São Paulo, sexta-feira, 08 de agosto de 2008

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STF limita uso de algemas a situações "excepcionais"

Ministros tomam decisão por unanimidade e afirmam que há abuso contra presos

Tribunal anula julgamento em que réu ficou algemado diante de jurados e resolve editar súmula vinculante para tratar do assunto

Alan Marques/Folha Imagem
Sessão do STF em que foi votada restrição a uso de algemas

FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu ontem, por unanimidade, que algemas só devem ser usadas em casos "excepcionais" e de "evidente perigo de fuga ou agressão".
"Na prática, o que a corte observou é que o uso de algemas se tornou uma forma de se execrar um cidadão aos olhos da população", afirmou Marco Aurélio Mello, relator do tema. "O que afirmamos hoje é que, em regra, as algemas não devem ser usadas."
Os ministros julgaram um caso específico, mas resolveram ampliar a discussão e editar uma súmula vinculante para que a decisão seja obrigatoriamente seguida por juízes das instâncias inferiores.
O texto da súmula ainda precisa ser redigido pelo próprio relator e será submetido à apreciação do plenário. Após aprovado, qualquer pessoa que se sinta vítima de "abuso" na utilização de algemas poderá recorrer ao STF. A orientação não vale para os casos ocorridos antes da edição da súmula.
O STF editou dez súmulas vinculantes de maio de 2007 -quando foram estabelecidas as três primeiras- até junho deste ano. O instrumento foi criado na reforma do Judiciário, de dezembro de 2004.
A discussão sobre o uso das algemas renasceu em julho, quando a Polícia Federal prendeu, na Operação Satiagraha, o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o investidor Naji Nahas. Todos foram algemados.
Na ocasião, o presidente do STF, Gilmar Mendes, criticou aquilo que chamou de "espetacularização das prisões". Ontem, Marco Aurélio também relembrou o caso e afirmou que os três presos foram "apenados" por conseqüência do uso de algemas. "Naquele caso, houve uma demasia. As três pessoas foram apenadas sem o devido processo legal, mediante a imposição de algemas."
O resultado da decisão de ontem também será enviado ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e aos 27 secretários estaduais de Segurança -autoridades responsáveis pela Polícia Federal e pelas polícias estaduais, respectivamente- para que sirva de orientação de conduta. "A decisão do Supremo, aplicada para todos os cidadãos, independentemente da distinção de classe social, é altamente positiva", afirmou Tarso por meio de sua assessoria de imprensa. A PF não se manifestou. A tese dos ministros foi baseada em princípios constitucionais que garantem liberdade e inocência até condenação definitiva.
O julgamento de ontem tratou de um habeas corpus de Antônio Sérgio da Silva, condenado pelo Tribunal de Júri de Laranjal Paulista (SP) a 13 anos e 6 meses de prisão, por homicídio triplamente qualificado. Silva pedia a anulação de seu julgamento, argumentando que ficou algemado durante toda a sessão e que o fato teria impressionado os jurados. Ontem, o tribunal concedeu o pedido, determinando novo julgamento, desta vez sem algemas.
O mesmo pedido havia sido feito para o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e o STJ (Superior Tribunal de Justiça), ambos negados. Nas decisões anteriores, argumentava-se que cabia ao juiz responsável avaliar se o uso de algemas era, de fato, necessário.
A juíza responsável pelo julgamento de Silva afirmou que ele havia sido algemado em todas as audiências em que participou e que no dia da sessão havia apenas dois policiais responsáveis pela segurança.
Os ministros, porém, argumentaram que as razões explicitadas pela juíza não são suficientes para justificar o uso de algemas. "No caso do júri, o uso de algema passa a imagem de um acusado de alta periculosidade, uma verdadeira fera", disse Marco Aurélio Mello.
"Eu lembro quando ainda era estudante e fui a um Tribunal do Juri e o réu estava algemado. Ela [a algema] chamava mais a atenção do que qualquer tese jurídica apresentada", disse a ministra Carmen Lúcia.
Anteontem, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou um projeto de lei com o mesmo teor da decisão do STF.


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