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ENTREVISTA DA 2ª
IARA PRADO
Secretária de Ensino Fundamental de FHC vê aparelhamento e falta de rumo na atual gestão do MEC
Para tucana, também na educação PT exige "lado"
RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL
A visão que o PT tem do Estado,
moldada em organizações de esquerda, explica por que, como
disse o ministro da Saúde, é preciso "ter lado" para trabalhar no governo Lula. O diagnóstico vem de
Iara Prado, secretária de Ensino
Fundamental nos oito anos da
gestão FHC e um dos quadros
mais qualificados do PSDB na
área educacional.
Para ela, também no Ministério
da Educação verifica-se apetite
descontrolado na ocupação da
máquina. "Trocaram até DAS-1",
diz, referindo-se à base da hierarquia dos cargos de confiança.
"São funcionários que respondem por atividades como protocolo. Não faz sentido trocá-los."
Em seu entender, a profusão de
projetos anunciados encobre a
falta de um programa coeso para
a educação, que tenha como norte
a melhoria da qualidade de ensino a partir de mudanças na formação dos professores.
A ex-secretária afirma que o
MEC infla o número de analfabetos do país e promete o que não
poderá entregar ao criar uma estrutura para erradicar o problema
em questão de meses. "Isso não
existe. Hoje se sabe que, para alguém ser usuário da escrita, precisa ter, no mínimo, quatro anos de
contato com ela."
Na entrevista abaixo, feita em
seu apartamento, no bairro paulistano de Pinheiros, Iara Prado
critica também os CEUs, peça de
resistência da campanha de Marta Suplicy à reeleição, e o apreço
petista por uniformes escolares.
Folha - O governo é criticado por
nomeações, em especial na saúde,
que privilegiaram afinidade política em detrimento da qualificação.
Ocorreu o mesmo na educação?
Iara Prado - Fui uma das pessoas
a defender que seria um bom momento para o PT ganhar. Para o
amadurecimento da democracia,
o Brasil precisa formar novos
quadros. Mas fiquei surpresa com
o que aconteceu no ministério.
Folha - O que aconteceu?
Prado - A professora Maria José
Feres, que me substituiu na Secretaria de Ensino Fundamental, é
uma profissional muito capaz. Escolheu boas pessoas para trabalhar com ela. Mas teve de ceder a
pressões muito fortes de sindicatos e confederações da área. E as
pessoas foram sendo substituídas.
O governo se sustenta com a
máquina brasiliense, que é muito
boa. Tínhamos funcionários que
vinham desde o tempo do Marco
Maciel, primeiro ministro depois
da ditadura. São quadros competentes, que servem ao governo
que entra. E havia uma boa vontade muito grande para com o novo
governo, porque a maior parte da
máquina era petista.
Folha - Qual foi a extensão das
mudanças no ministério?
Prado - Trocaram até DAS-1. São
funcionários que estão lá há anos
e respondem por atividades que
movem a máquina, como o setor
de protocolo. Não faz sentido trocar essas pessoas.
Folha - O PSDB agiu de outra forma ao assumir o governo?
Prado - Trocamos as chefias.
Dou um exemplo de como trabalhávamos. Quando criamos o
programa de formação de professores para a implantação dos parâmetros curriculares, em cada
lugar do país nos indicavam gente
com o perfil necessário. O ministério ia lá e selecionava. Boa parte
dos contratados era petista.
Agora, o governo está contratando uma nova rede. Nenhuma
das pessoas ficou. É bobagem perder profissionais qualificados.
Folha - Quanto à ocupação da máquina pública, a diferença entre PT
e PSDB é conceitual ou de escala?
Prado - Eles têm uma estrutura
partidária forte, algo que nunca tivemos. O PSDB é um partido de
quadros, com um núcleo de idéias
coesas. O PT tem a concepção de
organização de esquerda -a visão de que, quando um partido
assume o Estado, passa a moldá-lo à sua imagem, e o Estado, então, modela a sociedade.
Parece jogo de palavras, mas determina milhares de coisas. Nessa
situação, é claro que as pessoas
têm de "ter lado". Essa frase [do
ministro da Saúde, Humberto
Costa] é reveladora, porque é o
que está acontecendo na educação. De repente, a professora Maria José escolheu alguém por
competência, e essa pessoa teve
de dar lugar a outra que tinha lado -o lado de alguém que teve
força e brigou pela troca.
Folha - Qual é a consequência
prática dessa maneira de atuar?
Prado - O que me consolou na
desgraça que é ser governo, diante
de uma utopia muito grande que
a gente tem, foi a frase maravilhosa da Hannah Arendt: "As idéias
se estilhaçam frente à realidade".
E a realidade se impõe.
Vou dar o exemplo do Centro
Educacional Unificado [escolões
construídos pela Prefeitura de
São Paulo, petista]. O CEU é vendido como um projeto de inclusão social. Mas o que é isso? Na
educação, inclusão social significa
garantir que todos tenham acesso
à leitura e à escrita.
Ninguém pode ser contra inclusão social, mas o CEU vai levar a
isso? Não vai, assim como não levaram os Cieps [escolões feitos no
Rio durante a administração Brizola] e os Ciacs [projeto similar
do governo Collor]. Daqui a cinco
anos, aquela escola estará com as
mesmas deficiências de ensino.
Folha - Por quê?
Prado - Passamos oito anos
criando condições para entrar na
questão da qualidade. Nunca deixamos de mostrar que, tal como
as coisas são ainda hoje, boa parte
das crianças não aprende. E não
aprende por causa dos professores, que não sabem alfabetizar.
Não por culpa deles, mas porque
não aprendem em nenhum lugar
como se alfabetiza.
Folha - O que falta ao CEU?
Prado - Ele não modifica a formação dos professores. Se a criança de fato aprender a ler e a escrever e ainda jogar futebol, ótimo.
Mas, se você não mexe no que é
função precípua da escola, não
adianta dar teatro, ensinar a tocar
na orquestra, porque ela não vai
saber ler a partitura.
Além disso, como no caso dos
uniformes, é uma forma escondida de desviar recursos da educação para construir equipamento
comunitário, é retroceder do
avanço que foi fixar em lei um patamar mínimo de gastos do poder
público com a educação em si.
Folha - À parte os benefícios de
marketing, de onde vem o apego
do PT à questão dos uniformes escolares, agora encampada pelo governo federal?
Prado - Até a ditadura, o uniforme era um instrumento de equidade na escola pública. Nos anos
70, com a ampliação do acesso no
Sul e no Sudeste, entraram as
crianças pobres. Na periferia,
muitas não tinham uniforme. E
isso levava à arbitrariedade da diretora: só entra quem tem. Então
esse tema entrou na pauta das liberdades democráticas, e a obrigatoriedade caiu.
Por que o PT hoje leva isso a sério? Talvez por sua forte base de
prefeitos. Nos municípios, dar o
uniforme sempre foi tradição.
Posso entender que, morando
num bairro como Campo Limpo,
uma mãe se sinta mais segura se
seu filho estiver com um uniforme. Identifica essa criança. Agora,
isso é decisão municipal. Aliás,
devia ser de cada escola. Não é assunto para governo federal se meter. Governo federal tem de se
preocupar com outras questões.
Folha - Com quais questões?
Prado - Com o que interessa para melhorar a qualidade da educação pública. Em 1994, estavam
na escola 84% das crianças de 7 a
14 anos. Mesmo esse percentual
era realidade apenas no Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste. Estabelecemos como meta atingir
uma taxa de 97% de escolarização, o que aconteceu em 2001.
Por mais difícil que tenha sido
alcançá-la, sabemos que a taxa recuará em pouco tempo se não se
atacar com tudo a qualidade do
ensino. Qualquer técnico sabe
que a questão são os professores.
Por que o governo não está dando
continuidade a isso?
Folha - Não está?
Prado - Não. O que foi apresentado pelo MEC? Uma política de
certificação. Um exame nacional
para professores de 1ª a 4ª série.
Quem passa tem prêmio mensal
de R$ 150 durante cinco anos.
Quem vai ganhar esse prêmio?
Professor que tem ensino superior, morador de Porto Alegre,
Belo Horizonte, São Paulo, Rio de
Janeiro. O restante está fora. É
uma política que castiga quem,
por falta de alternativa, frequentou uma má faculdade.
Folha - O que fazer então?
Prado - Concentrar esforços na
briga para que as universidades
mudem o currículo, porque elas
não formam o professor de que a
sociedade precisa.
Há outro fato que não consigo
entender. Passamos um tempo
enorme organizando números
para pensar a realidade a partir de
dados concretos. Agora, os números são jogados no lixo a começar
pelo ministro [Cristovam Buarque]. Não entendo como ele diz
que há 20 milhões de analfabetos,
quando o IBGE informa que são
14,9 milhões. Sem levar os dados
a sério é impossível atuar.
Folha - Qual é o propósito de superestimar os analfabetos?
Prado - Justificou a criação de
uma nova estrutura, dentro do
MEC, que se propunha a acabar
com o analfabetismo em três meses. Isso não existe. Hoje se sabe
que, para alguém ser usuário da
escrita, precisa ter, no mínimo,
quatro anos de contato com ela.
Falta política. Sempre tivemos
como objetivo enfrentar a centralização da máquina do Estado,
que é a base do clientelismo. Começamos com a merenda, que foi
descentralizada para o município.
O que o governo faz agora? Pega
dinheiro que deveria ser usado na
formação de professores e na
compra de livros para as crianças,
que é onde realmente pode dar
uma diferença, e joga na merenda
para a pré-escola. Quem pediu?
Toda creche já é inaugurada com
cinco refeições diárias, sob responsabilidade da prefeitura. Por
que isso foi aprovado? Não sei,
mas é um retrocesso político.
Folha - Por que parece tão difícil
para o PSDB fazer oposição?
Prado - Estivemos no governo
durante muito tempo. Além disso, o PSDB nunca poderá, por
exemplo, votar em bloco contra
uma reforma de Previdência, proposta nossa, como o PT votou em
bloco contra o Fundef [Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério]. Todos
os prefeitos petistas do Nordeste
adoram o Fundef , que finalmente
lhes permitiu ter recursos de acordo com o número de alunos. E
mesmo assim o PT votou em bloco contra tudo.
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