São Paulo, terça-feira, 08 de outubro de 2002

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GOVERNO

"Graças ao meu estilo de governar, as oligarquias foram perdendo centralidade na política", afirma presidente

FHC elogia declínio do "caciquismo" no país


FHC aproveitou a oportunidade para dar uma alfinetada em Lula, afirmando que o petista está se aliando a oligarquias

Questionado sobre quando iniciaria a participação na campanha de Serra, o presidente afirmou: "Já comecei"



WILSON SILVEIRA
FLÁVIA SANCHES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No dia seguinte às eleições, ao fazer um balanço do primeiro turno durante uma entrevista, o presidente Fernando Henrique Cardoso aproveitou a oportunidade para dar uma alfinetada na candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que o petista está se aliando a oligarquias.
Ao ser questionado sobre a derrota de "caciques", FHC se vangloriou de, no seu governo, as oligarquias terem perdido o peso e a centralidade que tiveram no passado. Segundo ele, "graças ao meu estilo de governar, pouco a pouco as oligarquias, os caciques foram perdendo centralidade na política". Para FHC, a eleição mostrou que nenhum partido tem o monopólio do poder.
O presidente cobrou ainda mais clareza de ambos os candidatos à Presidência no segundo turno e afirmou que nenhuma proposta nova na área social foi apresentada até agora.
No dia em que, nos bastidores, começou a rearticular a aliança que deu sustentação a seu governo para apoiar o candidato José Serra (PSDB) no segundo turno, FHC afirmou que vai participar da campanha do presidenciável tucano dentro dos limites institucionais, sem se confundir com um cabo eleitoral.
Questionado sobre quando iniciaria a participação na campanha de Serra, afirmou: "Já comecei", dando a entender que a própria entrevista já fazia parte dessa campanha.
FHC fez uma avaliação das eleições em entrevista coletiva na sala de cinema do Palácio da Alvorada. Ele insistiu na necessidade de discutir propostas concretas no segundo turno e afirmou que, a despeito do debate, é importante "manter a compostura".
Em determinado momento, FHC foi questionado sobre o fato de ter considerado na entrevista, por diversas vezes, a hipótese de eleição de Lula, sem fazer a ressalva de que Serra é quem poderia ser eleito. Ele retrucou: "Está tudo ressalvado então". Leia abaixo trechos da entrevista, que durou pouco mais de meia hora:

FILAS PARA VOTAR - "Houve um ou outro problema, uma ou outra demora, quase nada, comparado com o passado. Realmente foi um êxito muito grande do Tribunal Superior Eleitoral. O fato de nós conseguirmos efetivamente implantar esse sistema de voto através da urna eletrônica é muito positivo, e acho que isso demonstra a maturidade do nosso país.

O RESULTADO - "O resultado aí está. Não cabe ao presidente da República julgar, senão respeitar resultados eleitorais. Vimos também que, pelos resultados apurados até agora, a distribuição dos partidos em cada Estado é muito variável. É prematuro fazer balanço, mas já se pode dizer uma coisa muito positiva, não há monopólio de poder político por parte de qualquer partido. Há os partidos que têm maior presença, mas só vamos ter a confirmação dessa presença no segundo turno."

LÍDERES GOVERNISTAS - "Quero dizer que me apraz muito ter verificado que, com exceção infelizmente do senador Artur da Távola [PSDB-RJ", que é um dos melhores senadores da República e que não conseguiu sua reeleição, os líderes do governo foram todos reeleitos com votações bastante expressivas. E, quando não foram reeleitos para o Senado ou para a Câmara, é porque estavam em disputa governamental e se situaram bem."

COMPOSTURA - "Agora, o importante é que nós mantenhamos o espírito democrático, que nós mantenhamos a capacidade de, ao discordar, ao termos embates partidários, nunca percamos de vista o interesse público, a compostura, que a campanha continue como foi essa primeira etapa, sem que vá para agressões de nível pessoal e que progressivamente as propostas se possam caracterizar com mais nitidez."

CLAREZA DE PROPOSTAS - "A razão do segundo turno é precisamente essa [o debate de propostas", dado que nenhum candidato obteve a maioria dos votos, que diga "eu posso governar porque tenho maioria absoluta", isso significa que a população precisa ter mais esclarecimentos. Eu espero que nesta segunda etapa seja possível colocar com mais clareza as propostas, porque nós vamos discutir caminhos para o Brasil. Não podemos pensar que o jogo eleitoral seja simplesmente um jogo de escolha entre pessoas. Contam sem dúvida as qualidades das pessoas, mas elas [as pessoas" representam forças, todas elas legítimas, forças sociais, forças políticas, forças econômicas."

PARTICIPAÇÃO NA CAMPANHA - "Eu tenho muita preocupação com a questão institucional. É preciso também que o Brasil aprenda que o governo, a máquina pública, não deve ser usada em campanha. Eu não usei. Nunca. Eu acho que isso é importante, quantas vezes eu ouvi opiniões de que "o governo viria com sua máquina...". Isso é passado.
É possível que marginalmente em um ou outro Estado ainda ocorram esses fenômenos que são arcaicos. Mas isso é do tempo das oligarquias. Eu acho que o presidente tem de manter a posição de presidente da República.
O que não significa não dizer ao país o que ele pensa. O que não significa não dizer quem ele está apoiando e as razões pelas quais está apoiando. Mas o presidente da República não pode se confundir com um cabo eleitoral. Eu acho que é preciso manter, por causa das questões institucionais, a posição de presidente da República, e manter essa compostura, se é que se pode dizer assim, e coibir o uso da máquina.
Essa é a minha limitação. Fora dessa limitação, eu farei no segundo turno o que for necessário para participar desse debate, esclarecendo sobre qual é o caminho para o Brasil e qual é o caminho que eu acho mais adequado. Mostrar que as mudanças que nós introduzimos são as que garantem a estabilidade, que é preciso haver mais reforma, que não se deve simplesmente prometer mudanças e não dizer como fazê-las."

VAI A PALANQUES? - "O que é que se chama de palanque? Isso aqui é palanque? Eu acho que o palanque em si é também uma coisa antiquada. O presidente da República ir a um comício? Não me parece que seja o melhor modo de esclarecer idéias."

CONSELHO - "É preciso ter muita preocupação com as palavras, porque um dos dois candidatos vai ser presidente, qualquer palavra já tem um peso nacional e internacional e é preciso portanto que haja clareza e compromisso com a definição de um caminho."

CACIQUES E OLIGARQUIAS - Em resposta a uma pergunta sobre a não-eleição de "caciques" (como Paulo Maluf e Orestes Quércia, em São Paulo, Newton Cardoso, em Minas, e Fernando Collor, em Alagoas), FHC afirmou: "Eu acho isso extraordinário. Isso é alguma coisa que eu tenho satisfação. É que, graças ao meu estilo de governar, pouco a pouco as oligarquias, os caciques foram perdendo centralidade na política brasileira. Sem fazer alarde, nós criamos uma situação democrática de tal natureza que as forças oligárquicas foram perdendo centralidade. Não é que elas não existam, mas elas não têm mais o peso que tiveram no passado, isso eu acho muito positivo."

OLIGARQUIAS E LULA - "Agora eu vejo até que as forças oligárquicas, talvez para tentar sobreviver, correram para o Lula, o que me parece um pouco contraditório."

ADIAMENTO DA POSSE - "Não cabe a mim discutir data de posse. Essa data é sabidamente inconveniente [1º de janeiro". Não creio que haja tempo nesta altura dos acontecimentos para mudanças. Em segundo lugar, também pessoalmente eu não me sentiria cômodo de ter um dia do meu mandato prorrogado. Sempre fui contrário aos mandatos biônicos, não me sentiria cômodo. Já até disse que eu preferiria, então, se for o caso para acertar a posse, que se antecipe e não que se prorrogue. Minha opinião pessoal é essa."

PROPOSTAS - "Eu acho que uma eleição dessa magnitude, com essa importância que ela tem, a questão central é o que se diz, o que o candidato diz, os que o apóiam dizem. Finalmente, o que vamos fazer com este país? Os candidatos têm de dizer com mais clareza. Não basta dizer "Estou contra tudo que aí está", mas a favor do quê? Qual é a outra [política", qual é a política que está sendo proposta? Isso vale para todos os candidatos. Não estou me referindo especificamente a um."

LULA E O CONGRESSO - "São duas hipóteses que eu não quero discutir. Primeiro a eventualidade de [Lula" ser eleito. Segundo, tem de ter dificuldade. Acho que isso depende tanto das circunstâncias. O Executivo, quando tem uma proposta no Congresso, em qualquer Congresso, tem dificuldade. Como o presidente não é e nem deve ser um ditador, autoritário, vai ter de conversar com o país em geral e com o Congresso especificamente, que são as forças políticas organizadas que representam o país. Que têm opiniões diversas."

ENÉAS - "Eu quando era senador propus e consegui aprovar na Comissão de Justiça do Senado a mudança deste sistema eleitoral, para fazer um sistema distrital misto. Exatamente para evitar que esse sistema de proporcionalidade produza esses resultados [como a eleição de candidatos do Prona com pouquíssimos votos". Infelizmente essas reformas têm sempre bloqueios porque há outros interesses, legítimos. Eu sou contra o sistema tal como ele é exercido no Brasil, que levam a distorções, esse é um exemplo claro, escandaloso de distorção.
Votar em protesto não creio que seja uma anomalia. A anomalia é, ao votar para protestar, carregar mais quatro ou cinco."

ELEIÇÃO E GOVERNO - "Eu não vejo que essa eleição tenha sido um plebiscito. Eu acho que vai ser agora [no segundo turno", mas não um plebiscito sobre o governo. É um plebiscito sobre o que estão propondo para o Brasil, essa é a questão. O que vai estar em jogo, para o eleitorado, o que está sendo proposto para o Brasil. Quem não é a favor de mudança? É o slogan mais generalizado e neutro, todo mundo quer mudança. Agora, o que vai mudar, de que pra quê e qual é a consequência. Então, isso é que eu acho que tem de ficar mais claro nesse segundo turno."

SERRA É DIFERENTE - "Eu não acho que se devam unir figuras. Isso é uma questão de um jogo de marketing. O José Serra é bastante diferente de mim, como pessoa, como estilo, como personalidade, é muito bom que seja. Não tem de votar porque é parecido ou distante de mim. Eu acho que as pessoas devem se apresentar como elas são."

PRIMEIRO TURNO - "No debate anterior, o que houve foi muito pouca apresentação objetiva dos caminhos que estavam sendo propostos e muito mais um jogo de imagens e de acusações genéricas ao atual governo, na suposição que, ao fazê-las, teriam voto. Suposição. Não tenho a prova porque não houve o contrário".

INFLAÇÃO - "Este governo foi estrito na execução orçamentária, porque disse "não" a benesses que eram impossíveis. Quando alguém começa a dizer "eu vou fazer isso, vou fazer aquilo", eu digo: "a consequência é a inflação". O povo tem de saber. Se fizer isso, vai ter inflação. Quer inflação?"

SEM PROPOSTA NOVA - "O segundo turno vai dar margem para discussão. Qual vai ser a política social? Eu não vi nada novo no debate eleitoral, nada, nenhuma proposta nova, nada, zero, zero. Fazer mais com que dinheiro? Zero. Vai acabar com a Bolsa-Escola, não vai fazer o Fundef [fundo de valorização do magistério e do ensino fundamental". Eu espero que, se ganhar o Lula, tudo o que o PT votou contra vai votar a favor agora. Se não, vai ter de acabar com o Fundef, vai ter de fazer uma porção de modificações na questão de certos fundos que foram dados para créditos. Então, eu espero que, agora que estamos chegando num momento mais da realidade, as coisas sejam mais esclarecidas. O país tem direito de saber com mais firmeza, qual é a implicação das propostas".

INDICAÇÃO DA EQUIPE - "Lula disse que, quando for eleito, vai indicar o ministério todo. Eu acho que ele tem razão. Eu não vejo que se deva estar cobrando só tal posição e qual posição. Nossa preocupação é com o Brasil. O Brasil tem ministro da Fazenda, mas também tem ministro da Educação, da Saúde, dos Transportes, da Reforma Agrária, tem uma porção de outros ministros que são importantes".

TRANSIÇÃO - "As decisões são minhas até o dia 31 de dezembro. Aliás, o Lula tem repetido isso, como não querendo assumir, e com razão, antes da hora. Nem ninguém deve assumir antes da hora, a decisão é do governo, é minha, é dos ministros e do governo até 31 de dezembro sobre quaisquer assuntos. Agora, uma vez eleito um presidente. eu acho que é preciso que haja uma transferência de informações."


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