São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

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ELIO GASPARI

A comissária Rousseff encrencou-se na Varig


A denúncia da ex-baronesa Denise Abreu está montada em fatos concretos, com detalhes verificáveis

A DENÚNCIA de Denise Abreu, ex-baronesa da Anac, acusando a comissária Dilma Rousseff de ter empurrado goela abaixo da agência a qualificação da VarigLog para comprar a Varig correria o risco de ser transformada na gritaria de "Os Sapos", de Manuel Bandeira:
Urra o sapo-boi:
"Meu pai foi rei!" - "Foi!" - "Não foi!"
"Foi!" - "Não foi!"
Felizmente, a denúncia da doutora está montada em fatos concretos, com aspectos verificáveis. Na sua entrevista aos repórteres Mariana Barbosa e Ricardo Grinbaun, Denise Abreu disse que foi pressionada pela comissária para esquecer a possível maquiagem do capital da VarigLog. (Ela sabia que os sócios brasileiros não tinham bala para cobrir 80% do valor da companhia.) Pressionou? Não pressionou? A doutora informa que isso aconteceu numa reunião no Planalto, em abril de 2006. Basta conferir nas agendas da comissária e da baronesa. Além disso, ela diz que a Anac fizera novas exigências à VarigLog. Cadê o ofício?
Segundo Denise Abreu, a pendenga foi resolvida numa roda de fogo ocorrida na sexta-feira, 23 de junho de 2006. Nesse dia, Valeska Teixeira, advogada da VarigLog e afilhada de Nosso Guia, deu plantão na ante-sala de uma reunião da diretoria da agência. A empresa havia representado contra Denise e, para que ela pudesse limpar a pista, em benefício dos interesses do Planalto, a queixa foi retirada. Cadê o documento? Havia ainda a decisão de um desembargador contra a VarigLog que caducou no meio do caminho. Cadê o texto?
A correria da sexta-feira era compreensível. Na segunda, a VarigLog compraria a Varig por US$ 24 milhões. Um dos seus laranjas, Marco Antonio Audi, pegou pesado no advogado Roberto Teixeira, pai de Valeska, compadre e hospedeiro de Nosso Guia no tempo das vacas médias. Diz que lhe pagou US$ 5 milhões por serviços prestados. (Cadê os recibos? No jogo jogado a empreitada não vale metade disso.)
Teixeira diz que não advoga no Executivo. Se a sua filha esteve na Anac, o que foi fazer lá, comprar passagens?
A Varig foi comprada em junho de 2006 por US$ 24 milhões e vendida dez meses depois aos Constantino da Gol por US$ 275 milhões. Nem cocaína se valoriza tanto ao trocar de mãos em tão pouco tempo. O doutor Teixeira advogou na ponta da venda e subiu no elevador do Planalto com a turma da compra.
Quando a doutora Denise exibir os registros e os documentos que amparam sua história, a discussão sai da gritaria dos sapos. Compadres, acreditai: pode-se estar diante de um dos piores golpes dos últimos tempos.

JOSÉ SERRA PRECISA AFROUXAR O GARROTE

O governador José Serra precisa mandar que a maioria tucana na Assembléia Legislativa de São Paulo afrouxe o garrote com que asfixia a oposição. Num só dia ela derrubou seis pedidos de convocação de cidadãos que poderiam oferecer explicações para que se entenda a denúncia de que nos anos 90 a empreiteira Alstom pagou propinas a hierarcas do governo do Estado. Coisa de US$ 6,8 milhões.
Esmigalharam até mesmo um pedido de informações ao Ministério Público e à Polícia Federal. Era apenas a prática da velha e boa prática parlamentar de fazer perguntas para obter respostas. O jabaculê da Alstom foi descoberto numa investigação conduzida pelo governo suíço e ex-diretores da empreiteira reconheceram que distribuíam dinheiro mundo afora. A Alstom forneceu equipamentos ao Metrô de São Paulo e à usina hidrelétrica de Itá, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina.
Desde que o assunto foi para a vitrine, em maio, já apareceram uns dez nomes e localizou-se uma lavanderia de dinheiro. Mark Pieth, presidente do Grupo Anticorrupção da OCDE, disse ao repórter Assis Moreira que, em 2005, no Estado de São Paulo, pessoas que eram responsáveis pela compra de equipamentos não pediram suborno para eles, mas sugeriram que a empresa fizesse "pagamento ou presente político", para o caixa de partido.
O tucanato paulista blinda seu armário de esqueletos de acordo com a doutrina que a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) enunciou logo depois da denúncia da maracutaia da VarigLog. Quando ela soube que a oposição queria convocar a comissária Dilma Rousseff para explicar seu papel no episódio, respondeu: "Nem morta vou permitir a aprovação desse requerimento. Chega de inventar novidade para tumultuar e criar factóides".
Em São Paulo, a tentativa de saber alguma coisa sobre uma mordida de US$ 6,8 milhões foi chamada de "kit PT" por Serra. Em Brasília, dois dias depois, a senadora petista chamou de "factóide" a denúncia de uma ex-diretora da Anac envolvendo o favorecimento da VarigLog.
Apesar de tudo, a bancada do governo mostrou-se mais flexível que o tucanato de São Paulo e concordou com a expedição de convites a 12 pessoas envolvidas no rolo aéreo. Ou o senador Arthur Virgílio vem a São Paulo ensinar boas práticas aos tucanos, ou Serra vai a Brasília ensinar sua arte ao PT.

REPLAY
O Planalto quer pressa na mudança da Lei Geral de Outorgas para permitir a fusão da Brasil Telecom com a Oi/Telemar. A comissária Rousseff está no lance, apertando a Anatel. Dará no que der.
Em abril de 2006, o Planalto queria que a VarigLog pudesse comprar a Varig. A comissária esteve no lance, pressionando a Anac. Deu no que deu.
Tem gente que não consegue aprender a mandar. A comissária parece um caso de pessoa que não aprendeu a parar de mandar.

ESFORÇO
É possível que o ministro Joaquim Barbosa deixe o Supremo Tribunal Federal. Pelo calendário, só se aposentaria em 2024, ao completar 70 anos.
O ministro padece de fortes dores na coluna e em algumas sessões é obrigado a acompanhar os debates de pé.
Ele só sairá quando não tiver outra escolha. Mesmo assim, dificilmente Barbosa deixará o tribunal antes do julgamento da ação de inconstitucionalidade da atribuição das bolsas do ProUni a estudantes de escolas públicas e da reserva de vagas para negros.

DAVID SAN
O engenheiro David Zylberstajn, ex-genro de FFHH, secretário de Energia do governo Mario Covas de 1994 a 1997 e presidente do Conselho de Administração da Varig em 2005, ficou na situação do sujeito que estava passando uns dias em Hiroshima, assustou-se com a bomba e viajou para Nagasaki.
Numa mesma semana, seu nome apareceu nos índices onomásticos dos negócios da empreiteira Alstom com o governo de São Paulo e da moçada do fundo Matlin Patterson com a Varig. Até agora Zylberstajn passou pelas duas explosões sem sujar a camisa.


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