São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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PÚBLICO X PRIVADO

Esquema milionário surpreende mercado; para especialistas, objetivo seria a revenda de concessões

Deputado gasta R$ 50 mi em compra de TVs

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O deputado federal João Caldas, presidente regional do PL em Alagoas, está por trás das empresas Rádio e TV Caldas e Rádio e TV Schappo, que surpreenderam o mercado de radiodifusão, na semana passada, ao oferecer R$ 24,4 milhões por uma concessão de TV em Campinas e R$ 16,7 milhões por uma concessão de TV em Jundiaí, no interior de São Paulo, em licitações públicas do Ministério das Comunicações.
As cifras referem-se a valores de junho de 2001, quando as propostas foram entregues. Com a correção pelo IGP-DI, adotada pelo ministério, os valores sobem para R$ 29,9 milhões e para R$ 20,5 milhões, respectivamente, o que dá um valor total de R$ 50,4 milhões atualizados.
Empresas grandes, como o SBT e a Bandeirantes, participaram das licitações e foram derrotadas pelo grupo do deputado.
Mais surpreendente ainda é o esquema que foi usado na criação das empresas.
Elas foram abertas em nome de assessores do parlamentar, remunerados pela Câmara, e de pessoas humildes, que figuram como acionistas minoritários. Os contratos sociais são idênticos e foram registrados no mesmo dia, e no mesmo cartório, em Paracatu, Minas Gerais, próximo da divisa com Goiás.
As testemunhas que aparecem nos contratos são também ligadas a João Caldas, mas ele próprio não aparece na documentação. O parlamentar já tem cinco rádios e uma TV educativa em Alagoas, em nome da Fundação Quilombo, registrada em nome de outra assessora paga pela Câmara: Maria Betânia Botelho Alves, secretária do escritório dele em Maceió.

Licitações
Há indícios de que o grupo tem pretensões nacionais, pois as empresas que venceram as licitações no interior de São Paulo vêm disputando concorrências em vários Estados.
A Rádio e TV Schappo entrou em 42 licitações e já levou uma TV em Parnaíba (Piauí) e duas rádios FM no interior de Alagoas, fora a TV de Jundiaí.
A Rádio e TV Caldas participa de 29 concorrências, a maioria está em fase de habilitação ou de classificação.
A TV Caldas traz o sobrenome do deputado em sua razão social, mas está registrada em nome das irmãs Lara de Araújo Amorim -acionista majoritária, com 90% das cotas- e Laís de Araújo Amorim, de Maceió.
Segundo a administração da Câmara dos Deputados, Lara trabalha para a liderança do PL e faz parte dos assalariados que ocupam cargos em comissão. Ela estaria a serviço do partido em Alagoas. A liderança do PL não informou o salário da assessora nem seu local de trabalho, alegando sigilo funcional.
A Rádio e TV Schappo, por sua vez, está registrada em nome do assessor parlamentar Evandro José Schappo, lotado no gabinete de deputado em Brasília. Segundo a Câmara, ele é assessor nível 26. O salário bruto correspondente a esta faixa é de R$ 2.587,00 mensais.
A exemplo de Lara Amorim, Schappo é o sócio majoritário, com 90% das cotas. Os 10% restantes estão em nome de Simony Oliveira Martins, professora particular na pequena cidade de Unaí (MG). Ela entrou na história pelas mãos do pai, o técnico em eletrônica Sebastião Cândido Júnior, que presta serviços a empresas de rádio.
Procurada pela Folha, a moça limitou-se a dar o número do telefone do pai, que, segundo ela, é seu procurador no negócio.
Na avaliação de empresários e de especialistas em radiodifusão, a quantidade de licitações disputadas pelo grupo e a diversidade de locais de interesse indicam que o objetivo seria o de revender as licenças ou parte das cotas das empresas no mercado. Empresas derrotadas nas licitação já teriam, inclusive, recebido sinais nesse sentido.

167 vezes mais
A licitação de Campinas foi disputada por 18 empresas. O edital estabelecia o preço mínimo de R$ 146.006,00 pela outorga, mas a TV Schappo multiplicou este valor por 167 vezes. Houve grande divergência quanto ao valor da concessão. As ofertas variaram de R$ 1,8 milhão aos R$ 24,4 milhões da proposta vencedora. A Bandeirantes ofereceu R$ 2,1 milhões e o SBT, R$ 12,7 milhões.
O fenômeno se repetiu na licitação de Jundiaí, que teve 23 participantes. O preço mínimo era de R$ 364.032,00 e as propostas foram de R$ 801 mil aos R$ 16,7 milhões oferecidos pela TV Caldas.
Segundo especialistas, a concessão de Campinas saiu pelo maior preço já registrado em licitações públicas de radiodifusão.
Para se ter uma idéia de comparação, o grupo Traffic pagou R$ 100 milhões à família Marinho por 90% do capital de três empresas de TV, afiliadas da Globo, no interior de São Paulo: Sorocaba, Bauru e São José do Rio Preto.
A comissão de licitações não questionou a capacidade financeira dos sócios da Rádio e TV Caldas para honrar um compromisso tão alto.
Se os membros da comissão tivessem telefonado para a sede da empresa, em Paracatu, teriam descoberto que o endereço corresponde à casa do mecânico Pedro Antônio Morais Moura e de sua mulher Gislane Lima Porto, auxiliar de escritório.



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