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20 ANOS DE CONSTITUIÇÃO
Texto da Constituição não é imutável, afirma Jobim
Folha organiza debate sobre os 20 anos da promulgação, completados no domingo
O ministro Nelson Jobim (Defesa), 62, que
há 20 anos participou do processo de elaboração da Constituição Federal, disse
ontem que o texto aprovado não é eterno
e deve ser atualizado para acompanhar a realidade do
país. Jobim, que foi deputado constituinte, defendeu a
PEC, que é um instrumento do Poder Legislativo destinado a alterar o texto constitucional.
Essa foi uma das idéias discutidas ontem durante o
debate organizado pela Folha sobre os 20 anos da
Constituição Federal. Além do ministro Jobim, participaram do evento o ex-senador e ex-relator-geral
da Assembléia Nacional Constituinte, Bernardo Cabral, 76, o advogado José Afonso da Silva, 83, que foi
assessor jurídico durante a Constituinte, e o constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins, 73.
DA REPORTAGEM LOCAL
Jobim disse que a Carta precisa sofrer alterações para se
ajustar aos tempos recentes.
"Não posso pensar que aquele
trabalho do qual participamos
há 20 anos deve ser mantido
porque é considerado um texto
eterno. Isso quem vai decidir é
o processo democrático. Não
podemos querer ter um texto
eterno, porque texto eterno
não diz nada. Vamos respeitar o
processo democrático."
O constitucionalista Ives
Gandra concordou com a necessidade de mudança. "Em 20
anos de Constituição, foram
feitas 62 emendas ao texto original", disse, sem considerar
um exagero. Para ele, a preocupação são as cerca de 1.600 propostas de emenda à Constituição que estão no Congresso.
Mais radical, Bernardo Cabral, que foi deputado constituinte, disse que as emendas
transformaram a Carta num
"canteiro de obras". O mais grave, afirmou, é que a maior parte
das alterações está atrelada a
interesses circunstanciais. "Se
refletirmos sobre o número
enorme de emendas vamos verificar que alguns autores estão
querendo mais uma homenagem a seu arraial eleitoral."
BASTIDORES
Durante o evento, os quatro
debatedores relembraram as
circunstâncias da aprovação da
Carta, em 1988. Da platéia,
acompanharam a discussão os
ex-deputados federais Egídio
Ferreira Lima e Cunha Bueno,
que também fizeram parte do
grupo que estudou e votou o
texto constitucional.
O professor José Afonso da
Silva relembrou que a discussão da Constituinte surgiu porque o Brasil vivia um momento
de ilegitimidade constitucional, decorrente de um longo período de presidentes do regime
militar (1964-1985). "Toda vez
que se tem um sistema ilegítimo, há uma postulação de legitimação que se faz por uma nova Constituinte", afirmou Silva.
À época, o próprio Tancredo
Neves, alçado à Presidência da
República pelo Colégio Eleitoral, havia prometido durante a
campanha que convocaria uma
comissão para elaborar um
projeto constituinte. "Essa comissão, que ficou conhecida como Afonso Arinos, era o fórum
de discussão e tinha uma repercussão importante em toda a
imprensa", disse Silva.
Com a morte de Tancredo e a
posse de José Sarney o cenário
mudou, disse Jobim. "Sarney
não tinha a força política de
Tancredo para enviar para o
Congresso um projeto de Constituição. Então Ulysses Guimarães pediu à assessoria da Câmara que criasse uma comissão
que elaborasse um anteprojeto
para ser votado no plenário."
Ulysses Guimarães (1916-1992) era o presidente da Câmara dos Deputados e da Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988).
Com o texto do anteprojeto
pronto, o Centrão -grupo conservador e pluripartidário-
entrou em cena e defendeu um
modelo de elaboração próprio.
Como tinha a maioria na Assembléia, prevaleceu o modelo
do Centrão, mas o anteprojeto
feito a pedido de Ulysses foi incorporado ao texto por meio da
aprovação de destaques.
POLÊMICA
A versão final da Constituinte seguiu para a Comissão de
Redação. Em 2003, Jobim revelou que, quando o texto chegou à comissão, foram acrescentados pontos que não passaram pelos dois turnos de votação no Congresso. "Quando
disse isso, a esquerda constitucionalista da avenida Paulista
pediu o impeachment contra
mim", disse ontem Jobim.
Segundo ele, na comissão foram encontradas várias contradições. Então, disse, os líderes
da época discutiram as mudanças necessárias, que foram
aprovadas pelo plenário, como
se fosse um terceiro turno.
O professor José Afonso da
Silva disse que estudou todas
essas mudanças e não localizou
nenhuma alteração fundamental, que pudesse modificar o
significado do texto que foi votado pelos deputados constituintes nos dois turnos.
"Eu queria lembrar uma coisa interessante e que agora os
cientistas políticos começam a
examinar, que é como uma
Constituinte majoritariamente
conservadora produziu uma
obra razoavelmente progressista", disse o professor.
Para Silva, a Carta promulgada em 1988 é inquestionável do
ponto de vista político. "Vivemos um regime de liberdades
amplas, com eleições livres. Todos os problemas que temos tido estão sendo resolvidos com
base na Constituição. Convém
evocar mais uma vez Ulysses
Guimarães, que disse: "Nós vamos, a Constituição fica"."
Como exemplo da contemporaneidade da Constituição,
Bernardo Cabral destacou alguns mandamentos da Carta,
como acesso à informação, sigilo da fonte e fim da censura. Para ele, trata-se de um dos textos
mais avançados do mundo.
"Tem ainda o Ministério Público, que hoje é um órgão importante no combate à corrupção. Foi a Constituição de 1988
que deu essa autonomia à instituição", afirmou Cabral.
EQUILÍBRIO
O advogado Ives Gandra
apontou uma "aparente falha"
do texto constitucional, que,
num primeiro momento, visava um regime parlamentarista
e, depois, no meio do caminho,
ficou presidencialista.
"O curioso é que essa conformação levou a um equilíbrio de
poderes que considero o elemento mais importante da
atual Constituição. Tivemos o
impeachment do presidente
Collor, tivemos recentemente
parlamentares afastados, tivemos ainda o escândalo do mensalão, e a Constituição de 1988
regeu democraticamente todos
esses processos", disse.
Para Cabral, "nada tira a beleza do texto constitucional".
"Quando foi aprovado, existiam os profetas da catástrofe
que diziam que essa Constituição não duraria seis meses ou
que deixaria o país ingovernável. Só o tempo para mostrar
que essa afirmação não tem como se manter em pé."
Assista a vídeo do debate
sobre a Constituição
www.folha.com.br/082811
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