São Paulo, domingo, 8 de março de 1998

Texto Anterior | Índice

ELIO GASPARI
As coisas mudam e não melhoram

Novo sócio
Em maio, a Companhia Vale do Rio Doce ganhará um novo sócio, o Bradesco. Numa operação à antiga, na qual seu presidente, Lázaro Brandão, empenhou apenas a palavra e um fio de barba, o Bradesco respalda a maior parte da posição do Banco Opportunity na Vale.
O Bradesco entrou no fundo organizado pelo Opportunity às vésperas do leilão, em maio passado, estimulado por um convite da melhor qualidade.
O surgimento de um novo personagem nas reuniões de acionistas da Vale poderá contribuir para a pacificação das correntes que a controlam.

História de sucesso
Faltou pouco para que a ladra Jorgina Fernandes conseguisse tirar os US$ 8 milhões que tinha nos bancos Merrill Lynch e ABN Amro, colocando-os em lugar seguro. Ela já conseguira o gato (um advogado da Costa Rica) e o pulo (a transferência do dinheiro para um banco de Hamburgo).
A manobra foi cortada depois de longas e duras negociações entre o embaixador brasileiro em Washington, Paulo Tarso Flecha de Lima e a presidência da Merrill Lynch. Inicialmente o banco deu a Jorgina toda a proteção que dá aos seus clientes. Depois de uma rodada de discussões, algumas delas pesadas, os depósitos foram congelados e a própria Merrill Lynch se encarregou de avisar ao banco Amro que era melhor acorrentar o ervanário.
Paulo Tarso conseguiu, numa só tacada, remeter ao Tesouro um dinheiro equivalente a todos os custos de sua embaixada por três anos.

Lição no ar
Modo de viver melhor, ensinado por Gianni Garavelli, dono do restaurante Bravo Gianni, de Nova York.
Incapaz de comer as refeições de bordo servidas pelas companhias aéreas, Gianni embarca com duas cumbucas de comida numa sacola. Depois que a aeromoça terminou de servir o jantar, ele a chama, diz que padece de uma doença terrível e só pode comer uma dieta exclusiva, contida nas cumbucas. Pede-lhe que as coloque no forno de microondas do avião e, em geral, é atendido.
Pela sua experiência, é mais fácil conseguir o favor quando está na classe econômica, onde a tripulação faz qualquer coisa para se livrar dos pedidos dos passageiros. Na primeira classe, às vezes, é preciso pedir licença ao comandante.
Esquentadas as cumbucas, descobre-se que a dieta de Gianni resume-se a uma magnífica lasanha com carne assada. Na maioria dos casos, o cheiro da dieta causa alguma inveja e muito silêncio. Em outras ocasiões, interpelam-no, perguntando que tipo de doença ele tem, que o obriga a semelhante dieta. Resposta:
- Meu médico me proibiu de comer comida ruim.

Naya nada
Consumada a satanização do deputado Sérgio Naya, custa pouco abrir o armário onde estão guardados os esqueletos de Asmodeu em suas encarnações mais recentes:
Quem quebrou o Banco Econômico? O ex-satanizado Ângelo Calmon de Sá ou o Banco Central, deixando passar por baixo das pernas seus balanços maquiados?
Quem era o responsável pelas contas-fantasmas do Banco Nacional? A irmandade Magalhães Pinto ou os gênios de finança que administravam o banco? Ou ambos?
Quem se lembra da palavra precatório?

As coisas mudam, e não melhoram
A queda da taxa de juros foi uma das melhores coisas que poderiam ter sucedido ao governo. Alguns dos melhores pesquisadores de sua máquina econômica dão como certo um aumento da percentagem de brasileiros vivendo em condições de vida miseráveis. Dois choques econômicos arriscam devorar os benefícios que a estabilidade da moeda levou ao andar de baixo da sociedade. Não se sabe quanto custará aquilo que a ekipekonômica chama de "lição de casa", mas já se sabe que as reformas feitas nas sociedades latino-americanas estão custando mais caro do que se pensa. Um estudo feito pela Comissão Econômica para a América Latina, a Cepal, a pedido do Conselho Interaction, entidade que congrega ex-governantes de todo o mundo, traz números ruins. Eles serão melhor discutidos em maio próximo, no Rio de Janeiro, onde o conselho se reunirá, sob a presidência do ex-chanceler alemão Helmut Schmidt.
Entre 1990 e 1996, a América Latina cresceu a 3% ao ano, contra 5,5% no período que foi de 1945 a 1980. Isso num cenário no qual a região gasta em média 2,6% do seu Produto Interno Bruto para pagar a dívida externa (em dez países, essa carga foi a 3,8% do PIB, chegando a superar os gastos públicos com educação e saúde).
É verdade que desde os anos 50 as taxas de inflação nunca estiveram tão baixas, mas, em 11 países, entre os quais o Brasil, a estabilidade se apóia em moedas sobrevalorizadas. De um lado, essa política estimulou a competitividade de alguns setores industriais. Entre 1980 e 1993, a exportação de manufaturados passou de 23% para 48% do total das vendas externas da região.
O lado amargo da novela está no emprego. O aumento da produtividade média dos trabalhadores foi praticamente irrelevante. Deixando de lado o setor agropecuário, o crescimento do emprego foi inferior ao da população economicamente ativa.
Pior: o setor informal é hoje responsável por cerca de 60% dos novos postos de trabalho fora das atividades agrícolas. De cada 100 empregos gerados na América Latina entre 1990 e 1995, 84 ficaram na informalidade. Os salários industriais de 1995 ainda estavam 5% abaixo das marcas de 1980. Houve um aumento da produtividade dos trabalhadores, mas a ela não correspondeu qualquer melhoria salarial. Em 13 países, o salário mínimo de 1996 era inferior, em termos reais, ao de 1980.
São só quatro os países onde há hoje uma percentagem de pobres menor que a de 1980: Brasil, Chile, Panamá e Uruguai. Os técnicos da Cepal não associam os modestos indicadores sociais a uma eventual malignidade das mudanças econômicas. Pelo contrário, reconhecem que não há alternativa fora delas. O que dá dimensão ao trabalho que fizeram é a constatação de que, seja para onde for que se esteja indo, isso vem sendo feito devagar em matéria de resultados e depressa em matéria de desigualdades.
Quem quiser uma cópia do trabalho pode pedi-la ao senador José Sarney, que na sua condição de ex-presidente é uma dos principais batalhadores do Conselho Interaction.

O ritual é a realidade
Depois de décadas de discussão em torno da independência do Banco Central, deve-se aos economistas Francisco Lopes (autor da idéia) e Gustavo Franco (detentor da audácia) a criação de um simples ritual capaz de reduzir as pressões políticas sobre a taxa de juros.
Lopes sempre defendeu a idéia de que a ritualização do debate técnico no Copom (Conselho de Politica Monetária) seria suficiente para dar ao BC um forte grau de autonomia sobre os juros. Não deu outra. Bastou criar o ritual para que, de fato, o BC conseguisse exorcizar as flutuações políticas. Não é o caso de acreditar que elas tenham desaparecido, nem que o presidente do Banco Central tenha perdido a capacidade de ler nas nuvens as vontades do Planalto. Mesmo assim, sem grande esforço, criou-se uma situação na qual o BC influi de fato na fixação da taxa de juros. Não é tudo, mas é alguma coisa.
O mais curioso é que essa saudável transformação ocorreu durante o governo de FFHH, que nunca simpatizou com a idéia de um BC independente, muito mais pelo medo do passado do que por falta de fé nos diretores que nomeou.

A grande obra de Paul Johnson
Saiu um livraço nos Estados Unidos. É "A História do Povo Americano" ("A History of the American People") escrita por Paul Johnson. Ele é certamente a mais brilhante, erudita e trabalhadora inteligência do conservadorismo mundial. Chamá-lo de conservador seria baratear sua capacidade. O livro tem pouco mais de mil páginas e bate duro. John Kennedy é um drogado que roubou a eleição, Lyndon Johnson é um estafeta de empreiteiros, Ronald Reagan é um craque (porque tem senso de humor), e Bill Clinton, uma nulidade. O caso Watergate, um golpe de Estado e os anos 60 formam uma "década meretrícia".
Para quem concorda com as idéias de Johnson, o livro é melhor que um desfile da Mangueira. Para quem as detesta, é um delicioso passeio pela cabeça de uma pessoa que pensa diferente, mas não só pensa como talvez pense melhor que a maioria de seus adversários.

O fenômeno econômico da PUC
Está estabelecido que a indústria de computadores americana, quase toda baseada no Norte da Califórnia, no chamado Vale do Silício, produziu a maior acumulação de riqueza legal da história do mundo. Com 3.000 novos negócios sendo abertos a cada ano, o Vale do Silício já ultrapassou Detroit e é hoje a principal região exportadora dos Estados Unidos.
O Brasil não produziu nada parecido, mas, enquanto o governo taxa os computadores em 30% e a comida de gato em 11%, verifica-se que a PUC do Rio de Janeiro pode ter batido um recorde mundial de prosperidade acadêmica.
Em menos de dez anos, os patrimônios pessoais de pelo menos quatro dos professores de seu departamento de economia somaram um ervanário jamais acumulado por qualquer corpo docente de outra universidade, desde a Idade Média.
Assim como os tataranas da Califórnia acumularam milhões de dólares com novas tecnologias, os professores André Lara Resende, Arminio Fraga, Pérsio Arida e Winston Fritsch, amealharam posições inalcançadas pelos seus similares.
Já houve casos de turmas de alunos que produzem milionários, assim como há professores que enriquecem, mas é raro que isso suceda em tão pouco tempo, de forma tão concentrada, numa só atividade econômica. Os professores da PUC-RJ conseguiram isso sem transgredir a lei ou os costumes, e também sem inovar a tecnologia produtiva nacional. Todos se relacionaram com a banca, prosperando numa época de sensível declínio da economia industrial.

ENTREVISTA

Miguel de la Madrid
(62 anos, ex-presidente do México)
- O sr. assumiu a Presidência do México em 1983 e teve que tourear a crise da dívida externa. Em 1994, já fora do poder, viu o seu país passar por outra crise. Não lhe parece que ainda verá uma terceira onda de desgraças?

- Hoje a economia mexicana tem bases mais firmes que as de 1982 e 1994. Nossas exportações aumentaram e, sobretudo, se diversificaram. Em 1982, o petróleo representava 70% de nossas vendas externas. Hoje representa 15%. A nossa política econômica vem sendo conduzida com mais responsabilidade, e acredito que já tenhamos aprendido que o populismo não leva a lugar algum. De uma maneira geral, eu acho que a América Latina está prestes a entrar numa fase de crescimento econômico.
- De uma maneira geral, a América Latina vem crescendo menos do que seria razoável. O que lhe leva a crer que essa tendência venha a mudar?

- A estratégia de estabilidade que vem sendo seguida é correta, porém insuficiente. Temos que rever alguns aspectos importantes do nosso desenvolvimento. É necessário evitar a concentração da riqueza enquanto se assiste a um aumento da pobreza, do desemprego e da desqualificação da classe média. O grande desafio, hoje, é a busca da equidade, e essa é a insuficiência das políticas atuais. A América Latina não pode ser guiada apenas por grandes cenários macroeconômicos. Precisamos de políticas de desenvolvimento. O equilíbrio macroeconômico não é suficiente. Precisamos entrar numa fase de planejamento. Não me refiro ao planejamento centralizado, mas um conjunto de políticas flexíveis que permitam antever períodos de crescimento econômico.
- Junto com a estabilidade monetária, a América Latina vem assistindo a uma epidemia de reeleições. Os presidentes Alberto Fujimori, do Peru, e Carlos Menem, da Argentina, parecem marchar para a busca do terceiro mandato. O do Brasil está a um passo do segundo. No México, a reeleição está proibida desde o início do século, quando acabou desembocando numa revolução popular. O sr. não acha que essa epidemia pode acabar tirando o demônio da caverna?

- O que posso lhe dizer é que no México esse demônio está trancado na caverna e nós não haveremos de tirá-lo de lá. O mandato do nosso presidente é de seis anos, o que me parece mais razoável que os mandatos de quatro anos. Eu respeito a opinião dos presidentes que buscam a reeleição e argumentam que a última palavra é dos eleitores. Como mexicano, não gosto de reeleições e fico satisfeito em ver que, pelo menos aqui, não há perigo de o demônio sair da caverna.

Pastore de fora
Se dependesse da vontade de Paulo Maluf, o professor Affonso Celso Pastore seria o novo secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo. O ex-presidente do Banco Central não iria para essa posição para contrapor sua competência às dificuldades de caixa da prefeitura, mas para melhorar, com seu nome, a cotação da honorabilidade da Granja Celso Pitta.
Pastore, que rebarbou a presidência do Banco Central na formação do governo de Fernando Collor, prefere ficar fora do secretariado.



Texto Anterior | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.