São Paulo, quarta-feira, 08 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

A guerra de dossiês é uma ótima idéia

Quem avisava amigo era: o melhor que se podia fazer para lavar a roupa suja da privataria era a convocação de uma CPI e o pior que poderia acontecer ao governo seria uma faxina paralela à campanha eleitoral. Deu-se o pior. Nesse cenário de nenhum valor, o tucanato desliza suavemente para a arrogância dos poderosos que perderam o senso da medida. Só isso explica a seguinte frase do deputado José Aníbal, presidente nacional do PSDB:
"Se quiserem uma guerra de dossiês, vamos ter uma guerra de dossiês"."
A choldra que paga o salário do deputado e desembolsa o ervanário que recheia esses dossiês não quer outra coisa.
Na primeira metade de 1998, FFHH sabia, com detalhes, que o empresário Benjamin Steinbruch queixava-se de estar sendo achacado por Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor do Banco do Brasil que o ajudara a comprar a Vale do Rio Doce. Uma CPI poderá esclarecer se Ricardo Sérgio estava chantageando Steinbruch ou se Steinbruch estava chantageando o governo. Importa registrar que em 1998 o então "barão do aço", símbolo da renovação empresarial do tucanato, estava metido numa briga de acionistas e precisava do apoio dos fundos de pensão das estatais para preservar sua posição na Vale do Rio Doce.
Nessa briga, há claros sinais de que Steinbruch tenha conseguido evitar a canibalização da Vale, expressamente defendida pelo presidente de um de seus sócios, o Nations Bank. Mais: o Bradesco tornou-se sócio secreto do consórcio de Steinbruch contornando a norma legal. Pior: quem colou o Bradesco no consórcio foi o governo, por meio de dois pedidos explícitos, daqueles que banqueiro nacional não deixa de atender.
A privataria que canibalizou o Estado brasileiro (para pagar juros à banca global) teve lances de ação entre amigos. Steinbruch, herdeiro de uma empresa têxtil sólida, porém média, comprou a Companhia Siderúrgica Nacional durante o governo Itamar Franco. No reinado tucano, com a ajuda do Planalto, juntou-se a um grupo de sócios e arrematou a Vale do Rio Doce. A certa altura, alguns dos seus parceiros na Vale arremataram milagrosamente a a rede de 16 operadoras de telefonia que ia do Rio de Janeiro à fronteira com a Venezuela. O então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, chamou parte desse consórcio (ou, quem sabe, todo) de "rataiada". O mercado apelidou-os "telegangue".
FFHH soube, e as fitas do BNDES mostram isso, que a Previ estava alavancando o consórcio da Telemar. Vale lembrar seu diálogo com André Lara Resende, então presidente do banco. Lara Resende tentava cortar a aliança da Previ com o grupo que formara a Telemar:
"André Lara Resende - Então, o que nós precisaríamos é o seguinte: com o grupo do Opportunity, nós até poderíamos turbiná-lo, via BNDES Par. Mas o ideal é que a Previ entre com eles lá.
Fernando Henrique Cardoso - Com o Opportunity?
Lara Resende - Com o Opportunity e os italianos.
FHC - Certo.
Lara Resende - Perfeito? Porque aí esse grupo está perfeito.
FHC - Mas... e por que não faz isso?
Lara Resende - Porque a Previ tá... tá do outro lado.
FHC - A Previ?
(É.)
Lara Resende - Então, nós vamos ter uma reunião aqui, estive falando com o Luiz Carlos, tem uma reunião hoje aqui às 6h30. Vem aqui aquele pessoal do Banco do Brasil, o Luiz Carlos etc. Agora, se precisarmos de uma certa pressão...
FHC - ...Não tenha dúvida.
Lara Resende - A idéia é que podemos usá-lo aí para isso.
FHC - Não tenha dúvida.
Lara Resende - Tá bom".
A utilização do peso de FFHH viria a ser chamada por Lara Resende de "bomba atômica presidencial". Ela não foi detonada. A Previ foi em frente com o consórcio Telemar e ganhou a parada.
(Nesse episódio, envolveram-se autoridades, empresários e banqueiros reconhecidamente inteligentes. Cada um à sua maneira reconhece que num determinado momento foi feito de bobo. Um deles está mentindo. Quem ou quens, ainda não se pode garantir.)
Pode-se argumentar que a entrada da Previ no consórcio de Steinbruch fez com que a Vale fosse comprada por R$ 3,3 bilhões, com 20% de ágio. Já a Telemar comprou suas 16 operadoras por R$ 3,4 bilhões, raspando o preço mínimo. Vale lembrar que tanto Steinbruch quanto a Telemar foram financiados pelo BNDES.
Em maio de 2000, três anos depois de ter comprado a Vale e dois depois de suas conversas com Mendonça de Barros e Paulo Renato Souza, Steinbruch deixou a presidência do conselho da empresa. Suas ações foram compradas pelo Bradesco (que não estava capacitado a entrar no consórcio) e pela Previ (que, em tese, entrou só para ajudar). O BNDES, sempre ele, financiou uma parte da migração de Steinbruch.
O mais incrível é que tudo isso tenha acontecido sob as vistas da patuléia e os sábios do tucanato não pressentiram o tamanho da confusão em que se meteram.



Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: Uma cebola, um alho
Próximo Texto: Panorâmica - Mídia: Palestra debate hoje jornalismo econômico
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.