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Restrição a estrangeiros divide especialistas
Proposta de dificultar compra de terras ao capital estrangeiro é vista tanto como questão de soberania como de xenofobia
Para Eduardo Viola, da UnB, medida é cortina de fumaça e sem sentido; Plínio de Arruda Sampaio diz se tratar de necessidade urgente
Jorge Araújo - 25.jan.08/Folha Imagem
| Área devastada em Alta Floresta, em MT, Estado onde há mais terras em nome de estrangeiros |
DA REPORTAGEM LOCAL
A divulgação de que o Incra
busca uma solução jurídica para dificultar a compra de terras
por empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro
divide especialistas. Enquanto
alguns defendem a medida como uma questão de soberania
nacional, outros vêem traços de
xenofobia na proposta.
Conforme a Folha revelou, o
Incra receberá um parecer da
Advocacia Geral da União para
fixar limites para a aquisição
por estrangeiros. As regras vão
valer para todo Brasil, mas o alvo principal é a Amazônia.
Eduardo Viola, professor titular de relações internacionais da UnB (Universidade de
Brasília), diz que impor uma
proibição atrapalha a imagem
internacional do Brasil. "Não
tem sentido uma lei xenofóbica
no século 21, na sociedade globalizada", afirma.
Para Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma
Agrária), a regulamentação é
uma "necessidade urgente".
Segundo ele, o território é a
"base" da soberania. "A compra
de terras por estrangeiros no
Brasil aumenta quando surge
um problema de alimentação
no mundo", diz. "E especuladores aproveitam a subida do preço da terra." Sampaio vê uma
contradição dentro do próprio
governo. "Ao mesmo tempo
nosso presidente sai por aí a
vender investimento em cana.
É um contra-senso", afirma.
Ele defende a distinção legal
entre empresa de capital nacional e estrangeiro. "O brasileiro
não tem consciência de soberania, para preservar a nossa riqueza. Isso não é nacionalismo
xenófobo, todos os países fazem. Tente comprar na França
para ver a dificuldade. Aqui é a
casa-da-mãe-joana."
Eduardo Viola diz que soberania nacional não tem relação
com quem tem a posse da terra,
mas com a aplicação de uma lei
igual para todos. "Soberania
nacional é Estado de Direito. O
que estão tentando fazer é uma
cortina de fumaça. A diferença
não é o dono, mas quem cumpre a lei. Mas provavelmente a
sociedade brasileira está madura para evitar essa medida
xenófoba e sem sentido."
Equilíbrio
Francisco Carlos Teixeira da
Silva, professor titular do Departamento de História da
UFRJ e autor de "Historia da
Agricultura Brasileira", diz que,
antes de se debater a compra
por estrangeiros, o governo
precisa dar um passo anterior.
"Antes de se preocupar com
propriedade dos estrangeiros,
seria fundamental ter uma política clara de identificação da
estrutura de posse e propriedade e terra no país", diz o professor, segundo quem o Incra não
conhece a maior parte dos donos de terra no Brasil.
Silva defende um controle
maior no caso de ONGs e empresas estrangeiras que tentam
implantar políticas públicas.
"Não falo de indivíduos que
vêm comprar uma casa de praia
ou plantar soja ou cana, mas de
entidades de direito público internacional que tentam implantar política pública."
Para ele, ONGs que vêm atrás
de terras deveriam fazer projetos conjuntos com técnicos
brasileiros. "Ninguém, por
exemplo, chega ao Egito dizendo que a pirâmide é dele e que
vai levar os achados arqueológicos para o exterior. Mas no
Egito é possível se associar."
Gilberto Dupas, coordenador
do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, diz que o ponto central é saber criar regras.
"Primeiro porque há o problema da paridade e geração de
precedentes. Regras estabelecidas aqui criam referência, por
exemplo, para investimentos
do Brasil na Bolívia e no Paraguai. E há muitos brasileiros
que investem nesses países."
Ex-presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica), João Grandino
Rodas vê a necessidade de
"equacionar". "Se aplicar uma
soberania de uma forma absoluta, não vai ser possível equacionar problemas de distribuição de renda, porque não haverá investimento para isso", diz.
"O caminho são leis que sejam debatidas e feitas no Congresso. Retirar simplesmente
um parecer pode ser rápido,
mas serve como se fosse um
doente que precisaria de cirurgia recebendo uma aspirina."
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