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GOVERNO X PT
Deputado critica propostas do governo para mudar Previdência e vê conselho social como um fórum conservador
Reforma é agrado ao mercado, diz Valente
Ana Ottoni/Folha Imagem
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Ivan Valente, que critica possíveis punições do PT contra deputados da ala esquerda do partido |
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
O deputado federal Ivan Valente, integrante do grupo mais à esquerda do PT, diz que a proposta
de reforma previdenciária apresentada até aqui pelo governo é
uma tentativa de agradar ao mercado, interessado nos fundos de
Previdência complementar que
seriam criados com a instituição
de um teto para aposentadorias.
Valente afirma que a discussão
política deve ser centrada nos movimentos sociais organizados e no
Congresso, e não no Conselho de
Desenvolvimento Econômico e
Social, que vê como um fórum
com tendência conservadora. "Eu
não quero valorizar esse conselho
como um instrumento que dá rumos e direção", afirma.
Valente pode ser definido como
um moderado entre os radicais.
Defende que as divergências das
alas à esquerda no PT com os rumos da política econômica devem
ser "qualitativas", centradas no
conteúdo político. Mas também
diz que punições "para solucionar
conflitos políticos nunca funcionaram em nenhum partido".
Folha - Como o sr. avalia as manifestações recentes de integrantes
da esquerda do PT, como a do deputado Babá (PT-PA), que disse que
não confiava no ministro Palocci
""nem como médico"?
Ivan Valente - Acho que temos
que centrar a discussão no PT em
cima de propostas políticas. As divergências precisam aflorar em
cima da discussão qualitativa. Em
cima do conteúdo, do projeto que
está sendo implementado de política econômica, do projeto da
Previdência.
Folha - A forma como eles conduziram a crítica pode atrapalhar a
estratégia da esquerda do partido?
Valente - Não quero entrar nesse
mérito. Acho que o campo da esquerda do partido deve se manifestar, porque o que está em debate são os rumos do governo. Rumos que repercutem sobre a vida
de todos, do partido e do próprio
governo. É por isso que eu tenho
insistido para a gente calibrar a
crítica, e do outro lado, na direção
do partido, permitir a fluência do
debate.
Folha - O que o sr. pensa do encaminhamento da reforma da Previdência pelo governo, eleita como a
reforma prioritária?
Valente - Colocar a reforma da
Previdência como uma agenda
prioritária foi uma pressão da mídia e do mercado. Acho até que a
cúpula do governo já está revendo
essa posição, tanto que apareceu o
debate da reforma tributária.
A questão central hoje é saber
qual é o modelo econômico que
vai ser implementado: se vamos
ter um modelo que distribui renda, gera emprego, desenvolve o
país e fortalece a presença do Estado. Esse é o ponto central.
Podemos discutir uma reforma
da Previdência, mas não do ponto
de vista do ajuste fiscal. O ponto
de partida para o debate tem que
ser a proteção social. Devemos fazer com que todos os brasileiros
possam ter o direito de se aposentar. Devemos evitar a ideologização do debate, a satanização do
servidor público e procurar informações confiáveis. Evitar a manipulação de informações, particularmente sobre a questão do déficit da Previdência.
É preciso visualizar que, numa
reforma da Previdência, uma solução mais definitiva não está tanto na resposta aos benefícios. Não
é porque aumentaram os benefícios [que a Previdência apresenta
déficit". É porque caiu a contribuição e este país teve duas décadas perdidas de crescimento. O
incremento de contribuições foi
muito baixo: 40% dos trabalhadores estão na informalidade e 20%
estão desempregados.
Com isso, a única forma que se
vê para responder ao déficit da
Previdência é criar uma "Previdência dos pobres", com um teto
de cerca de R$ 1.500, e fazer uma
complementar para quem quiser.
A Previdência complementar é
estimulada largamente pelo mercado. Eles não querem uma Previdência pública, mas privada.
Folha - O funcionalismo está sendo satanizado no modo como a reforma está sendo colocada?
Valente - Certamente. A contribuição do servidor público se dá
sobre o conjunto do seu salário,
não sobre um teto de R$ 1.500. Os
11% que ele contribui a vida toda... As pessoas ficam pensando
que não, que ele contribui sobre o
mesmo teto do INSS. Essa informação é omitida na maioria das
discussões.
Além disso, se você faz a reforma do ponto de vista do mercado,
a tendência é, num primeiro momento, aumentar o déficit da Previdência. Você passa a não contar
com essas pessoas que contribuíram. Há uma ideologia de mercado achando que nós vamos resolver o déficit imediatamente, o que
não é real.
Folha - Mas o governo coloca a
questão exatamente sob esse ponto de vista que o sr. atribui ao mercado.
Valente - O governo não deve assumir essa prioridade que o mercado e o FMI querem impor à reforma.
Folha - Por que o governo está
apresentando a proposta sob essa
ótica?
Valente - Acredito que todos estão bem intencionados. Mas a lógica que foi implementada pelos
condutores da política econômica
é que é necessário dar um choque
de confiança ao mercado. Frente à
gravidade da herança do governo
Fernando Henrique Cardoso, a
lógica deles é criar expectativas
positivas. Tem coerência então a
política de aumentar os juros,
mesmo quando o mercado não
pressiona, aumentar o superávit
primário, mesmo quando o acordo com o FMI fala em 3,75%, independência do Banco Central e
privatização dos bancos estaduais
que ainda existem. Com isso se
pretende criar uma expectativa
positiva. Daqui a um tempo se poderia desconectar do modelo.
Mas o que está acontecendo agora
é aprofundar o modelo.
Folha - Está equivocado o governo?
Valente - Está equivocado. Porque o mercado não tem racionalidade, é irracional e especulativo
por natureza. Tem uma lógica de
lucro, e nós temos uma lógica de
desenvolver um projeto nacional.
A lógica do governo se baseia numa "lei de murphy": se tudo der
certo, vai dar certo, mas sempre
vai ter um fator que vai atrapalhar. Ou é a guerra no Iraque ou a
crise na Venezuela ou, agora, o
aumento da inflação.
O nosso governo tem que fazer,
desde já, não grandes rupturas
porque não há correlação de forças para isso, mas sinalizações de
que não vai se submeter a todas as
vontades do mercado.
Folha - O governo constituiu o
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, fórum de debate
das reformas, com metade de empresários. O sr. diria que as chances
são de que a "proposta do mercado" permaneça?
Valente - O conselho é um órgão
consultivo, não tem poder deliberativo. É mais um órgão de consulta, mas onde as questões vão
acontecer de fato é na sociedade
organizada e no Congresso Nacional, que terá que decidir por
uma mudança ou não. Eu não
quero valorizar esse conselho como um instrumento que dá rumos e direção.
Folha - Por sua composição, o sr.
acha que o conselho pode dificultar
a guinada à esquerda que o sr. deseja?
Valente - Se você forma um conselho que tem uma maioria de
empresários, é natural que ele tenha uma tendência mais conservadora. Mas como acho que esse
conselho não deve ter poder de fato, é preciso tomar inclusive cuidado para que não apareça com
legitimidade para se sobrepor ao
conjunto do movimento social
organizado e mais ainda ao Congresso.
Folha - Existe esse risco?
Valente - Certamente. Se não for
feito com habilidade, pode-se
causar confusões e conflitos.
Quem tem legitimidade para fazer movimentação política é o
conjunto do movimento social e
quem tem condição de votar são
os representantes eleitos.
Folha - Caso o governo apresente
a proposta de reforma da Previdência, tal como discutida até agora,
como será a reação dentro do PT?
Valente - Certamente vai ser
uma proposta conflitiva. Vai checar a identidade do PT com os trabalhadores. Os partidos conservadores apoiariam uma reforma
com esse teto, previdência complementar privada, única, e assim
por diante. Vai causar uma necessidade de definições mais agudas,
na base social que elegeu o Lula e
na sua própria base parlamentar.
Como isso vai se desenrolar, ainda não dá pra dizer.
Folha - Mas enfrentaria resistências dentro do PT?
Valente - Certamente. Disso não
tenho dúvida. Me refiro à base
parlamentar e à base militante.
Folha - O sr. acha que a esquerda
do partido está isolada?
Valente - A esquerda tem uma
co-responsabilidade nesse governo. Esse é o nosso governo. Quando fazemos críticas agudas é porque nos sentimos responsáveis.
Não acredito no isolamento, mas
na capacidade de convencimento
pelos argumentos.
Folha - O que o sr. pensa da possibilidade de repreensão de parlamentares do partido, como o deputado Babá, por sua declaração sobre o ministro Palocci, pedida por
integrantes da ala majoritária?
Valente - A esquerda deve centrar as críticas no conteúdo. Por
outro lado, medidas administrativas para solucionar conflitos políticos nunca funcionaram em nenhum partido.
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