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COMENTÁRIO
Mesmo frágil e vago, Lula nada perde
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
P rogramas como o "Roda Viva" sempre enganam
um pouco a gente. O entrevistado
fala muito, passa para o assunto
que bem entende, emociona-se,
descontrai-se, fica subitamente
enfático, e no fim ninguém se
lembra direito qual a pergunta
que tinha sido feita. A entrevista
de Lula não foi exceção. Mesmo
quando pressionado pelos jornalistas -Heródoto Barbeiro, o âncora do Jornal da Cultura, foi talvez o mais incômodo-, o presidente parecia à vontade e pode até
ter transmitido a impressão de
que se saiu bem no seu confronto
com a imprensa.
Só que, analisando melhor, não
foram poucas as vezes em que Lula deu respostas fracas aos jornalistas. Cobraram-lhe o fato de não
conceder entrevistas coletivas
com freqüência. Lula respondeu
que faz discursos todo dia, está o
tempo todo dando declarações, a
ponto de às vezes ficar até cansado consigo mesmo... Como se
pronunciar discursos num palanque fosse a mesma coisa que se
expor às perguntas dos repórteres.
Lula negou a existência de caixa
dois na campanha para a Presidência. Mas não tinha dito, em
Paris, que isso era o que todo
mundo fazia? Vangloriou-se de
que em seu governo há três CPIs
em funcionamento. Mas não é
notório que o governo fez tudo
para impedir a criação das CPIs?
Afirma-se convicto: é totalmente
improvável que o PL tenha dado
dinheiro ao PT. Mas a acusação
não era essa, e sim o contrário...
Detalhe que se perde no vozerio
geral.
Da febre aftosa -a que tinha sido debelada e que não foi- ao
contrato do filho de Lula com a
Telemar, passando por Roberto
Jefferson e pelo sentido geral da
história humana, a fala presidencial patinou pelos mais diversos
assuntos, sendo quase sempre inconvincente. Quando a coisa
apertava, vinha a resposta padrão:
não se pode acusar sem provas, e
a CPI vai investigar.
No fundo, esse modelo retórico
de Lula frente às acusações tem
semelhança com seu próprio estilo de governar. Trata-se, ao que
tudo indica, de delegar poderes:
"deixa que alguém cuida disso".
Lula não deu novos argumentos
para quem quer apoiá-lo; mostrou-se, até, mais frágil e vago do
que seria de esperar. O paradoxal
é que sua credibilidade, apesar
disso, não sai diminuída: sua mera disposição para se explicar tão
longamente, sem mostrar irritação nem embaraço, já conta a seu
favor.
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