porque
não há outras instituições capazes de realizar o exame.
Quando viu a surpresa, o
Inep não estava preparado para
o embate jurídico do surgimento de um "player" [o consórcio
Connasel] que cumpria os requisitos do edital, mas estava
evidentemente despreparado
para a sua realização.
FOLHA - Mas já durante a licitação
surgiram críticas de que a mudança
do Enem estava sendo feita de forma muito rápida.
HADDAD
- Foi o quinto Enem
com mais de 3 milhões de inscritos e, na minha opinião, não
teria ocorrido nenhum problema significativo se Cespe e Cesgranrio tivessem feito.
FOLHA - Mas alguns problemas
não tiveram relação direta com o
furto da prova. Os gabaritos foram
divulgados com erro, e o Sisu (sistema que seleciona alunos do Enem
para universidades federais) ficou
horas fora do ar, por exemplo.
HADDAD
- No caso do Sisu, um
milhão de pessoas navegaram
pelo sistema durante os seis
dias que ele operou. Houve
uma questão técnica no primeiro dia que foi superada. É
que, depois do furto, tudo ganha relevo muito maior. Mas
sempre há ocorrências.
FOLHA - O Inep não falhou no
acompanhamento do contrato? A
auditoria interna aponta que os problemas de segurança foram comunicados verbalmente ao consórcio.
HADDAD
- Do meu ponto de vista, o maior responsável é o consórcio, que assinou um contrato se responsabilizando pela segurança da prova. Possivelmente houve erros da gráfica e
pode ter havido problemas de
acompanhamento da impressão. O fato é que o furto foi filmado e não havia ninguém
atrás do monitor para impedir.
FOLHA - O que vai mudar no Enem?
HADDAD
- Estou na dependência das negociações que estão
sendo feitas entre o Inep e os
órgãos de controle. Não podemos tomar essa decisão sem ter
a segurança de que não haverá
objeção ao contrato com o Cespe. Esse é o entendimento que
está sendo construído, com
boas chances de uma solução
definitiva para o modelo de
contratação dos exames que
certificam e selecionam.
FOLHA - O sr. sai do MEC em abril
para ser candidato?
HADDAD
- O presidente Lula, já
reeleito, em novembro de 2006
me disse três coisas: você permanece ministro, eu quero em
60 dias um plano de educação
na minha mesa com o compromisso de que você permaneça
até o final do segundo mandato.
De lá para cá, não conversamos
mais sobre esse assunto.
FOLHA - A longo prazo, o sr. não
pensa em cargo no Legislativo ou no
Executivo?
HADDAD
- Realmente não. Estou sendo muito sincero.
FOLHA - Onde estará em 1º de janeiro de 2011?
HADDAD
- Provavelmente em
São Paulo, me apresentando no
departamento de Ciência Política da USP.
FOLHA - Um dos nomes mais prováveis do PT para a disputa do governo de São Paulo, o senador Aloizio Mercadante tem contra si ainda
a lembrança dos "aloprados", em
2006, quando um coordenador da
campanha dele foi flagrado negociando um dossiê contra tucanos. O
sr. não considera um risco trazer este tema de novo para a campanha?
HADDAD
- Eu não tenho esse
diagnóstico. O senador Aloizio
Mercadante, mesmo após
aquele episódio que confundiu
a opinião pública, teve um percentual considerável de votos,
o que o credencia tanto à reeleição no Senado quanto à disputa
para o governo do Estado [Mercadante teve 31,7% dos votos
no primeiro turno, contra
57,9% de José Serra].
FOLHA - Ele é o seu candidato?
HADDAD
- Quando fui consultado, eu disse duas coisas. A primeira, que considerava um
equívoco o PT, em sete eleições, ter lançado sete nomes diferentes. Foi um argumento
que o próprio presidente sublinhou. E, em segundo, [seria um
equívoco] não considerar a hipótese de neste momento repetir o nome do senador, que teve
um desempenho interessante
na última eleição.
FOLHA - O sr. participaria de um
eventual governo da Dilma?
HADDAD
- Considero problemática qualquer manifestação
nesse sentido porque a pessoa
que assume a Presidência tem
de ter total liberdade para
montar sua equipe. Quando você assume que participaria, cria
um constrangimento desnecessário e indevido. Considero
que aqueles que participaram
do governo Lula devem planejar suas vidas fora do governo.
FOLHA - Já está claro que o sr. apoia
Mercadante. Quais são os prós e
contras de outros nomes, como a
ex-prefeita Marta Suplicy?
HADDAD
- Eu entendo que os
dois são os nomes mais viáveis
do partido, com vantagem para
o primeiro em função de ter
disputado recentemente o governo do Estado, mas sem desapreço a outras postulações.
FOLHA - E Ciro Gomes? O fato de
ele ser cogitado para candidato em
São Paulo não revela a fragilidade
do PT justamente no seu berço?
HADDAD
- O Ciro é um grande
quadro, o PSB é um partido cada vez mais próximo do PT, de
maneira que em vários Estados
o PT vai apoiar o PSB. Isso diz
respeito muito mais ao cenário
nacional que ao regional.
FOLHA - Dilma não está no PT desde a fundação e, em São Paulo, cogita-se Ciro. O partido perdeu a força?
HADDAD
- A filiação da Dilma
ao PT não é recente, e ela é
egressa de um partido com laços históricos com o PT. Em segundo lugar, é preciso notar o
desempenho da ministra Dilma durante o governo. Ela desatou nós muito interessantes
no Ministério de Minas e Energia e na Casa Civil. E, por trás
das medidas aparentemente
administrativas que ela tomou,
há uma visão de política pública do papel do Estado e do governo.
FOLHA - Mas o PT participou pouco
da escolha dela como candidata.
HADDAD
- É evidente que um
dirigente como o presidente
Lula, que concorreu a cinco
eleições presidenciais e tem
83% de aprovação, terá um papel determinante na condução
da sua sucessão.
FOLHA - Alguns cientistas políticos
fazem a análise de que Lula ficou
muito forte e o PT se enfraqueceu,
perdendo quadros e sua imagem associada à ética. O que o sr. acha?
HADDAD
- Talvez a questão que
deveria ser respondida é como
o Lula, em 2002, eleito por forças mais progressistas, fez um
governo mais conservador do
que em seu segundo mandato,
em que ele foi eleito por uma
coalizão mais conservadora. O
segundo mandato avançou
muito mais do ponto de vista de
democratização do que o primeiro, do ponto de vista de direitos sociais.
FOLHA - E em relação à ética?
HADDAD
- Ninguém está se
saindo bem nesse quesito do
ponto de vista de opinião pública, nem PT, nem PSDB, nem
DEM. Não se trata de um pré-julgamento jurídico, mas de
uma observação de caráter político. Ninguém se sai bem perante o eleitorado nessa questão, o que é muito ruim para a
democracia porque o adiamento da reforma política já não se
justifica em virtude do constrangimento que os próprios
partidos estão passando perante a opinião pública.
FOLHA - Por que o primeiro mandato foi mais conservador do que o segundo?
HADDAD
- Sobretudo a partir de
2005, o presidente se apropriou da máquina de maneira
decisiva, a ponto de chamar a
execução orçamentária para
sua mesa. A partir de 2005, há
uma mudança de comportamento e um arejamento para
que novas ideias possam ser
concebidas. O PDE (Plano de
Desenvolvimento da Educação,
lançado em 2007) e o PAC não
seriam possíveis em 2003.
FOLHA - Por quê?
HADDAD
- Não havia clima para
grandes voos. Era um clima de
constrangimento, de que qualquer alteração de rota poderia
comprometer a estabilidade
econômica e a sustentabilidade
política. Aí essas hipóteses foram sendo testadas pelo presidente ao longo do tempo. E se
verificou que na política tem
muito tigre de papel.
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