São Paulo, terça-feira, 08 de novembro de 2005

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COMENTÁRIO

Mesmo frágil e vago, Lula nada perde

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

P rogramas como o "Roda Viva" sempre enganam um pouco a gente. O entrevistado fala muito, passa para o assunto que bem entende, emociona-se, descontrai-se, fica subitamente enfático, e no fim ninguém se lembra direito qual a pergunta que tinha sido feita. A entrevista de Lula não foi exceção. Mesmo quando pressionado pelos jornalistas -Heródoto Barbeiro, o âncora do Jornal da Cultura, foi talvez o mais incômodo-, o presidente parecia à vontade e pode até ter transmitido a impressão de que se saiu bem no seu confronto com a imprensa.
Só que, analisando melhor, não foram poucas as vezes em que Lula deu respostas fracas aos jornalistas. Cobraram-lhe o fato de não conceder entrevistas coletivas com freqüência. Lula respondeu que faz discursos todo dia, está o tempo todo dando declarações, a ponto de às vezes ficar até cansado consigo mesmo... Como se pronunciar discursos num palanque fosse a mesma coisa que se expor às perguntas dos repórteres.
Lula negou a existência de caixa dois na campanha para a Presidência. Mas não tinha dito, em Paris, que isso era o que todo mundo fazia? Vangloriou-se de que em seu governo há três CPIs em funcionamento. Mas não é notório que o governo fez tudo para impedir a criação das CPIs? Afirma-se convicto: é totalmente improvável que o PL tenha dado dinheiro ao PT. Mas a acusação não era essa, e sim o contrário... Detalhe que se perde no vozerio geral.
Da febre aftosa -a que tinha sido debelada e que não foi- ao contrato do filho de Lula com a Telemar, passando por Roberto Jefferson e pelo sentido geral da história humana, a fala presidencial patinou pelos mais diversos assuntos, sendo quase sempre inconvincente. Quando a coisa apertava, vinha a resposta padrão: não se pode acusar sem provas, e a CPI vai investigar.
No fundo, esse modelo retórico de Lula frente às acusações tem semelhança com seu próprio estilo de governar. Trata-se, ao que tudo indica, de delegar poderes: "deixa que alguém cuida disso". Lula não deu novos argumentos para quem quer apoiá-lo; mostrou-se, até, mais frágil e vago do que seria de esperar. O paradoxal é que sua credibilidade, apesar disso, não sai diminuída: sua mera disposição para se explicar tão longamente, sem mostrar irritação nem embaraço, já conta a seu favor.


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