São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

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Restrição a estrangeiros divide especialistas

Proposta de dificultar compra de terras ao capital estrangeiro é vista tanto como questão de soberania como de xenofobia

Para Eduardo Viola, da UnB, medida é cortina de fumaça e sem sentido; Plínio de Arruda Sampaio diz se tratar de necessidade urgente

Jorge Araújo - 25.jan.08/Folha Imagem
Área devastada em Alta Floresta, em MT, Estado onde há mais terras em nome de estrangeiros


DA REPORTAGEM LOCAL

A divulgação de que o Incra busca uma solução jurídica para dificultar a compra de terras por empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro divide especialistas. Enquanto alguns defendem a medida como uma questão de soberania nacional, outros vêem traços de xenofobia na proposta.
Conforme a Folha revelou, o Incra receberá um parecer da Advocacia Geral da União para fixar limites para a aquisição por estrangeiros. As regras vão valer para todo Brasil, mas o alvo principal é a Amazônia.
Eduardo Viola, professor titular de relações internacionais da UnB (Universidade de Brasília), diz que impor uma proibição atrapalha a imagem internacional do Brasil. "Não tem sentido uma lei xenofóbica no século 21, na sociedade globalizada", afirma.
Para Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária), a regulamentação é uma "necessidade urgente".
Segundo ele, o território é a "base" da soberania. "A compra de terras por estrangeiros no Brasil aumenta quando surge um problema de alimentação no mundo", diz. "E especuladores aproveitam a subida do preço da terra." Sampaio vê uma contradição dentro do próprio governo. "Ao mesmo tempo nosso presidente sai por aí a vender investimento em cana. É um contra-senso", afirma.
Ele defende a distinção legal entre empresa de capital nacional e estrangeiro. "O brasileiro não tem consciência de soberania, para preservar a nossa riqueza. Isso não é nacionalismo xenófobo, todos os países fazem. Tente comprar na França para ver a dificuldade. Aqui é a casa-da-mãe-joana."
Eduardo Viola diz que soberania nacional não tem relação com quem tem a posse da terra, mas com a aplicação de uma lei igual para todos. "Soberania nacional é Estado de Direito. O que estão tentando fazer é uma cortina de fumaça. A diferença não é o dono, mas quem cumpre a lei. Mas provavelmente a sociedade brasileira está madura para evitar essa medida xenófoba e sem sentido."

Equilíbrio
Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor titular do Departamento de História da UFRJ e autor de "Historia da Agricultura Brasileira", diz que, antes de se debater a compra por estrangeiros, o governo precisa dar um passo anterior.
"Antes de se preocupar com propriedade dos estrangeiros, seria fundamental ter uma política clara de identificação da estrutura de posse e propriedade e terra no país", diz o professor, segundo quem o Incra não conhece a maior parte dos donos de terra no Brasil.
Silva defende um controle maior no caso de ONGs e empresas estrangeiras que tentam implantar políticas públicas. "Não falo de indivíduos que vêm comprar uma casa de praia ou plantar soja ou cana, mas de entidades de direito público internacional que tentam implantar política pública."
Para ele, ONGs que vêm atrás de terras deveriam fazer projetos conjuntos com técnicos brasileiros. "Ninguém, por exemplo, chega ao Egito dizendo que a pirâmide é dele e que vai levar os achados arqueológicos para o exterior. Mas no Egito é possível se associar."
Gilberto Dupas, coordenador do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, diz que o ponto central é saber criar regras. "Primeiro porque há o problema da paridade e geração de precedentes. Regras estabelecidas aqui criam referência, por exemplo, para investimentos do Brasil na Bolívia e no Paraguai. E há muitos brasileiros que investem nesses países."
Ex-presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), João Grandino Rodas vê a necessidade de "equacionar". "Se aplicar uma soberania de uma forma absoluta, não vai ser possível equacionar problemas de distribuição de renda, porque não haverá investimento para isso", diz.
"O caminho são leis que sejam debatidas e feitas no Congresso. Retirar simplesmente um parecer pode ser rápido, mas serve como se fosse um doente que precisaria de cirurgia recebendo uma aspirina."


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