São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Avanços indefesos

Se for para a desmilitarização do controle aéreo reproduzir o desastre do Ministério da Defesa, é melhor que não ocorra até novas circunstâncias

O MINISTÉRIO da Defesa, velhíssima sugestão lógica e modernizadora que o Brasil não conseguia adotar, foi introduzido em 1999 por pressão de militares e governo dos Estados Unidos, esta última levada a Fernando Henrique Cardoso pelo próprio Bill Clinton. Tal informação, antes sujeita a inevitáveis contestações e vulnerável por falta absoluta de recursos comprovatórios (exceto depoimentos, que no governo passado ninguém daria), recebeu o visto de saída desde que um brigadeiro reformado, em considerações sobre a crise atual, fez-lhe brevíssima e ocasional referência. Além do mais, gravada, embora não se duvide de que o autor a confirmasse, se necessário.
Os antecedentes da extinção do anacronismo brasileiro, com quatro ministros militares quando o mundo praticava a eficiente unidade, projetaram na oficialidade superior o sentimento duradouro de uma imposição, só admitida em razão de sua origem. O que daí decorreu foi a mudança da formalidade, na aparência inexpressiva dos organogramas, mas não a da velha realidade.
Repetem-se, em diferentes proporções, dois episódios de resistências: quando da criação do Ministério da Aeronáutica, com a retirada da aviação do Exército, e, mais tarde, a mútua recusa da Aeronáutica à aviação da Marinha e, da Marinha, a aviões e pilotos da FAB no porta-aviões. Muito tempo, muito dinheiro público e, ainda pior, muita ilegalidade impune fizeram essa história ainda não contada. O primeiro caso só começou a resolver-se por causa da Segunda Guerra, nem por isso conseguindo, porém, evitar que a brilhante esquadrilha da FAB no front europeu sofresse até boicotes montados no Brasil. O segundo caso começou a resolver-se, e a rigor ainda não terminou, por intervenção do general Castello Branco já na ditadura.
O Ministério da Defesa traria nova realidade se houvesse empenho nesse sentido. Os ministros da pasta não têm como superar a insubordinação branca se não contarem com providências do presidente da República. Fernando Henrique e Lula, no entanto, igualam-se também na preferência por fazer os militares crerem que jamais se opuseram a eles, sempre acreditaram no seu patriotismo democrático, consideram as casernas os alicerces da nação, e tome de condecorações para lá e para cá. Há três dias, Lula pespegou mais condecorações nos comandantes, como prosseguimento à série que, com explicitude menor e diferente destinação, é idêntica ao ato dos controladores dirigido à população.
A desmilitarização do controle aéreo segue os casos de criação dos ministérios da Aeronáutica e da Defesa. Não é à toa que o controle civil vigora há muito tempo no exterior com os melhores resultados. Desconectado de particularidades e sigilos da aviação militar, com maior arejamento de concepção e menor rigidez funcional, o controle civil é comprovado avanço.
Em considerações restritas ao caso brasileiro, não são necessárias mais demonstrações de que o desempenho da FAB no controle, para dizer pouco, faliu. Faliu, como certos bancos, com escândalo. Em empreendimento que historicamente nem foi do Ministério da Aeronáutica. O serviço básico de controle aéreo nacional, estações meteorológicas por quase todo o território, radiofonia e apoio foi montado pela Panair, à sua custa, e generosamente aberto, inclusive, para suprir a carência então total da FAB. O controle atual é prosseguimento do controle e demais serviços tomados da Panair na primeira fase da ditadura.
Até que um presidente da República seja capaz de dar ao Ministério da Defesa o sentido que o justifique, os problemas de insubordinação branca, de despreparo e de exigências vão continuar produzindo suas consequências, seja sobre a vida social ou a institucional. Por isso mesmo, são mal informados e injustos os pedidos de demissão do ministro Waldir Pires, nos quais tantos jornalistas insistem. Ele vem lutando para ter o poder que lhe cabe, mas tem pela frente barragem audaciosa e, por trás, falta de chão sólido. Tal como aconteceu ao primeiro e promissor nomeado para o posto por Lula, o embaixador José Viegas.
Se for para a desmilitarização reproduzir o desastre do Ministério da Defesa, é melhor que não ocorra até novas circunstâncias. Quase diria que é melhor, para a tranquilidade no céu e na terra, nem haver esse descontrolado controle aéreo.


Texto Anterior: União homossexual é rejeitada por 49%; para 52%, casais gays não podem adotar
Próximo Texto: Enquete: Na internet, "o povo" é eleito maior brasileiro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.