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São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2003

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VIAGEM AO ORIENTE

Presidente diz que, para ser soberano, precisa ser "dono do nariz"

Lula prega política "agressiva" de países pobres contra ricos

Alan Marques/Folha Imagem
Presidente Lula é recebido pelo xeque Zayed bin Sultan Nahyan, no Palácio Al Bahr, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos


FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A DUBAI

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse querer uma política externa "agressiva" para implementar uma idéia fixa: aumentar a influência de novos blocos regionais no mercado externo para se contraporem a Estados Unidos e União Européia.
Em sua primeira entrevista coletiva no giro pelos países árabes, Lula disse que pretende ampliar o G3 -Brasil, África do Sul e Índia- para G5, com Rússia e China. O Brasil lidera o GX (antigo G20), grupo de países em desenvolvimento que busca concessões dos EUA e da União Européia.
Lula comentou a polêmica criada na Síria, quando assinou documento com o governo local em defesa da desocupação do Iraque. "Tenho dito desde o início que nenhum país respeita a subserviência", disse. Afirmou que as posições do Brasil "podem deixar alguém magoado". E completou: "Mas também ninguém nunca me telefonou para perguntar se a política que está fazendo está correta. Ou seja, soberania pressupõe eu ser dono do meu nariz".
A seguir, a entrevista dada em Abu Dhabi, antes de ir a Dubai:

VIAGENS -"Acho que o presidente da República tem de viajar toda vez que ele considerar importante. Eu tenho consciência do papel histórico que estamos cumprindo lá no Brasil [...] Entendo que é necessário divulgar o novo tempo que o Brasil está vivendo e estabelecer novas relações com esse mundo. Obviamente que, no ano que vem, não preciso viajar tanto, porque a semente está plantada.
A única atividade que não permite intermediários é a relação política, e ela tem que ser feita através de uma relação humana muito forte. Não existe e-mail, fax, telefone que substitua o olho no olho, o aperto de mão, o abraço entre os seres humanos, sejam eles governantes ou não."

CÚPULA ÁRABE - "Vamos fazer um grande encontro no Brasil [em 2004], que eu penso que será um marco fantástico, que será a reunião de chefes de Estado da América do Sul com o mundo árabe. A minha presença é para dizer aos irmãos árabes que a relação que queremos ter com eles, o encontro que queremos fazer no próximo ano entre os países árabes e a América do Sul é pra valer, é uma coisa muito séria que pode resultar no crescimento das nossas relações."

ORIENTE MÉDIO - "O Brasil tem uma posição clara. Queremos o reconhecimento do Estado palestino, do Estado de Israel. Queremos garantir a segurança do Estado de Israel, mas queremos garantir que os palestinos possam viver como um povo livre, soberano, sem ingerência. Eu tenho dito desde o início que nenhum país respeita a subserviência. Não tem nada mais importante nas relações entre dois países, ou dois seres humanos, do que o respeito que um tem pelo outro. Inclusive em momentos de adversidade.
No dia 10 de dezembro, quando fui a Washington, ainda não era presidente da República empossado, mas eleito, conversamos sobre a Guerra do Iraque. Eu disse ao presidente [George W.] Bush que a única guerra que interessava a mim era a de combate à fome no meu país [...] Isso continua intacto, em pé. Somos um país que tem soberania, que sabe o que quer. Sabemos que muitas coisas que vamos fazer poderão deixar alguém magoado. Mas também ninguém nunca me telefonou para perguntar se a política que está fazendo está correta.
Soberania pressupõe eu ser dono do meu nariz. E penso primeiro no Brasil para fazer a minha política internacional, da mesma forma que os EUA pensam primeiro neles. O problema é que, no Brasil, de vez em quando, há gente mais americana que os próprios americanos. Isso é uma coisa lamentável [...] Eu digo todo dia: respeito é bom, gosto de dar e gosto de receber. Isso vale para a política interna e para a externa."

MULTILATERALISMO - "O Brasil tem um papel potencial extraordinário. Pode exercer papel fundamental no fortalecimento do Mercosul, no fortalecimento da América do Sul e no fortalecimento dos países que têm as mesmas condições do Brasil. Por isso fizemos viagens à África, reuniões com todos os países da América do Sul, criamos o G3. E é por isso que estamos interessados em aprofundar nossas relações com o mundo árabe, China e Rússia.
Entendemos que, fazendo isso, o Brasil estará em condições de obter a força necessária e fazer com que o comércio mundial seja mais equilibrado, de fazer com que as barreiras muitas vezes impostas por tarifas dos países ricos para os países menos desenvolvidos sejam mudadas."

NOVOS BLOCOS - "Nós temos que fazer a consolidação do G20. Para nós é muito importante. Queremos consolidar o G3. Queremos ampliar para o G5. Vamos tentar trabalhar isso no próximo ano. Junto com essa viagem, certamente estaremos fortalecendo o G20. Teremos uma reunião de ministros no próximo dia 12 no Brasil. Daqui para frente, o Brasil vai continuar, quem sabe, até ser um pouco mais agressivo na sua política internacional. Nós chegamos à conclusão a que todo mundo deve ter chegado: não podemos ficar esperando que as oportunidades se apresentem ao Brasil. Nosso objetivo é fazer com que tenhamos uma força que, quando sentarmos com os EUA e com a União Européia, eles saibam que estão negociando com um país que, embora saiba que tem uma relação privilegiada com eles, tem um desejo de crescer a sua relação comercial."

EUA E UNIÃO EUROPÉIA -"Nós não temos a idéia de provocar um choque. Temos a idéia de fazer valer a vontade do nosso país e dos países em desenvolvimento na nossa relação econômica e comercial. Tenho dito que nenhum país do mundo pode abdicar da relação privilegiada que temos com EUA e União Européia, que são [...] os maiores aliados comerciais do nosso país. Mas queremos mais. Queremos ter espaço junto a outros países para que possamos vender e comprar mais, para que possamos trocar os conhecimentos científicos e tecnológicos."

IRAQUE - "O Iraque ainda tem um futuro muito incerto. Entretanto, seu processo de reconstrução abre perspectivas para empresas de todo o mundo. O Brasil, sobretudo no que diz respeito à reconstrução, tem conhecimento tecnológico, tem conhecimento em engenharia para competir com qualquer país do mundo. Se numa reunião de governo entendermos que é conveniente a montagem de um escritório [...], não teremos nenhum problema em montar esse escritório."


Os repórteres FERNANDO RODRIGUES e ALAN MARQUES viajam no avião do governo nas deslocações do giro internacional do presidente pelos países árabes por falta de opção de vôos comerciais para esta cobertura jornalística


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