São Paulo, sábado, 08 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

A quebra do clima*


A ação contra parte da Lei de Biossegurança entrou no STF em maio de 2005; tempo não faltou para definir os votos


COM O "pedido de vista" para interromper o exame de validade da Lei de Biossegurança, na parte que admite pesquisa e tratamentos com células de embriões inviáveis, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito esvaziou o clima, criado em torno do Supremo Tribunal Federal, a favor da lei aprovada há três anos pelo Congresso. O motivo citado para a sua atitude foi outro, com a forma de um procedimento convencional nos tribunais, mas a substância foi política. Recurso equivalente a um uso comum na Câmara e no Senado, para sustar tendências contrárias, e, ao que se pode deduzir, afeito ao estilo de Carlos Alberto Menezes Direito.
O hoje ministro do STF -o mais recente dos sete nomeados por Lula- deixou, bastante difundida nos círculos jurídicos, políticos e religiosos do Rio, a imagem de pessoa com muita habilidade política para os seus convívios e para a orientação de sua carreira. Uma vocação política, pois, da qual um ou outro político relevante do Estado chegou a valer-se, para aconselhamento e intermediação. Mas de trânsito sempre guardado em discrição, sendo o televisado STF o primeiro palco em que se expõe mais, sem faltarem sinais de algum constrangimento por isso.
Além do modo político de ver e de ser, Carlos Alberto Menezes Direito se fez identificado como integrante de relevo da corrente mais afinada, no catolicismo militante, com o conservadorismo vaticano. Duas condições, portanto, a de personalidade e a religiosa-filosófica, condizentes com a atitude de interromper um julgamento sob expectativas, inclusive no próprio tribunal, desfavoráveis ao conservadorismo contrário à pesquisa e tratamentos com as células de que a medicina espera uma revolução.
Mas o ministro Carlos Alberto Menezes Direito referiu-se, no "pedido de vista", ao caráter "polêmico" do assunto julgado e, por isso, à necessidade "de tempo" para a "reflexão" da "Corte". Transferiu o interesse do pedido de si para o conjunto do tribunal, que não se manifestara em tal sentido e até testemunhara, da presidente Ellen Gracie Northfleet e do ministro Celso de Mello, desejo em sentido oposto. O pedido e sua forma confirmavam a imagem deixada pelo autor no Rio.
Admitamos, ainda que para nada, a necessidade de tempo do STF para seus ministros refletirem sobre os respectivos votos. Como lembrou a presidente do tribunal (é irresistível registrar: em mais uma condução magistral), a ação contra parte da Lei de Biossegurança entrou no STF em 30 de maio de 2005, quase imediatamente em seguida à aprovação da lei. Há dois anos e nove meses, portanto, durante os quais houve audiências públicas e privadas de cientistas e de seus oponentes, novos livros, muitos artigos de especialistas em matérias envolvidas. Tempo não faltou ao STF para a definição dos votos.
O ministro Carlos Alberto Menezes Direito, porém, não dispôs do mesmo tempo. Sua posse no STF foi em 5 de setembro de 2007. Daquele dia 5 ao 5 de março anteontem, decorreram exatamente seis meses. Meio ano preciso. Ou 182 dias sucessivos. Não se pode imaginar alguém duvidoso da capacidade do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, ou de qualquer outro do STF, de naquele período decidir o seu voto -se sobre ele tivesse dúvida, o que é incerto.
Diante disso, é até ocioso lembrar que, se meio ano não bastasse, não seriam os 30 dias legais "de vista" que ainda faltariam para uma decisão, mesmo se acrescidos das duas prorrogações também legais. O que se pode pensar também da hipótese de mais tempo, tão pouco, para os contrários à pesquisa reverterem posições de adversas à sua. Mas o adiamento quebrou o clima pró-pesquisas e tornou possível que o julgamento se precipite sem tempo para mobilizações em defesa do esperado por cientistas e por portadores de males insanáveis.


* Este artigo deixou de ser publicado na edição de ontem por erro da Redação


Texto Anterior: Ranking da presença feminina no Parlamento
Próximo Texto: Via Campesina depreda Monsanto em SP
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.