São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2010

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JANIO DE FREITAS

As águas do Rio


Casinhas de vários andares sobre alicerces improvisados mudam a feição das favelas e são o perigo de amanhã


JÁ NÃO BASTA a extinção de moradias em risco visível, para prevenir a repetição das tragédias e, ainda pior, a certeza de que essas tragédias serão muito maiores e mais frequentes com a nova feição que as favelas assumem no Rio, em São Paulo, Belo Horizonte, Recife e tantas outras cidades.
Quando enfim se diz que a chegada da alvenaria às favelas as transforma em "bairros populares", e a ideia de remoção de famílias em risco visível vence velhas resistências, a verdade é que a melhoria é apenas temporária e de futuro inquietante.
As favelas deram origem recente a um negócio que prospera sem risco. É o empreendimento de compra de lajes de teto e a construção, sobre elas, de outros andares, para venda ou aluguel, ambos a preços inacreditáveis. Como atividade secundária, o negócio promove a ocupação de novas áreas na periferia da favela, onde casinhas disfarçadas vão adotar vários andares. São duas modalidades de negócio que explicam grande parte do crescimento assombroso de tantas favelas, nos últimos 20 anos como nunca.
Esse crescimento se faz, porém, por meio de mais um absurdo consentido. Três, quatro, cinco e seis andares sobem, sorrateiramente, sobre alicerces improvisados, em colunas e vigas incertas e magras, com a maior economia possível de cimento e nem sempre com as necessárias armações de ferro em seu miolo. Ainda quando desejadas, não pode haver fundações menos inseguras porque a escavação necessária abalaria os vizinhos também precários, tão juntos uns dos outros. Feitos admiráveis da engenhosidade sem escola, são o perigo de amanhã: seu peso de obras precárias se assenta, e disfarça, as mesmas terras também precárias de onde as construções mais leves desprendem-se e são destruídas por levas de chuva.
Na primeira fase do "choque de ordem" que trouxe ao assumir, o prefeito carioca Eduardo Paes e o respectivo secretário Rodrigo Bethlém sustaram algumas dessas obras da nova feição enfavelada e até demoliram um empreendimento muito exagerado no gênero. É a providência corajosa que precisaria se ampliar no Rio e começar em outras cidades, antes que essas construções ainda novas e seu terreno deem as mostras de insegurança que virão. Fatalmente.
Várias das obras do PAC em favelas da zona sul carioca são, no entanto, estímulos ao estilo de empreendedorismo imobiliário favelado. Prédios de apartamento do PAC nas favelas, sem determinados rigores adjacentes, aprovam e sugerem prédios de apartamentos de especuladores ou de moradores. Aqueles com as devidas exigências da engenharia, os outros com a improvisação. Uma evidência a mais de que o problema das favelas é muito menos simples do que o desejo de proporcionar condições de vida menos injustas.
As águas que desabaram sobre o Rio com sede de tragédia acumulada desde suas maldades de 1966 trazem, mais uma vez, oportunidade a que governantes, técnicos, bem intencionados em geral e, afinal, meios de comunicação atentem mais para os problemas urbanos brasileiros.
Quanto ao Rio, Eduardo Paes, pelo início e por se mostrar tão ativo e franco na hora da tragédia, pode ser visto como uma promessa. Mas as águas do Rio mostram um momento local de uma tragédia nacional.


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