São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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NO PLANALTO

Legado de FHC inclui vistoso abacaxi educacional

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O legado de FHC não é doce. Faça-se, porém, justiça: os relatórios entregues à equipe de Lula apresentam o pior da melhor maneira possível. Abacaxis ácidos ganham, por vezes, a aparência de morangos.
O Ministério da Educação é um pomar que orgulha o tucanato. Pois mesmo ali há frutos acerbos. Um deles não mereceu, por ora, a atenção do PT. Chama-se escândalo das escolas técnicas.
Brotou e floresceu sob Paulo Renato. Terá de ser descascado pelo sucessor. Está em Belém o pé mais vistoso do problema. Mas há mudas espalhadas pelo país.
Recomenda-se ao PT que esqueça os edulcorados papéis da transição. Melhor requisitar o relatório 87.863 da Controladoria Geral da União, órgão da Presidência. É fresco como fruta de época. Foi fechado em 24 de setembro.
Traz o resultado de auditoria realizada no Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica) do Pará. O caso foi esboçado aqui, nove meses atrás. Passado a limpo pelos auditores, resultou num quadro imundo.
O Cefet/PA tem cerca de 7.000 alunos. É custeado pelas arcas públicas. Um dos malfeitos listados aqui em 3 de março foi a criação de uma espécie de "bolsa-avacalhação". Dinheiro que escorria de contas da escola para contas particulares.
Entre os beneficiários estavam dois auxiliares de Paulo Renato: Ruy Leite Berger Filho, chefe da secretaria incumbida de supervisionar as escolas técnicas; e Manoel Mendes de Oliveira, coordenador de Planejamento da mesma repartição.
Sabia-se que, na conta de Ruy Berger, pingara depósito mixuruca: R$ 5.000. "Não era para ter nada", reconheceu Berger na ocasião. Na conta de Manoel Mendes foram borrifados três depósitos: R$ 8.000 no total. Afastaram-se de suas funções.
O Ministério Público e a Controladoria da União aprofundaram as investigações. Foi descerrado o sigilo bancário da escola e dos funcionários.
Descobriu-se que, embora tivesse recebido salários de R$ 274 mil nos últimos cinco anos, Ruy Berger movimentou em sua conta R$ 755 mil -R$ 39.500 vieram do Cefet/PA. O repórter tenta encontrá-lo, sem sucesso, desde quarta-feira.
Os proventos de Manoel Mendes somaram R$ 546 mil no mesmo período. Por sua conta escoaram R$ 2,2 milhões -R$ 33.350 vindos da escola paraense.
Localizado, Mendes disse que pagou por serviços que terceiros prestaram ao Cefet/PA. E foi "ressarcido". Daí os depósitos. Mais não quis dizer. Conversaria com o advogado. Ligaria de volta. Não ligou.
"Há fortes indícios de que tais movimentações possam configurar improbidade administrativa por desvio de recursos públicos", anota o texto da auditoria.
Além de Ruy Berger e Manoel Mendes, outros nove funcionários e ex-funcionários do MEC penduraram-se à "bolsa-avacalhação". Juntos, beliscaram R$ 294 mil.
Os auditores contabilizaram o naco já documentado da malfeitoria: R$ 4,5 milhões. Há de tudo, de notas frias a contas bancárias paralelas, desconectadas do Siafi, o sistema eletrônico de monitoramento dos gastos governamentais.
O relatório menciona também outras despesas que, por malcheirosas, encontram-se sob análise: R$ 7 milhões. Tudo somado, o ananás do Pará pode custar R$ 11,5 milhões. É metade do orçamento anual da escola (R$ 24 milhões).
Colecionaram-se indícios de que o ambiente de casa-da-mãe-joana se repete em outros Estados. O MEC mantém rede de 72 escolas técnicas e agrotécnicas. Os sinais de contas carunchadas vêm de locais variados, do Piauí a Mato Grosso.
Decidiu-se ampliar a investigação. Trabalho minucioso, demorado. Encrenca para meados de 2003. Mobilizará um time de procuradores da República.
Em janeiro, o ministro petista da Educação terá de indicar novo diretor para o Cefet/PA. Há uma lista com três nomes, escolhidos em eleição: Edson Ary Fontes, Arenales Faustino dos Santos e Carlos Alberto Mota.
Edson recebeu R$ 35.500 desviados do Cefet. "É pagamento de projetos que fiz para escola como engenheiro." Recebe gratificação salarial irregular. "Entrei na Justiça e obtive vitória em liminar."
Diretor de Ensino, Arenales é associado a irregularidades administrativas. "Assumi o posto em maio. Não posso responder pelo que houve antes." Sem diploma universitário, seu irmão foi contratado como professor. "Fez concurso e passou. Não tomei parte." Recebe gratificação micada. "Responsabilidade de quem concedeu. Era algo generalizado. Não fui ouvido."
Carlos Alberto, o terceiro candidato a diretor, tem no contracheque um adicional de periculosidade. Que recebeu mesmo nos cinco anos em que fez doutorado em Santa Catarina. "Quando saí, pedi autorização. Caberia aos setores competentes dizer que gratificações eu deveria manter ou não."
Chama-se Sérgio Cabeça Braz o ex-diretor do Cefet/PA cuja gestão está sob questionamento. Comandou a escola por impressionantes 18 anos. Só Paulo Renato o reconduziu ao posto duas vezes. Afastou-o depois do que aqui se revelou em 3 de março. Determinou a abertura de processo administrativo disciplinar.
Sérgio Cabeça obteve liminar judicial sustando o processo. Prossegue, porém, o trabalho do Ministério Público e da Controladoria da União. O repórter não o localizou. Ligou seis vezes para o advogado dele, Inocêncio Mártires Coelho Jr. Deixou recados que não foram respondidos.
Procurado, Paulo Renato preferiu guardar silêncio. Em oito anos de gestão, não conseguiu enxergar o opulento abacaxi que vicejava no seu quintal. A esta altura, melhor mesmo tentar agir do que falar.



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